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'A segurança pública não pode ser uma punição para o cidadão'

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Publicado em:26/04/2019
'A segurança pública não pode ser uma punição para o cidadão'Sofrimento, ansiedade, angústia, alteração de humor, medo, apreensão. Na opinião de especialistas das áreas de Violência e Saúde e Saúde Mental, esses transtornos estão fortemente associados a situações de massacre, tragédias e barbáries, resultando em experiências de sofrimento mental cada vez mais comuns em tempos de “banalização da violência”.
 
O assassinato do músico Evaldo Rosa dos Santos, de 51 anos, e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, após militares do Exército dispararem mais de 80 tiros contra o carro da família do músico, no dia 7 de abril, na zona norte do Rio de Janeiro, é um claro exemplo da visão absolutamente equivocada de segurança pública, presente no cotidiano não só da população carioca, mas de diversas outras regiões do país.
 
Na opinião da pesquisadora da ENSP/Fiocruz Maria Cecília de Souza Minayo, coordenadora científica do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, a combinação entre os fatores acima citados – banalização da violência e o atual modelo de segurança pública – reflete a barbárie do último dia 7/4.
 
'A segurança pública não pode ser uma punição para o cidadão'“A segurança pública não pode ser uma punição para o cidadão; tem que ser um modelo de cuidado e resguardo da sociedade. Esse caso, além de exemplar, levanta outros questionamentos, pois se tratava de um senhor negro, com uma família negra, e, dessa forma, todo um estereótipo entra em questão. Se fosse uma família de pessoas brancas, na zona sul do Rio, seria a mesma coisa?”, indagou a especialista em violência e saúde, que completou: “Assisti a um comentário de uma pessoa de origem humilde, que dizia: ‘Qual será a ruindade de hoje?’. É assim que estamos vivendo”.
 
Para Minayo, que já coordenou pesquisa sobre “Experiências exitosas de prevenção da violência em 10 capitais brasileiras”, o despreparo do Exército Brasileiro para atuar na segurança pública também não pode ser descartado. “Isso não quer dizer que nossas polícias militar ou civil sejam muito melhores, mas o Exército não está preparado. E como não há aptidão para isso, meu oponente é visto como inimigo. Será que não havia outra possibilidade de abordagem? Por que atirar sem ver, sem conversar, sem perguntar? Essa banalização e o despreparo fazem você olhar o semelhante como um inimigo.”
 
Sofrimento disperso e coletivo
 
Um dos pioneiros do Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica, o pesquisador Paulo Amarante revela que o impacto sofrido a partir de tragédias, situações de massacre ou atos violentos leva à experiência de sofrimento mental, reconhecida como estresse pós-traumático (TEPT). Esse tipo de situação, também comum em circunstâncias de guerra, grandes conflitos sociais e políticos, faz com que a “vítima”, ao se recordar do fato, reviva o episódio como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma sensação de dor e sofrimento que o agente estressor provocou. 
 
'A segurança pública não pode ser uma punição para o cidadão'“Esse tipo de impacto provoca sintomas de ansiedade, angústia, alteração de humor, medo, apreensão. Produz sensação de impotência, ausência de perspectiva, de futuro, desconfiança nas pessoas e nas instituições. A situação leva ainda a conflitos não apenas pessoais, mas também em relação aos familiares e demais laços sociais”, detalhou o coordenador do Laboratório de Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP lembrando que a OMS considera o tema.
 
O sofrimento das famílias das vítimas e dos “agressores” também foi mencionado por Cecília Minayo. Além do destroçamento dos laços sentimentais e da sensação de raiva e rancor, ainda não se sabe o impacto econômico dentro daquele lar. Mencionado, na ocasião, o trauma do filho do músico, de 7 anos, e da família dos militares comentado. 
 
“Muito provavelmente, o filho do músico Evaldo guardará para vida toda que o Exército Brasileiro matou seu pai. Estamos assistindo a uma tragédia que abalou a todos, inclusive a quem a praticou. Os próprios militares têm família, que ficará marcada. O próprio Exército, institucionalmente, fica marcado. Além das mortes, essa situação provoca um sofrimento disperso, que acaba envolvendo todo o mundo”. 
 
Imagem carro: Reprodução de TV

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