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'Dicionário de Favelas Marielle Franco' pretende resgatar memória das comunidades

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Publicado em:18/04/2019
Produzir conhecimento sobre a favela, resgatar a memória coletiva dos seus moradores e mobilizar diferentes atores da sociedade e da academia para garantir a produção de conhecimento coletiva: essas são algumas das práticas do Dicionário de Favelas Marielle Franco. A plataforma virtual de acesso público para a coleção e produção de conhecimentos a respeito das favelas, de forma aberta e baseada em Wiki, foi lançada dia 16 de abril, na Fiocruz, em evento que celebrou os 33 anos do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict).
 
O dicionário já conta com mais de 258 verbetes e 67 colaboradores, entre pesquisadores acadêmicos e intelectuais da favela e a população em geral. De acordo com a pesquisadora da Fiocruz Sônia Fleury, que coordenou a publicação, a despeito do lançamento, o trabalho está só no começo, uma vez que é aberto à inclusão de novos verbetes e propostas.
 
Em entrevista ao Informe ENSP, Fleury, que também é membro do Conselho Consultivo da ENSP, destacou a importância da vereadora assassinada, Marielle Franco, no desenvolvimento do dicionário, além do elo com a academia para a geração de produtos, tais como teses e artigos ou documentais e imagéticos que deem luz à favela. Confira:
 
Informe ENSP: Como surgiu o dicionário?
 
'Dicionário de Favelas Marielle Franco' pretende resgatar memória das comunidadesSônia Fleury: Sou uma pesquisadora que vem da área social, das políticas sociais, e nunca tinha trabalhado com questões urbanas. Iniciei nessa área apenas quando começou o programa UPP Social, ocasião em que fui às favelas avaliar essa política dita social, mas que, na verdade, é de segurança. Diante disso, me defrontei com uma fragmentação disciplinar, ou seja, havia inúmeras disciplinas distintas tratando das questões relacionadas à favela. Podia ser Sociologia, Historiografia, Urbanismo, Arquitetura. Achei que esse conhecimento poderia estar mais agregado; porém, não tem isso em lugar nenhum. 
 
No entanto, nos locais em que trabalhei, havia uma demanda muito grande para recuperar a memória da população (que é basicamente oral). Por isso, têm-se criado cada vez mais museus, grupos de pesquisa, identidade, memória e cultura, onde começam a organizar seus arquivos, entrevistar os primeiros moradores; mas tudo isso de uma forma bem incipiente. 
 
Essa produção de conhecimento a respeito da favela estabelece uma ponte muito clara acerca do que se faz na própria favela e na produção acadêmica. Logo, a ideia foi criar um instrumento no qual esses diferentes olhares sobre a favela pudessem interagir e potencializar o conhecimento, na intenção de modificar uma visão simplista de que, na favela, é tudo igual. Na verdade, são diferentes, cada uma tem sua história, singularidade, dinâmica, mas são tratadas, pelo poder público, de forma homogênea simplesmente por falta de conhecimento.
 
Então, o dicionário é uma forma de resgatar a própria história do Rio de Janeiro, que é fragmentada porque a parte da favela não tem o mesmo destaque que as outras áreas da cidade. 
 
Informe ENSP: O dicionário está na Plataforma Wiki e é aberto à inclusão de novos verbetes. Como funciona esse processo?
 
Sônia Fleury: O dicionário é aberto e faz parte de uma construção coletiva e estimulada por nós. Fizemos apenas o lançamento, mas isso não significa a finalização do trabalho. É apenas o começo. O conjunto de verbetes – e propostas – para estimular a escrita pode vir de qualquer pessoa, dentro das regras que estabelecemos.
 
Criar a plataforma deu um grande trabalho, porque, em geral, não há ligação entre as ciências sociais e o universo da tecnologia da informação. Tivemos que trabalhar com pessoas da área para poder organizar essa plataforma; temos o texto escrito, mas pode haver textos alternativos, sem alterar o original. 
 
Para tanto, é necessário que a pessoa interessada em contribuir se inscreva como participante antes de enviar seu material. Também é possível fazer uma pequena proposta inicial, uma ementa de 400 palavras sobre um tema relacionado às favelas e inseri-la na plataforma antes de enviar o texto definitivo do verbete. Cada autor é livre para propor o tema que quer abordar, desde que remeta à temática geral das favelas. Já a elaboração do verbete deve seguir as normas e orientações gerais. Quem quiser debater um verbete ou propor uma visão divergente, e mesmo uma redação alternativa, pode, também, enviar seu texto com referência ao artigo original que quer debater. 
 
Informe ENSP: a Plataforma traz o nome da vereadora Marielle Franco. O que significa essa homenagem?
 
Sônia Fleury: Marielle foi muito sensível ao projeto. Quando fiz o convite, ela imediatamente aceitou e escreveu uma ementa. Sua proposta foi sobre a monografia “UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”, mas foi assassinada logo em seguida. Todavia, um grupo de pessoas que trabalhou com ela se colocou à disposição para continuar redigindo os verbetes da monografia dela, dando prosseguimento ao trabalho. 
 
Ao assumir o nome Marielle Franco (antes seria “Dicionário Carioca de Favela”), para além de uma homenagem, é um compromisso com os mesmos ideais que a marcaram, como a luta pelas mulheres negras, pelo reconhecimento da diversidade, contra o preconceito. 
Temos trabalhado priorizando algumas favelas; independe de qual favela você viva para escrever no dicionário, mas concentramos algumas prioridades para dar apoio maior à população, a fim de que ela possa seguir, mobilizar e escrever. Já fizemos isso em Santa Marta, Alemão, Maré, Cidade de Deus, o Núcleo Piratininga de Comunicação e, agora, vamos priorizar, depois de deliberação do Concelho Editorial, a comunidade de Manguinhos.  

'Dicionário de Favelas Marielle Franco' pretende resgatar memória das comunidades
 
Informe ENSP: Qual a importância do dicionário para a Fiocruz?
 
Sônia Fleury: A Fiocruz tem uma tradição de comprometimento com essas questões sociais, além de todo um acervo relacionado a essa área. Mais do que um apoio, estar na Fiocruz significa poder trabalhar a promoção social e a emancipação social. 
 
O Icict é muito importante porque existe a expertise na área de acervos e informação. E esses grupos das comunidades têm muita dificuldade em construir seus acervos, colocar on-line, principalmente porque existe carência no material. Nosso intuito é apoiá-los mais de perto. 
 
Informe ENSP: Quais são as perspectivas futuras para o dicionário?
 
Sônia Fleury: No que tange às temáticas, não há um assunto específico. Construímos, por intermédio de grupos de trabalho e com várias instituições, e criamos um núcleo de sustentabilidade e cultura, memória e identidade das favelas etc. Nesses grupos, discutia-se o que era mais importante em suas respectivas áreas. 
 
Vale lembrar que existe um grupo de pesquisadores que se dedicam a avaliar as ementas cadastradas, fazendo observações sobre o que foi escrito e a relação disso com a favela, por exemplo. Não ofender, não fazer apologia ao crime, tudo isso deve ser considerado na hora da escrita. 
 
Outra coisa é a orientação e sugestão dos pesquisadores para melhorar os verbetes; e outra são as normas de conduta, que estão lá e devem ser seguidas. Um aspecto fundamental para viabilidade desse dicionário foi a participação de um especialista sensível às questões sociais e da área da Saúde, capaz de entender a demanda e transforma-la em realidade. Esse pesquisador se chama Marcelo Formasin, que fez concurso para a ENSP para essa área de Tecnologia da Informação e será convocado para tomar posse do cargo. 

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