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Entrevista: “Muitas agricultoras são executadas; então, somos milhares de Marielles”, afirmou a agrofeminista Rita Barbosa

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Publicado em:10/04/2019
Por Joyce Enzler
 
A agricultora e moradora da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, na Fiocruz Mata Atlântica, Rita Barbosa, a d. Rita, é uma das produtoras da Feira Josué de Castro, na ENSP. Integrante da Rede Carioca de Agricultura Urbana (Rede Cau), ela comercializa o que é plantado em seu quintal: verduras, ervas e o xarope, que aprendeu com sua mãe.  Dona do seu meio de sobrevivência, não se conforma com a estrutura patriarcal que dificulta a vida das agricultoras.
 
Mulheres da agroecologia também lutam pelo fim do machismo nas atividades de cultura do solo. Por isso, no dia em que a feira homenageou a vereadora Marielle Franco, as agricultoras foram agraciadas com uma exposição sobre suas trajetórias. Segundo d. Rita, até na hora de tirar a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP), são tratadas como incapazes. 
 
Para conhecer um pouco da realidade das agricultoras e do caminho que os produtos alimentícios fazem até chegar à Feira, o Informe ENSP conversou com a agricultora e feminista Rita Barbosa. 
 
Informe ENSP:  De onde vêm os produtos comercializados da sua barraca, na Feira Josué de Castro?
 
Entrevista:  “Muitas agricultoras são executadas; então, somos milhares de Marielles”, afirmou a agrofeminista Rita BarbosaD. Rita: Da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, onde moro. Lá, temos horta, o projeto Quintais Produtivos. Participo da Feira Agroecológica Josué de Castro desde 2015. Eu fiquei um tempo sem plantar, porque, em 12/7/ 2012, a prefeitura do Rio de Janeiro tirou minha casa. Então, eu perdi meu terreno, a casa, a plantação. Eles derrubaram tudo, disseram que, no terreno, seria construído um local para os funcionários da Comlurb trocarem de roupa. A Secretaria de Habitação me deu uma casa na Colônia, mas em outra rua; uma casa muito velha, não fico lá quando chove, porque molha tudo. Ela é de amianto, não tem emboço, não tem nada, e já tem seis anos que eu estou nessa casa vendo a hora de ela cair. 
 
Informe ENSP: Você faz parte dos Quintais Produtivos, fale um pouco desse projeto.
 
D. Rita: A gente planta verduras, ervas medicinais, tempero, tudo no quintal de casa.  
 
Informe ENSP: Todos esses temperos são do seu quintal?
 
D. Rita: O que não tem no meu quintal, consigo em outros. Alguns produtos vêm de Magé, por exemplo, o urucum acabou na Colônia, então vem de Magé.
 
Informe ENSP: Vem de outra Rede?
 
D. Rita:  É a mesma Rede, só que outro agricultor. Isso aqui, nessa garrafinha, é xarope caseiro, que eu aprendi a fazer com minha mãe, que aprendeu com minha avó.    
 
Informe ENSP: Sua avó era de onde?
 
D. Rita: De Pernambuco. Eu sou de Recife. Esse xarope é para quem tem resfriado, para quem fuma, tem bronquite. Eu vendo esse xarope há vinte anos 
 
Informe ENSP: A receita é segredo?
 
D. Rita: Não é segredo, são os mesmos ingredientes que estão aqui. O negócio é deixar o xarope no fogo e dar o ponto, se não der o ponto não vira xarope.          
 
Informe ENSP: Qual a importância desta feira, quinzenalmente, aqui na ENSP/Fiocruz para as agricultoras urbanas e rurais?
 
D. Rita: Nossa, foi um sonho ser convidada para esta feira, porque é importante mostrar o trabalho que fazemos! Nós comercializamos comida de verdade, não usamos agrotóxicos nem nenhum tipo de defensivo. Aqui é uma escola, e os jovens, assim como os adultos, precisam conhecer a alimentação saudável. A Feira Josué de Castro tem sua importância, mas nós queremos almejar outros espaços dentro da Fiocruz, porque essa instituição é grande, e nós queremos mostrar para as pessoas o sabor de um alimento sem agrotóxico. A feira poderia acontecer toda semana, nós temos produção para isso, e a Rede CAU é uma organização que inclui várias hortas dentro do Rio de Janeiro. 
 
Informe ENSP: Qual a relação que observa entre as reivindicações das agricultoras e as bandeiras que eram defendidas pela vereadora Marielle?
 
D. Rita:  A homenagem à Marielle, na feira, é muito importante, porque era mulher, era uma guerreira. Abateram uma e levantaram milhões de mulheres para combater as injustiças. Nós estamos aí para lutar pela memória da Marielle, pelos direitos das mulheres negras.
Neste país, quem fala a verdade é calado, mas só que eles não calaram. Marielle vai estar presente na vida de todos nós para sempre, porque ela era uma vereadora importante para gente, para as mulheres negras, para os movimentos sociais. Que muitas Marielles se levantem para lutar contra a opressão ao nosso lado. 
 
É muito triste, neste país, a pessoa que mostra o erro ser calada do jeito que ela foi. Entretanto, eles esqueceram que têm milhões de Marielles perguntando quem foi o mandante? O mundo, não só o Brasil, quer saber. Isso não vai parar. Para mim, isso é muito importante, especialmente para os movimentos sociais, porque a Marielle foi abatida, e a imprensa toda foi em cima. Mas muitas mulheres são mortas, e ninguém sabe. Algumas vão até a delegacia, a família fala; e quem ninguém fala? E as agricultoras abatidas por causa de um pedaço de terra neste país? Então, são milhares de Marielles. 
 
Todo dia, uma mulher é estuprada, desrespeitada na condução, no trabalho e em todos os lugares. Se uma negra chega à empresa para trabalhar, é desconsiderada. Isso tem que acabar no país, no mundo; logo, é importante lutar sim.
 
Informe: As mulheres são a maioria na organização da feira?
 
D. Rita:  A maioria na feira, nos nossos projetos, nos quintais: é tudo mulher.
 
Informe: O machismo, infelizmente, é forte na sociedade brasileira.  Ele acontece também na militância ambientalista?
 
D. Rita: Sim, acontece tanto com nossos companheiros nas atividades dos movimentos sociais, como no cotidiano. Muitas mulheres não conseguem nem tirar o DAP, que é um registro de identificação dos agricultores familiares. Quando chegam para emitir o documento, eles querem saber “Ah, cadê seu marido? Por que ele não veio?” Não consegui tirar o DAP, eles só tiram de quem tem marido, ficam enrolando. Eu só tenho o certificado da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio-RJ). Então, isso tem que acabar. Com marido ou sem, precisamos ter nossos direitos garantidos. Nós somos independentes, sabemos o que queremos.
 
Informe ENSP: A senhora é feminista? Qual a importância do feminismo na vida das mulheres?
 
D. Rita: Sim. Elas se libertam. A mulher não precisa viver embaixo do sapato de homem, nem de ninguém. A mulher tem que ser independente. A mulher não tem lugar, o lugar da mulher é onde ela quiser ir. E, na profissão que ela escolher, ela tem que ser respeitada. 
 
Informe: Na militância agroecológica, a participação das feministas é grande?
 
D. Rita: Sim. Hoje é o dia da Marcha das Margaridas na Paraíba. Tem representante da Rede Carioca de Agricultura Urbana (Rede Cau) lá, mulheres dos Quintais Produtivos da Colônia. Todo ano, vai uma diferente para ganhar experiência nas discussões e nas ações. 
As mulheres precisam se ajudar, lutar juntas. Ainda necessitamos de mais conquistas, uma vez que o machismo é grande neste país. Os homens ganham mais, e isso precisa acabar, porque a mulher trabalha muito mais do que o homem, nem se compara. O marido, quando chega do trabalho, toma banho e fica sentado. Nós não, trabalhamos o dia todo e, à noite, ainda cuidamos de filho, da alimentação e limpamos a casa. O salário da mulher é menor somente por uma questão de gênero. Então, precisamos ser reconhecidas neste país, tem que mudar essa estrutura desigual e injusta. 
 

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