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Minha comemoração do 31 de março

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Publicado em:02/04/2019
Em meio a comemorações pelo golpe militar de 1964, o doutor em Saúde Pública e pesquisador aposentado da ENSP, Álvaro Nascimento, comenta, em artigo, a falta de direitos, a censura e o autoritarismo vividos no país durante os anos de exceção. 
 
Minha comemoração do 31 de março
 
Por Álvaro Nascimento*
 
O dia 31 de março de 1964 inaugurou uma ditadura militar no Brasil que durou até 15 de março de 1985. Nesse período, o governo federal, os estaduais e os municípios, considerados de Segurança Nacional (todas as capitais de estado e cidades escolhidas pelos militares), eram dirigidos por pessoas indicadas por integrantes das Forças Armadas, sem eleição como determinava a Constituição de então. Quando a ditadura começou, eu tinha 7 anos. Quando terminou, eu tinha 28.
 
De caráter autoritário e repressivo, esse regime teve início com o golpe que derrubou o governo de João Goulart, à época presidente democraticamente eleito por meio de uma aliança entre militares conservadores, grandes empresários, latifundiários, banqueiros, a grande mídia e a Igreja Católica, com o apoio dos Estados Unidos, como ficou comprovado em documentos e gravações vindos a público recentemente.
 
A ditadura militar brasileira se caracteriza pela cassação de direitos políticos (incluindo o de parlamentares eleitos), proibição do funcionamento de partidos, perseguição, demissão sumária, prisão, tortura, assassinato, desaparecimento de corpos e o exílio de opositores, tivessem eles optado pela resistência armada ou não.
 
A ditadura militar brasileira também é marcada pela censura à imprensa, à música, ao teatro, ao cinema, à literatura, aos espetáculos públicos e às artes em geral. Na economia, se caracteriza pela carestia das condições de vida da grande maioria da população e pelo desemprego, escondidos por meio do chamado "milagre econômico", responsável pelo crescimento de uma dívida externa e interna que compromete, até hoje, seguidas gerações de brasileiros.
 
A ditadura militar também é marcada por grandes escândalos de corrupção, com militares e civis que os apoiavam enriquecendo à sombra das pequenas e grandes obras, como a Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói, as usinas nucleares e outras. A censura à imprensa impedia a cobertura e ciência desses fatos pela sociedade, mas escândalos como os da Coroa-Brastel, a famosa falência da Caderneta de Poupança Delfim e a malversação de fundos, como até o da Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares) eram de conhecimento público. A imprensa alternativa, os estudantes, um incipiente movimento operário, que havia sido praticamente dizimado em 1964, e os panfletos de quem resistia à ditadura distribuídos nas ruas denunciavam os descalabros. Para evitar que tais denúncias e outros atos de resistência viessem a público, centenas de bancas de jornais, que aceitavam vender jornais alternativos, amanheciam queimadas por grupos paramilitares. Nunca uma investigação foi à frente.
 
Esses bravos brasileiros que resistiam à ditadura eram perseguidos pelos chamados "órgãos de inteligência e informação" do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Militar e Polícia Civil dos estados. Quando presos, eram julgados pela Justiça Militar por infringirem a Lei de Segurança Nacional criada pelos próprios militares.
 
Grupos paramilitares como o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) eram responsáveis, entre outros crimes, por explosões de bombas como as enviadas à OAB, a um gabinete da Câmara de Vereadores do Rio ocupado por Antonio Carlos de Carvalho, ex-preso político e parlamentar democrata, e a jornais independentes. Dois militares dos serviços de informação explodiram a bomba do Riocentro em um Primeiro de Maio.
 
Por tudo isso, comemorar o que ocorreu em 31 de março de 1964 só cabe numa cabeça doentia, irresponsável, vil, que desconheça nossa História recente ou de alguém desequilibrado mentalmente. Ato também possível em alguém que acumule um ou mais desses predicados.
 
* Jornalista, doutor em Saúde Pública pela Uerj.

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