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Lugar de mulher: 'Radis' aborda a condição feminina no ambiente científico

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Publicado em:11/03/2019
Lugar de mulher: 'Radis' aborda a condição feminina no ambiente científicoNo mês da Mulher, a revista Radis de março de 2019 traz como matéria de capa a trajetória de cientistas brasileiras. A repórter Elisa Batalha ouviu relatos de pesquisadoras como Thais, Nísia e Denise que ajudam a mostrar o que é ser mulher no ambiente acadêmico. Segundo a Radis, as cientistas vêm ganhando espaço na pesquisa, e no Brasil, já assinam 49% dos artigos científicos publicados.”No topo da carreira e em áreas tecnológicas e exatas, no entanto, elas ainda estão em desvantagem numérica”.
 
Um das entrevistadas da revista, a primeira presidenta da Fiocruz, Nísia Trindade Lima é uma pessoa considerada “afável”. E isso, ela reconhece, relata a reportagem, chegou a ser apontado como um aspecto negativo de sua personalidade, que não contribuiria para exercer o posto que ocupa, por não corresponder ao estereótipo de um perfil de liderança agressiva, atributo considerado “masculino”. “Eu vejo que a minha posição, o lugar de autoridade, de mando, muitas vezes é associado com um lugar masculino, em uma visão que confunde autoridade com autoritarismo. Trata-se do imaginário sobre esses lugares de autoridade e de poder”, avaliou.
 
Nísia disse que estar no mais alto cargo de uma instituição tradicional de pesquisa com quase 120 anos de história é visto por ela como expressão “do reconhecimento de toda uma comunidade”. Para a socióloga e pesquisadora da história da ciência, é importante que o sistema de eleição da instituição em que atua há mais de 30 anos — com participação de todos os servidores e posterior confirmação pela presidência da República — seja valorizado, por ser democrático e garantir maior diversidade. “O sentimento maior para mim é de gratidão pela confiança depositada, mas também o de responsabilidade”, conta ela, que assumiu o cargo em 2017. Quanto à experiência na presidência, ela diz que o principal desafio tem sido atravessar a situação de crise no país. “Por outro lado, estou lidando com a imagem positiva que a instituição tem junto à sociedade, o seu capital simbólico, o seu reconhecimento pelas ações realizadas em prol do Sistema Único de Saúde ao longo dos últimos trinta anos”. 
 
Outra entrevistada pela Radis foi a astrônoma Denise Rocha Gonçalves. “Já me aconteceu de ser interpelada por autoridades em aeroportos e dizerem “como assim você é pesquisadora do Brasil?!”. Em alguns lugares perguntam: “por que você sabe falar inglês?”. A astrônoma tem certeza de que os episódios de discriminação que enfrentou ao longo da vida aconteceram devido ao racismo e à falta de representatividade da mulher negra no meio científico. 
 
De acordo com a matéria, os estudos sobre gênero e ciência corroboram o que Denise experimenta no seu dia a dia. “Historicamente, quando estimulados a desenhar um cientista, 92% dos estudantes desenhavam homens. No final dos anos 1990, esse percentual caiu para 70%, e cerca de 16% dos estudantes desenhavam cientistas que eram claramente mulheres e 14% faziam desenhos ambíguos com relação ao sexo. Um percentual extremamente elevado, 96% dos cientistas, continuaram a ser descritos como caucasianos, a despeito da proeminência dos asiáticos na ciência.” Os dados são mencionados pela especialista Londa Schiebinger no artigo “Mais mulheres na ciência, questões de conhecimento”, publicado em 2008 no periódico “História, Ciências, Saúde — Manguinhos”.
 
Sobre o racismo, Denise diz que estudou com poucas pessoas negras. “Até a época do meu ensino médio, dizia-se que nos Estados Unidos existia racismo, mas no Brasil, não. Este era o discurso que chegava até mim sobre o assunto”. Ela conta que, quando foi aprovada no concurso para docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro, (UFRJ), para o Observatório do Valongo, houve no mínimo um estranhamento. “Estavam tomando posse duas pessoas naquele dia, um homem branco que tinha um nome francês e eu. Havia quatro pessoas na sala, três mulheres, uma delas loura, e o rapaz de nome francês. Sem hesitar, o pró-reitor começou dando os parabéns para o homem branco. Depois olhou para as três mulheres, ficou na dúvida e escolheu cumprimentar a mulher branca, que já era servidora da universidade. Ela precisou corrigi-lo e disse ´não sou eu que estou sendo empossada, é ela´. Aquilo para mim foi um choque”. 
 
No comportamento, Denise também observa as diferenças de gênero socialmente construídas. “Tem certos detalhes na hora de trabalhar em grupo. Se eu tiver que escolher eu prefiro trabalhar com mulheres, porque a divisão igualitária de tarefas fica mais fácil”, constata. Denise observa que tem havido avanços por se abordar atualmente na academia a questão do assédio moral e sexual. “É importante que se fale muito sobre isso porque isso ajuda a fazer como que mesmo aqueles mais ´reaças´ tenham que parar e pensar. Isso vai possibilitando desnaturalizar e dar nomes às coisas”, declara. 
 
A gravidez também é uma questão. “Quando fiquei grávida, eu havia assumido fazia apenas três meses um pós-doutorado numa instituição que eu estava conhecendo, tinha novos colegas e estava longe da minha cidade. Num departamento de nota máxima na Capes, bastante competitivo. Fiquei muito tensa só em ter que informar a gravidez ao meu supervisor”, contou à Radis Thais Florencio de Aguiar, 41 anos, professora, pesquisadora e mãe de Ana Rosa, de quatro anos. Ela lembra que a reação do seu supervisor foi tranquila e isso a acalmou, mas não a isentou de percalços. 
 
Em abril de 2014, a tese da jornalista e doutora em Ciência Política havia sido premiada no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Em outubro do mesmo ano, ganhou o Prêmio Capes de Tese 2014 na categoria Ciência Política. 
 
Durante a gravidez, Thais procurou se informar sobre a possibilidade de uma licença-maternidade. “A princípio a secretaria do curso interpretava que a licença-maternidade só se adequava a pesquisadoras de mestrado e doutorado. Depois descobri com a Capes que poderia ter quatro meses de licença.” Ela acrescenta: “Tenho a nítida impressão de que lutar pelo espaço da mulher, sobretudo de mulher mãe, demanda transformar, ou melhor, construir outra academia, que prima por laços de solidariedade entre trabalhadores." 
 
A íntegra dessa matéria e as outras reportagens da Radis n° 198 estão disponíveis aqui.
 
 
 

Fonte: Radis 198
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