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Entrevista: Aluna da ENSP fala sobre a criação do Coletivo Negro

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Publicado em:11/01/2019
Joyce Enzler
 
Entrevista: Aluna da ENSP fala sobre a criação do Coletivo NegroMayra da Cruz Honorato, estudante do primeiro ano do mestrado acadêmico em Saúde Pública na ENSP, formada em psicologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e integrante do Grupo Preto de Psicologia Ìmárale fala sobre a criação do Coletivo Negro na Fiocruz, por um grupo de estudantes, e a participação da população negra na academia. O Coletivo participou da organização do Ceensp Vidas Negras – Saúde e Resistência, na ENSP. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.
 
Informe ENSP: Conte um pouco da história da criação do Coletivo Negro na Fiocruz e o seu objetivo.
 
Mayra Honorato: A ideia do coletivo surgiu de uma disciplina de inverno que aconteceu na ENSP, em 2018, Expressões do Racismo e Saúde. Essa foi a primeira disciplina que teve o racismo como debate central. Foi um curso muito intenso, produtivo e potente, então os alunos que participaram da disciplina resolveram criar o coletivo. É um consenso que a Fiocruz, como qualquer espaço acadêmico, é um espaço branco, mas nesta disciplina conseguimos ver 70 pessoas, 95% negras, ocupando uma sala na instituição e se propondo a aprender e trocar sobre os efeitos do racismo na saúde da população negra. Isso teve um impacto enorme em quem pôde participar e se reconhecer nesse espaço.
 
É daí que parte nosso principal objetivo: reconhecimento e acolhimento. Entendendo que somos pessoas que se reconhecem como negras e nossa vivência é atravessada por um fator comum, ter esse espaço de troca e construção das nossas práticas entre nós, sem distinção de cargos ou função institucional, levando-se em conta que somos afetados de formas diferentes, pensando também nos trabalhadores com vínculo trabalhista mais fragilizado.
 
 
Informe ENSP: Na Fiocruz, existe o Comitê Pró-equidade de Gênero e Raça, qual o motivo de se criar outro agrupamento com o mesmo tema e qual o diferencial do Coletivo? Ele tem alguma interlocução com o Comitê?
 
Mayra Honorato: O Coletivo ainda não tem interlocução formal com o Comitê, existe o diálogo e o Comitê tem a ciência da formação do Coletivo. Mas nada impede que no futuro haja alguma parceria eventual, não estamos fechados a isso.
 
O diferencial do Coletivo é o fato de não ter um vínculo com a agenda institucional, como o Comitê, que funciona no fortalecimento da temática dentro da Fundação. 
 
Como disse anteriormente, nossos objetivos principais são o reconhecimento e o acolhimento. Somos um grupo de gestão coletiva que decidiu construir um espaço de troca sobre a nossa vivência e produção dentro da Fiocruz. Nosso foco principal é o diálogo e a troca de experiências entre nós. Não está dentro dos nossos objetivos principais a agenda institucional.
 
 
Informe ENSP: Na ENSP, como andam as discussões sobre cotas raciais?
 
Mayra Honorato: As discussões sobre cotas raciais, na ENSP, iniciaram com o objetivo de atender a Portaria Normativa Nº 13, de 11 de maio de 2016 do Ministério da Educação, que dispõe sobre a indução de Ações Afirmativas na Pós-Graduação. A Escola discutiu nas reuniões da Comissão Geral de Pós Graduação (CGPG) e aderiu à reserva de vagas, no lançamento do edital 2018, para ingresso dos alunos nos programas de stricto sensu.
 
Já no nível de lato sensu, a primeira iniciativa foi através do Curso de Especialização em Saúde Pública 2018, onde foram oferecidas 33 vagas, sendo 27 para candidatos nacionais de ampla concorrência, três para ações afirmativas e três para candidatos estrangeiros.
 
Na Residência Multiprofissional em Saúde da Família, foi definida, no edital 2019, a reserva de uma vaga para cada uma das 7 categorias profissionais oferecidas. Outra iniciativa foi a criação do Grupo de Trabalho destinado à discussão de políticas para implementação das ações afirmativas cotas raciais e para pessoas com deficiência física. O trabalho deste grupo ainda encontra-se em fase inicial.
Cabe ressaltar que as iniciativas da ENSP visam à discussão de cotas étnico-raciais concomitantemente a cotas destinadas a pessoas com deficiência física.
 
Informe ENSP: Este Coletivo percebe avanço nas discussões sobre população negra e serviços de saúde nas instituições públicas de ensino?
 
Mayra Honorato: O fato de conseguirmos colocar o evento do Ceensp e de termos a disciplina Expressões do Racismo e Saúde, em 2018, é um ponto de avanço nas discussões sobre saúde e a população negra. No mês de novembro, tivemos diversos eventos sobre a temática, mas, ainda assim, temos um caminho enorme pela frente. Estamos no século XXI, na mais importante instituição de ensino de saúde pública do Brasil, e ainda precisamos dizer que essa foi a primeira disciplina que abordava o racismo como temática central. Ter a sala de aula cheia só mostra o quanto faltam espaços com essa proposta. Tivemos também o Ceensp, mas precisamos de outros momentos e eventos fora do mês de novembro: a população negra é maioria no sistema público de saúde o ano inteiro.
 
Para produzir um ensino de qualidade, no diálogo sobre a saúde da população negra, é essencial espaços de construção que tenham o racismo como eixo central, com bibliografias que reflitam sobre a nossa conjuntura, e não como mais uma iniquidade. Se o maior público do SUS é negro, não faz sentido tratar isso apenas como mais um detalhe.
 

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