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Como as coleções terminam: 'Cadernos' retoma o trágico incêndio no Museu Nacional

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Publicado em:12/12/2018
Como as coleções terminam: 'Cadernos' retoma o trágico incêndio no Museu NacionalA última edição de 2018 do Cadernos de Saúde Pública dedica seu editorial ao Museu Nacional, e seu espaço temático traz artigo de pesquisadora da ENSP que reflete sobre o descaso e a negligência contra a cultura, a história e o patrimônio científico brasileiro. Em apoio às instituições, a ENSP criou nas suas redes sociais a campanha #souMuseuNacional#souUFRJ#souEstadoBrasileiro.
 
O incêndio de grandes proporções, que atingiu a sede do Museu Nacional do Brasil, na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, ocorreu na noite de 2 de setembro de 2018. A tragédia destruiu quase a totalidade do acervo histórico e científico construído ao longo de duzentos anos, e que abrangia cerca de vinte milhões de itens catalogados. Além do seu rico acervo, também o edifício histórico que abrigava o Museu, antiga residência oficial dos Imperadores do Brasil, foi extremamente danificado com rachaduras, desabamento de sua cobertura, além da queda de lajes internas.
 
O pesquisador da ENSP Ricardo Ventura Santos relata que, ao escrever o editorial do CSP, veio à sua mente o convite para o seminário de Cambridge. Na mensagem eletrônica o convidando, a historiadora da ciência inglesa, Jenny Bangham, dizia “Hello + invitation: ‘How Collections End'”. Devido ao seu vínculo com o Museu Nacional e de seus interesses nas áreas da Antropologia da Ciência e História da Antropologia, o convite indicava que o intuito era reunir pesquisadores que escreveram sobre coleções biomédicas museológicas e mencionava exemplos tão variados como o destino de coleções dos mais diversos objetos (rochas etc.) feitas por crianças (e como se dissipam ao longo da vida) e, no contexto dos debates pós-coloniais contemporâneos, as discussões sobre o retorno de coleções de arte grega albergadas em museus ingleses desde o século XVIII, assim como o “repatriamento” de materiais de procedência indígena em museus de história natural e laboratórios de ciência nas mais diversas partes do mundo. 
 
Em certa altura da mensagem, disse Ricardo Ventura, aparecia a pergunta: “Do you have a story about ‘endings' that you would like to share?”. “Ao longo dos meses quando Vimeiro e eu discutimos nosso texto para o seminário, a lembrança que tenho é a de que estávamos sempre buscando nos aproximar do tema, uma vez que a questão do ‘fim das coleções’ nos parecia distante, mesmo etérea.” Mas, infelizmente, agora ele e muitos outros colegas, têm não uma, mas múltiplas, próximas e duramente concretas “estórias sobre ‘términos'” a compartilhar.
 
No espaço temático do CSP de dezembro foram publicados dois artigos sobre a questão. No artigo Meteoritos, dinossauros, borboletas... e também saúde, a pesquisadora da ENSP, Sheila Maria Ferraz Mendonça de Souza; e do Museu Nacional, Claudia Rodrigues-Carvalho, relatam que durante os muitos anos em que trabalharam em pesquisa e ensino, atuaram entre duas instituições, dois monumentos, dois ícones da História e da Ciência do Brasil, na interface entre as antropológicas e a saúde pública e coletiva. A primeira autora, médica e professora, encarregou-se de ensinar e produzir conhecimento sobre a saúde no passado; a segunda, arqueóloga, iniciada como aluna, avançou aos poucos para abraçar a mesma experiência acadêmica. “Fizemos um longo trajeto juntas. É esse trajeto que prossegue nesta memória, que compartilhamos como participantes, por diferentes caminhos e em diferentes momentos, da História da Ciência no Brasil. Assim, ainda prosseguimos, principalmente agora ante o desastre, porque mais do que nunca é preciso prosseguir. Os castelos que compartilhamos se chamam Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Museu Nacional.”
 
No artigo, elas dizem: “o que escrevemos aqui ajuda a compreender porque as duas instituições, castelos de saber e ciência, notáveis, apesar de continuamente ameaçados pelo desamparo que historicamente golpeia a ciência e a saúde no Brasil, são irmãs neste momento.” Para elas, “as relações entre o Museu e a maioria de nós, que hoje fazemos parte da comunidade ENSP, começou certamente na infância. Museu-lugar das crianças da cidade. Mas disso certamente não é preciso falar. Para outros, pesquisadores da Fiocruz e da ENSP, vai além.”
 
No artigo O Museu Nacional e seu Papel na História das Ciências e da Saúde no Brasil, Dominichi Miranda de Sá, Magali Romero Sá e Nísia Trindade Lima dizem que o Museu teve uma história de dinamização frequente de suas áreas de pesquisa e demais atividades, como o ensino e a visitação pública. “Sua marca histórica, como instituição científica de excelência, portanto, não foi suprimida com as chamas. A memória institucional pode mesmo ser preservada graças às análises históricas já disponíveis, e que, em parte, referenciaram esse texto, para compreender tanto a importância de suas agendas de pesquisa e recursos humanos quanto o valor de seu acervo para diferentes áreas do conhecimento científico.” E acrescentam: “Por ter se orientado preferencialmente por essas linhas epistemológicas, a história das ciências e da saúde, em particular, tem a possibilidade de evitar a morte completa da memória do Museu Nacional com a ampla divulgação da sua produção científica sobre a instituição.” Além disso, as pesquisadoras lembram que a advertência de João Batista de Lacerda aos poderes públicos no século XIX, sobre a missão institucional desde os primeiros anos de sua existência, ainda tem incrível atualidade e merece ser repetida: um projeto nacional tem toda a relação com a priorização de suas instituições de pesquisa e ensino.
 
Segundo Ricardo Ventura, “muito já se escreveu desde o fatídico 2 de setembro, sobre o que representa, tanto na chave das perdas como das reconfigurações, o desastroso incêndio do Museu Nacional para nossa memória histórica coletiva, e como reflete as formas como o Estado tem priorizado, nas mais das vezes insuficientemente, o desenvolvimento científico no país. “Em anos recentes, infelizmente temos convivido com muitos outros exemplos de “términos violentos” de importantes coleções e patrimônios culturais e científicos no país, como foram os casos dos incêndios da Capela Histórica da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo e do prédio de coleções zoológicas do Instituto Butantan, somente para citar alguns poucos casos.”
 
Para acessar os demais artigos do Cadernos de Saúde Pública de dezembro de 2018, clique aqui
 
O Informe ENSP publicou várias matérias sobre o sucateamento que atinge o Museu Nacional e a Universidade Federal do Rio de Janeiro nos últimos anos e levou ao incêndio do Museu: 
 
 
 
 
 
 

Fonte: CSP dezembro 2018

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