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Mais Médicos e médicos cubanos: opinião, perspectivas e possibilidades

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Publicado em:23/11/2018

Mais Médicos e médicos cubanos: opinião, perspectivas e possibilidadesO pesquisador da ENSP e coordenador do Programa de Pós-graduação em Bioética Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS), Sergio Rego, assina texto, publicado originalmente no Blog do Nassif, sobre o programa Mais Médicos e saida dos médicos cubanos do Brasil. O ex-ministro da Saúde e pesquisador da ENSP/Fiocruz, José Gomes Temporão e o médico sanitarista, Francisco Campos, também assinaram artigo de opinião sobre o tema, publicada no jornal Folha de São Paulo. Confira!

No contexto do Mais Médicos, na segunda-feira, 27 de novembro, será realizado debate sobre as questões que envolvem o Programa Nacional, o debate será promovido pelo Grupo de Pesquisa e Documentação sobre o Empresariamento da Saúde (GPDES), e acontecerá no auditório do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva, da UFRJ. Saiba mais no ObMed/ENSP

José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) e membro titular da Academia Nacional de Medicina, e o médico sanitarista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Francisco Campos, também assinaram artigo de opinião sobre o tema. O texto, intitulado 'Perspectivas e possibilidades: Reposição de médicos exige estratégia de longo prazo', foi publicado no jornal Folha de São Paulo, na edição de quarta-feira (21/11). 

* Por José Gomes Temporão e Francisco Campos

O processo de estruturação do SUS desde seus primórdios se defrontou com a questão da má distribuição dos médicos no país. Um famoso sanitarista dos anos 70, Carlos Gentile de Melo, já apontava para a coincidência entre a distribuição de médicos e a existência de agência bancária no local. Ou seja, os médicos vão aonde existem recursos, o que não é de modo algum demérito, apenas um fato. Dispor de médicos nas regiões mais pobres e remotas em caráter permanente é um grande desafio.

Faltam médicos em áreas da ilha de Manhattan, na província de Ontário, em diversas partes da Europa, na África e no sudeste da Ásia. Muitos países utilizam o recrutamento especial para regiões pouco atrativas, permitindo que profissionais formados em outros países exerçam a medicina em certas áreas. O exemplo mais claro é o "Moratorium" australiano, que recruta médicos da Índia, Paquistão e de outros países.

Várias propostas têm sido implementadas para superar esse problema, desde a criação de incentivos financeiros e investimento em infraestrutura até a garantia de um plano de carreira específico.

No Brasil, o SUS colocou nas mãos dos municípios a responsabilidade pelos serviços básicos de saúde. É comum que essa realidade crie situações de disputa desses profissionais com propostas de salários e condições de trabalho impossíveis de serem honradas, prejudicando a criação de vínculos entre médicos e a população, um dos pré-requisitos de uma atenção básica resolutiva.

Por outro lado, não há dúvida de que milhões de brasileiros só passaram a contar com assistência médica regular após a presença do Mais Médicos e dos médicos cubanos e, ao contrário do que alguns afirmam, eles são profissionais qualificados para o exercício da clínica na atenção básica. Com a iniciativa tomada pelo governo cubano de denunciar o acordo com o governo brasileiro, cerca de 8.000 médicos deixarão o país nas próximas semanas.

As medidas emergenciais anunciadas pelo governo para repor esses profissionais não surtirão efeito a curto prazo, o que poderá criar grave situação, deixando nossos compatriotas desassistidos.

Enfim, como no tempo de Carlos Gentile o problema continua sem uma solução adequada e não existem soluções mágicas como a defendida nesta Folha pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella, no último domingo (18). Enfrentar essa complexa questão exige a construção de uma estratégia de médio e longo prazos que contemple, pelo menos:

1) a criação do Serviço Civil Obrigatório para graduados em medicina, odontologia e enfermagem em universidades públicas ou cuja formação tenha sido custeada por recursos públicos. Isso exigirá mecanismos de supervisão para a atuação desses recém-formados, que pode ser suprida por meio de parcerias com universidades.

2) a criação de uma carreira de Estado para médicos, enfermeiros e odontólogos para suprir essas regiões mais pobres e desassistidas e de mais baixo IDH.

3) a revisão da necessidade de leis específicas para cada categoria profissional (como a Lei do Ato Médico), o que dificulta a existência de atos compartilhados mais flexíveis e adequados às equipes multiprofissionais. Dever-se-ia pensar em escopos de prática em que o compartilhamento seja a regra, não a exceção.

4) o apoio aos profissionais que atuam nessas áreas, por meio da telemedicina e da educação permanente.

5) a garantia de condições para o bom exercício profissional, com unidades de saúde bem equipadas, disponibilidade de insumos, garantindo a qualidade e resolutividade da atenção básica.

Só assim, contando com médicos e outros profissionais de modo permanente em todo o país, construiremos um sistema que atenda às expectativas e necessidades da sociedade.


Confira, abaixo, na íntegra, o texto do pesquisador Sergio Rego.


*Por Sergio Rego

A corporação médica brasileira sempre foi resistente à possibilidade de que médicos formados fora do país pudessem exercer livremente a profissão em nosso país. Ainda na primeira metade do século XIX a Academia Imperial de Medicina já discutia a proibição do exercício de profissionais formados alhures. A alegação de então era que as doenças existentes na França eram diferentes das existentes no Brasil. No século XX, passou-se a exigir a chamada revalidação do diploma daqueles graduados em outros países, questionando-se, muitas vezes corretamente, a qualidade do ensino médico oferecido em outros países. Entretanto, o que poderia ser um mecanismo legítimo de avaliação cedo mostrou-se como um mecanismo perverso para impedir a entrada regular desses médicos. Por que perverso? Porque foi usado como estratégia, em muitas universidades, para não aprovar a maior parte dos concorrentes, exercendo assim uma barreira quase intransponível para a entrada desses profissionais no mercado brasileiro. Sempre houve um certo preconceito relativo aos profissionais formados fora do Brasil. Por exemplo, alguns recebiam a alcunha de peruvianos, por serem graduados no Peru ou na Bolívia. De uma maneira geral, os centros que aplicavam o exame estabeleciam um nível de complexidade tão alto para os “estrangeiros” que uma boa parte dos graduados em escolas em nosso próprio país não lograria ser aprovada tampouco.


A polêmica em relação ao Programa Mais Médicos e à participação de médicos formados no exterior deve ser avaliada dentro deste contexto, mas procurando compreender que o Programa não pretendia recrutar profissionais que quisessem se estabelecer definitivamente no país. O Programa Mais Médicos foi uma estratégia emergencial para oferecer cuidado à saúde para a população brasileira em localidades nas quais os médicos brasileiros não tinham e não têm interesse ou desejo de atuar. São localidades que possuem enorme contingente populacional sendo atendido de forma precária pelo Estado brasileiro. O Programa devia ser visto como uma ação humanitária para a qual critérios excepcionais foram adotados e que viabilizou uma incorporação massiva de profissionais nestas regiões desassistidas

A crítica ideológica contra os médicos formados em Cuba deveria ser ignorada por sua inconsistência. Não há dúvida real de que eles sejam médicos, nem que a vinda para a missão no exterior não tenha sido voluntária, nem sobre a seriedade e o rigor de sua formação, embora menos dependente do uso de tecnologias de última geração. Tampouco eles ocuparam lugares de médicos graduados no Brasil, já que estes sempre tiveram a prioridade para a contratação. A exigência para que esses profissionais se submetessem ao processo de Revalidação do diploma antes de iniciarem sua atuação em solo brasileiro seria adiar o início de uma ação humanitária necessária. É claro que os profissionais que desejem atuar fora dos limites estratégicos do Programa Mais Médicos devem se submeter ao processo regular de revalidação. O exame do “Revalida” realizado pelo Ministério da Saúde, tem um perfil bastante diferente daquele que é feito sob os auspícios de algumas Universidades. Trata-se de um processo de avaliação que supera a ideia de avaliar a memorização pura e simples. Mas o processo é dispendioso e está incompreensivelmente lento. Para se ter uma ideia todos aqueles que fizeram a primeira fase do “Revalida” no segundo semestre do ano passado só realizarão a segunda fase um ano depois, neste mês de novembro. Isso inviabiliza qualquer política séria de avaliação desses contingentes.

Mas é preciso avançar mais nessa discussão. Os exames que o Cremesp tem realizado desde 2005 para avaliar o conhecimento médico dos recém-formados, e que de início eram voluntários, serão obrigatórios a partir deste ano. Segundo dados do Cremesp nos últimos sete anos apenas 46,7% dos que se submeteram ao exame foram aprovados, o que é bastante preocupante. A proliferação de escolas médicas, criadas ao sabor dos estímulos dados desde a década de noventa passada torna imperativo o debate sobre a obrigatoriedade de se adotar um processo de avaliação nacional para todos os graduados no país. O ideal é que este exame seja prestado antes da graduação final dos estudantes, já que uma reprovação não deveria ser vista como uma reprovação individual, mas da escola que não logrou formar o aluno de forma apropriada. O exame que o Cremesp oferece é conhecido também como “Exame de Ordem”, em uma analogia com o exame oferecido pela Ordem dos Advogados após a graduação dos pretendentes ao exercício da advocacia.

O problema da distribuição irregular de médicos, mas não só de médicos, pelo país, tem especial relevância nas regiões menos desenvolvidas do país. Uma proposta que vem sendo discutida ao menos desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde – o serviço civil obrigatório – deveria ser novamente discutida em nosso país. Estabelecer o serviço civil obrigatório com mecanismos de apoio, centros regionalizados de especialidades e exames complementares de referência, com recursos da telemedicina pode ser um caminho para equacionarmos, ainda que emergencialmente também, a má-distribuição de médicos no Brasil.


Fonte: Observatório da Medicina (ObMed/ENSP) e Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE)
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