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'A injustiça social mata em larga escala', diz Michael Marmot no Abrascão 2018

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Publicado em:03/08/2018

*Por Maria Thereza Reis

Até bem pouco tempo atrás, falar sobre determinantes sociais e desigualdades na saúde era como gritar no deserto. Mas hoje esta situação está mudando. A opinião é de Michael Marmot, pesquisador do Institute of Health Equity e do departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da University College London, convidado especial do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2018). Ele proferiu a conferência Desigualdades sociais e estratégias para superá-las, na tarde de 28 de julho, terceiro dia do Congresso. A coordenação foi de Antônio José Leal Costa, diretor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ) e ocorreu após o lançamento do Dossiê Técnico-Científico contra o pacote do Veneno (PL 6299/2002).

 

'A injustiça social mata em larga escala', diz Michael Marmot no Abrascão 2018

Bem-humorado, Marmot contou que, ao ser convidado para um evento na Itália, se surpreendeu com pôsteres afixados em toda a cidade de Trento com o título de seu livro, “A saúde desigual”, em destaque. Além disso, ele foi também surpreendido ao se deparar com um jogo de palavras cruzadas em uma revista italiana. Um dos exercícios para a resolução da charada perguntava o nome do médico britânico fundador da epidemiologia social. A resposta, claro, era Marmot. “Se eu fui incluído em palavras cruzadas na Itália, estamos progredindo”, brincou.

Ao longo de sua apresentação, Marmot compartilhou alguns dados de suas pesquisas e se mostrou preocupado com as desigualdades entre países. “Meu pressuposto inicial é que não há uma razão biológica para os homens do Haiti terem uma expectativa de vida 18 anos menor do que os homens do Canadá. Essa diferença ocorre por causa da natureza da sociedade e por causa dos determinantes sociais da saúde”.

Em estudo sobre expectativa de vida comparando três países, Vietnã, Zâmbia e Costa Rica, ao longo do tempo, Vietnã e Zâmbia tinham índices parecidos e Costa Rica estava em um patamar acima, nos anos 1950. Com o passar do tempo, depois de uma certa melhora, a diferença dos índices da Zâmbia aumentou em relação aos outros países, por conta da epidemia de HIV.

Ao analisar desigualdades entre países e a relação de renda per capita ajustada pelo poder de compra, o que se nota é que “se tiver um pouquinho mais de dinheiro, vai ajudar. Se falamos de indivíduos ou se estamos falando de um país, ter mais dinheiro viabiliza as coisas. Simplesmente não há relação entre renda nacional e expectativa de vida. Ficar mais rico como um país não é a solução para ficarmos mais saudáveis. Não se trata apenas da renda nacional, tem a ver com a natureza da sociedade e de como a sociedade está organizada”, disse.

Quanto ao Brasil, Marmot afirmou que “os brasileiros ricos são tão ricos quanto os canadenses ricos, ou argentinos, ou colombianos, ou venezuelanos ricos. Se você for rico, não faz muita diferença em que país você mora”. Sobre economia e renda, “é possível ter uma economia avançada com uma renda muito mais baixa, esse nível de renda e desigualdade não tem a ver com a desigualdade em si, mas com a desigualdade das condições sociais, que andam lado a lado. É isso que está fazendo com que tenhamos desigualdade nos países”. Com o passar do tempo, o Brasil teve uma redução na desigualdade de renda, “é provável que o Bolsa Família tenha exercido um papel nisso, foi um desenvolvimento importante. Devemos ficar felizes e é importante que consigamos ir mais além, construir em cima disso”, ressaltou.

Marmot salientou que há diferenças importantes entre povos indígenas e não-indígenas no México, por exemplo. “Sempre me preocupei com desigualdades sócio-econômicas, mas temos essas desigualdades fundamentais étnicas nas Américas. E também precisamos lidar com desigualdades nas condições básicas da vida, como água, condições sanitárias, etc”. Citando uma pesquisa realizada em Porto Alegre sobre níveis socioeconômicos dos bairros, Marmot afirmou que “quanto mais baixo o nível socioeconômico do bairro, mais altas as taxas de mortalidade e de doenças cardiovasculares.

Pesquisa sobre expectativa de vida nos Estados Unidos, que acompanha pessoas que nasceram nas décadas de 20 e de 50, nos dez por cento mais pobres não há quase nenhuma melhoria, entre homens. Quanto às mulheres mais pobres, a expectativa de vida caiu. “Isso é absolutamente chocante, devemos ficar muito bravos em relação a isso, independente de em que país acontece isso, mas acontece em um dos países mais ricos do planeta. As desigualdades estão se tornando drasticamente maiores. Isso é lamentável”, explicou.

Marmot ainda citou outras pesquisas sobre relações entre desigualdade e renda em alguns aspectos como saúde mental, acesso aos serviços de saúde, poluição atmosférica, entre outros. “A injustiça social mata em larga escala. A chave é melhorar as condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem”.

O pesquisador comentou sobre as dificuldades dos momentos atuais, tanto no Brasil quanto na Inglaterra e em outros países. Citando Luther King, Sir Michael Marmot afirmou que “a sensação de estar derrotado é muito grande, há muito mal no mundo, mas o amor incondicional no espírito de justiça social para fazer a diferença e diminuir a desigualdade ”.

*Edição: Bruno C. Dias.


Fonte: Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
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