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Abertura do ano letivo discute os olhares femininos no cárcere

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Publicado em:14/03/2018
Leonardo Azevedo, com colaboração de Erika Farias (CCS/Fiocruz)
 
No dia em que o mundo celebra o Dia Internacional da Mulher (8/3), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizou a abertura do ano letivo da instituição com uma discussão sobre os olhares femininos no cárcere. Trabalhadores e alunos da instituição lotaram o auditório do Museu da Vida, no campus de Manguinhos, no Rio de Janeiro, para conhecer um pouco mais da vida da população feminina encarcerada, não apenas nas suas condições de vida e de saúde, mas também das relações dessas mulheres com seus filhos. Também foram apresentadas iniciativas e ações no campo da educação na instituição. 

Abertura do ano letivo discute os olhares femininos no cárcere
 
“Em um momento de grande adversidade como estamos passando, a preocupação da Fiocruz tem sido com a sustentação dos programas de pós-graduação e das atividades da instituição, no caminho de aprovar e também de avançar em políticas, para que de fato elas sejam efetivas e tenham impacto direto na sociedade”, afirmou a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima. 
 
O vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Manoel Barral Netto, ressaltou que apesar de avanços nos últimos anos, muito tem que ser feito pela igualdade de gênero, não apenas na instituição, mas em todo país e ressaltou a importância da luta diária contra todas as formas de discriminação. Barral apresentou as iniciativas e o planejamento da área da educação na Fiocruz, como o lançamento de editais de incentivo e fortalecimento do Programa de Integração e Divulgação Científica, a criação da Medalha Virgínia Schall de Mérito Educacional e a reedição do Prêmio Oswaldo Cruz de Teses. Clique aqui para saber mais sobre os editais.

Abertura do ano letivo discute os olhares femininos no cárcere
“Nossas pesquisas têm papel fundamental para garantir que as populações mais pobres tenham acesso ao tratamento indicado e a direitos", afirmou Jefferson Campos, representante da Associação de Pós-graduandos da Fiocruz (foto: Peter Ilicciev)
 
Para o representante da Associação de Pós-graduandos da Fiocruz (APG/Fiocruz), Jefferson Campos, o processo formativo é lugar de inclusão. “Nossas pesquisas têm papel fundamental para garantir que as populações mais pobres tenham acesso ao tratamento indicado e a direitos. Nós, estudantes, precisamos ocupar novos espaços e levar adiante tais comprometimentos”, disse Jefferson.  
 
O evento contou com a presença da vice-presidente da Asfoc-SN, Mychele Alves; do reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher; e dos vereadores Marielle Franco (PSOL-RJ) e Reimont (PT-RJ), que falaram sobre o protagonismo feminino e as barreiras enfrentadas pelas mulheres na sociedade. Representantes de movimentos sociais também participaram da abertura do ano letivo da instituição. 
 
Nascer nas prisões
 
A realidade da população carcerária feminina foi o tema discutido na mesa redonda que contou com a participação da pesquisadora Maria do Carmo Leal, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e a fotógrafa Nana Moraes. “Precisamos agradecer a essas mulheres: a Maria do Carmo, que traz para dentro da academia pessoas que estão invisíveis, marginalizadas pela sociedade, e a Nana, que traz a leitura da arte e da poesia que existe dentro de toda mulher”, afirmou a representante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Maria Helena Barros, ainda durante a mesa de abertura do evento. 
 
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, o número de mulheres presas cresceu 698% nos últimos 16 anos. Desse total, 80% são mães e responsáveis principais, ou mesmo únicas, pelos cuidados de filhas e filhos. 

Abertura do ano letivo discute os olhares femininos no cárcere
 
Uma das coordenadoras do estudo Nascer nas prisões, a pesquisadora Maria do Carmo Leal apresentou os principais dados da pesquisa. Foi a primeira vez que um estudo traçou o perfil da população feminina encarcerada que vive com seus filhos em unidades prisionais das capitais do país, sendo possível conhecer as características e práticas relacionadas aos campos da atenção, gestação e parto durante a encarceramento. 
 
“O que a pesquisa mostrou é o sofrimento, a violação de direitos, entre outros pontos, que acabam atingindo não apenas a essas mulheres, mas também os seus filhos”, afirmou Maria Helena. A pesquisa mostrou que 55% das mulheres tiveram menos consultas de pré-natal que o recomendado, 32% não foram testadas para sífilis e 4,6% das crianças nasceram com sífilis congênita. Foram ouvidas 241 mães e 200 grávidas: 45% com menos de 25 anos, 57% de cor parda, 53% com menos de oito anos de estudo e 83% com mais de um filho. 
 
O trabalho de Maria do Carmo ajudou a embasar a decisão inédita tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro, de conceder habeas corpus coletivo para mães e gestantes que se encontram em prisão preventiva, aceitando o argumento de que "confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular no parto e pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas a seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante".
 
Sem data para não virar passado
 
Abandono. Saudade. Perdão. Essas foram algumas das palavras utilizadas por Nana Moraes, fotógrafa e autora da exposição Ausência, para retratar o sofrimento de mulheres presas e a manutenção dos vínculos familiares após o encarceramento. A exposição, segunda parte da trilogia Desamadas, foi criada com o intuito de dar voz e forma a mulheres ditas “invisíveis” pela sociedade. A trilogia teve início em 2011, com o lançamento do livro Andorinhas, que narrava histórias de prostitutas de estrada. “Todas elas me falavam: não sou bandida. O que eu faço não é crime. Percebi ali que, mais estigmatizadas que as prostitutas, eram as mulheres presas”, afirmou.

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Surgia então o Projeto Travessia, que deu origem à exposição. Nana levaria até a família das detentas uma foto atual delas e uma carta, e traria de volta uma foto da família e uma resposta à carta. Mas antes, precisava que os familiares dessas presas autorizassem a ação. Das 17 famílias contatadas, apenas seis deram o aval. O material deste “reencontro” serviu de bordado para cobertores, toalhas e lençóis. “Essas famílias foram rasgadas e descosturadas. Por isso, uni os retalhos com fotos, cartas e algumas palavras que li com frequência nas mensagens, como ausência, perda e violência”, contou a fotógrafa.
 
Nana percebeu que, diferentemente dos homens presos, que sempre recebem visitas, mulheres presas tendem a ser trocadas por seus companheiros e, ainda, rechaçadas pela família. “A maioria delas é chefe de família. Quando uma é presa, suas famílias são destruídas imediatamente. Essas mulheres são punidas duplamente - como mães e como criminosas”, contou. 

Fotos: Peter Illiciev

Fonte: Agência Fiocruz de Notícias
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