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O ronco da fome: 'Radis' debate a possível volta do Brasil ao Mapa da Fome

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Publicado em:06/03/2018
O ronco da fome: 'Radis' debate a possível volta do Brasil ao Mapa da Fome“A vida já esteve melhor para Dona Ciça e pelo menos outros 2,5 milhões de brasileiros que podem ter cruzado de volta a linha da pobreza. Apenas três anos após deixar de figurar entre os países que integram o Mapa da Fome — relatório produzido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) —, o Brasil corre o risco de retornar a essa lista nada honrosa.” Dona Ciça é Cícera João da Silva, uma das entrevistadas pela repórter Ana Cláudia Peres para a matéria de capa da revista Radis nº 186, de março de 2018, a quem contou que ”tem medo de quase nada nesta vida”, mas “tem medo da fome”. A advertência sobre a fome no Brasil, feita pelo diretor geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, reforça o alerta disparado seis meses antes por um grupo de 20 entidades da sociedade civil brasileira que divulgaram um documento apontando na mesma direção. A "volta da fome" também será o tema da aula inaugural da ENSP, em 12/3, para a qual  foram convidados Ana Maria de Castro, socióloga do Ifcs/UFRJ e filha de Josué de Castro; Francisco Menezes, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Daniel Carvalho de Souza, filho de Betinho e que prossegue com seu trabalho na Ação da Cidadania; e Maria Emília Pacheco, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase). 
 
Para sobreviver, Dona Ciça disse à Radis que, além de plantar e de manter a fé “em Deus e Nossa Senhora”, conta com os 100 reais que recebe mensalmente do Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal voltado para quem vive em situação de vulnerabilidade e de extrema pobreza no país. É com esse recurso que ela paga a luz, em torno de 22 reais por mês, e o gás de cozinha que, somente entre agosto e dezembro de 2017, teve seis aumentos consecutivos. Ainda ajuda os filhos e os seis netos como pode. Com o que sobra, alimenta-se. “O que dá eu compro; o que não dá, eu não compro”, revela. 
 
De acordo com a Radis, o Mapa da Fome é um indicador elaborado pela FAO que, desde 1990, periodicamente, combina dados e analisa a situação de segurança alimentar da população mundial, fazendo projeções e traçando diagnósticos nos diferentes países e regiões do globo. Estar incluído no mapa significa ter parte considerável da população em situação de insegurança alimentar, ingerindo uma quantidade diária de calorias inferior ao recomendado. O Brasil saiu do mapa em 2014. Isso não significa que a fome havia acabado, mas que pela primeira vez em sua história o país teve menos de 5% de sua população subalimentada. Naquele ano, como constatado pela FAO, esse índice foi de 3%.  Parecia que a fome finalmente tinha deixado de ser tratada como fenômeno natural. E o país de Josué de Castro e Herbert de Souza, o Betinho — ativistas que sempre deram à fome um estatuto político e econômico —, comemorou o resultado.
 
“Especialmente a partir do Programa Fome Zero, a questão da fome passa a ter relevância na agenda política no Brasil. Por isso houve melhora dos índices de insegurança alimentar e o país saiu do Mapa da Fome”, aponta a antropóloga Maria Emília Pacheco à Radis, assessora nacional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que estará na aula inaugural da ENSP. Criado em 2003 durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Fome Zero articulou políticas emergenciais de combate à fome com políticas públicas estruturais. Segundo a ONU, entre 2003 e 2010, 24 milhões de brasileiros deixaram a linha da extrema pobreza. Ainda de acordo com os indicadores, de 2002 a 2013, a população de brasileiros considerados em situação de subalimentação caiu em 82%.
 
Em entrevista à Radis, Maria Emília recorda que, na crise global de 2008, debates realizados no âmbito do Consea avaliaram que os impactos no Brasil vinham sendo atenuados graças a medidas como a ampliação da produção apoiada em políticas públicas, especialmente aquelas voltadas para a agricultura familiar, responsável por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país. A antropóloga se refere à política de crédito e programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o Programa Água para Todos no semiárido. “Essas medidas foram combinadas com a oferta de emprego, recomposição do salário mínimo, programa de transferência de renda e garantia de direitos adquiridos da previdência social”, acrescenta.
 
O velho fantasma volta a assustar. “A fome está muito associada à pobreza extrema, e temos preocupação sobre políticas de restrições orçamentárias que estão sendo implementadas”, afirmou o economista Francisco Menezes, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em entrevista ao Nexo Jornal, durante apresentação do “Relatório Luz”, em julho de 2017. Ele se referia a medidas como a Emenda Constitucional 55, que congela os gastos públicos por 20 anos, e cortes em programas como o Bolsa Família, que teve 1,1 milhão de benefícios cancelados ou bloqueados pelo governo. Menezes também participará da aula da ENSP, em 12/3.
 
Os retrocessos nas políticas públicas também foram apontados por todos os especialistas ouvidos por Radis como ameaças na luta contra a fome. Para José Graziano, em um cenário de crise econômica e com condições adversas com o aumento dos índices de desemprego, por exemplo, torna-se essencial a manutenção dos investimentos sociais. “O que se noticia, porém, são cortes nos orçamentos dos programas sociais e das redes de proteção social”, lamenta o diretor-geral da FAO (leia entrevista na Radis). Além do enxugamento no Bolsa Família, que deixa Dona Ciça apreensiva a cada vez que se dirige à casa lotérica em busca do benefício, outros programas perderam orçamento. O PAA, por exemplo, que favorece a aquisição direta de produtos de agricultores familiares ou de suas organizações para distribuição em hospitais, escolas e presídios, sofreu uma redução orçamentária de 40% no último ano, diminuindo de 91,7 mil para 41,3 mil o número de pessoas atendidas, segundo dados da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil).
 
Acesse todas as matérias da Radis n° 186 aqui.
 
Serviço: A aula inaugural do ano Letivo da ENSP será realizada no dia 12/3/2018, às 13 horas, no Auditório Térreo da ENSP, Rua Leopoldo Bulhões, nº 1480 - Manguinhos, RJ. Nesse dia e local também participarão do evento os produtores da Feira Agroecológica Josué de Castro, que é realizada quinzenalmente na Escola e, nesse dia, estará comercializando alimentos orgânicos, produzidos sem o uso de agrotóxicos, adubos químicos ou mudanças genéticas.

Fonte: Radis 186
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Divulgação Científica Radis

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