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Fora do padrão: Matéria da 'Radis' trata do aumento de diagnósticos de transtornos psiquiátricos e o uso massivo de medicamentos

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Publicado em:02/02/2018
Fora do padrão: Matéria da 'Radis' trata do aumento de diagnósticos de transtornos psiquiátricos e o uso massivo de medicamentosUma das matérias de destaque da revista Radis de janeiro de 2018, produzida pelos jornalistas Bruno Dominguez e Elisa Batalha, abordou o aumento de diagnósticos de transtornos psiquiátricos e o uso massivo de medicamentos que ameaçam a autonomia e o direito à singularidade. É o caso da americana Laura Delano que viaja o mundo contando sua história para explicar os efeitos da padronização, patologização e medicalização da vida. Ela esteve no Brasil entre os dias 30 de outubro e 1º de novembro para participar do seminário “A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas”, realizado na ENSP. Ela está há sete anos sem tomar nenhum dos 19 medicamentos prescritos para os vários transtornos mentais “incuráveis”, diagnosticados ao longo de sua jornada pelo sistema de saúde mental norte-americano. “Não estou aqui para dizer que médicos psiquiatras ou medicamentos são maus, mas para dizer que a sociedade está construída em cima de histórias poderosas que moldam o sentido da nossa existência — e algumas dessas histórias estão nos ferindo”, ressalva. 
 
De acordo com a Radis, na escola particular apenas para meninas que frequentava, Laura se encaixava bem, apesar de se sentir diferente das colegas. Usava boné de beisebol em vez de cabelos longos escovados, jogava hóquei com os meninos, mas mantinha boas notas e era respeitada pela comunidade. Em uma noite comum, mas que ficou gravada na memória, Laura se observou mais profundamente no espelho enquanto escovava os dentes para dormir e acabou perdendo o “senso de si”, como ela mesma descreve. “Eu olhava para o meu rosto mas via uma pessoa estranha”. Sem ter tido acesso anterior a um arcabouço de informações que a ajudassem a dar sentido àquela experiência, Laura se comparou a uma atriz. Decidiu continuar “interpretando” o papel de boa filha, boa aluna e boa atleta. "Eu me sentia manipulada pelos meus pais, pelos outros alunos, pelos professores, pela cidade, pela sociedade americana a alimentar uma certa ilusão”.
 
Foi então que o pano caiu, contou à Radis. Laura passou a se comportar mal em casa. Gritava, falava palavrões, batia as portas. Depois, começou a se automutilar e pensar na morte. “Eu me transformei em uma pessoa muito raivosa e descontrolada. Não enxergava significado na minha existência e não sabia comunicar isso às pessoas”, explicou. Seus pais, então, a levaram pela primeira vez a um profissional de saúde mental. O psiquiatra identificou que sua raiva e irritabilidade eram sintomas de mania e o desespero e os pensamentos suicidas eram sintomas de depressão — ambas fases de transtorno bipolar. “Aquele diagnóstico mudou a minha vida”. “Acredito que meu colapso teve a ver com o contexto da minha vida. A pergunta certa não é ‘o que há de errado comigo’ e sim ‘o que aconteceu comigo?’, disse Laura.
 
Tentar encaixar pessoas e comportamentos em um padrão está na origem da patologização, segundo o jornalista Robert Whitaker, autor de “Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso de doença mental” (Editora Fiocruz), presente no evento. Ele aponta que o aumento do diagnóstico de transtornos e do uso de drogas psiquiátricas não levou a uma redução do “fardo” das doenças mentais, mas sim ao seu crescimento dramático. “No passado, crianças consideradas ‘difíceis’ eram parte da vida. Crescer é difícil, afinal. Agora temos um novo padrão, em que todos temos que estar felizes o tempo todo”, .
 
Conforme relata a Radis, uma em cada 50 crianças nos Estados Unidos é diagnosticada com bipolaridade, informa. O Brasil não fica muito atrás: é o segundo país que mais consome metilfenidato, o princípio ativo da ritalina (medicamento usado para tratar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade ou TDAH), segundo o Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos. “Estabeleceram uma relação entre ‘doença’ e o ‘não aprender’, a ‘doença do não aprender’, um olhar que busca a homogeneidade e rejeita a diferença”, avalia a secretária executiva do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, Helena Monteiro, para quem a escola é a principal demandante da padronização na infância.
 
Como resumiu Whitaker em seu livro, em 1980, a American Psychiatric Association (APA) adotou um “modelo de doença” para categorizar transtornos mentais — e esse modelo foi exportado para o Brasil e para grande parte do mundo. “O público passou a ser ensinado que depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e esquizofrenia eram doenças do cérebro, causadas por desequilíbrios químicos, e que uma nova geração de drogas psiquiátricas havia sido desenvolvida para corrigi-los”.
 
Whitaker mostra recentes pesquisas da própria literatura mundialmente reconhecida em Psiquiatria que contradizem esses paradigmas. Além de não diminuir a carga epidemiológica das doenças, o uso contínuo de medicamentos de efeito no sistema nervoso provoca piora de cada uma das doenças em questão. Pacientes com diagnósticos brandos que tinham um bom prognóstico (chances de evoluir para uma melhora e desaparecimento dos sintomas) e que tomaram remédios se saíram pior do que os com diagnóstico severo mas que não usaram as drogas no longo prazo. “Trata-se de surto iatrogênico [termo que quer dizer dano causado pelo tratamento]”, observa.
 
O autor procura mostrar como, embora os medicamentos psiquiátricos possam aliviar os sintomas no curto prazo (melhor que o placebo), em longo prazo aumentam o risco de uma pessoa se tornar cronicamente doente e prejudicada funcionalmente. “A literatura mais recente argumenta a favor de se repensar profundamente o uso de drogas psiquiátricas, com a defesa de que elas precisam ser indicadas com muita cautela, e que devem ser criados modos alternativos de tratamento”.
 
O papel do Brasil, segundo Whitaker, é muito relevante para que a reversão do modelo de cuidado tenha êxito global, levando em consideração as suas conquistas na Reforma Psiquiátrica. “Precisamos nos informar na literatura científica acerca de resultados a longo prazo. Em outras palavras, precisamos ter uma discussão científica honesta. Se pudermos ter essa discussão, uma mudança certamente se seguirá. Nossa sociedade se disporia a abraçar e promover formas alternativas de tratamento não medicamentosos. Os médicos receitariam os remédios de maneira muito mais restrita e cautelosa. Em suma, nossa ilusão social sobre uma revolução da ´psicofarmacologia´ poderia enfim se dissipar e a ciência de bases sólidas poderia iluminar o caminho para um futuro muito melhor”, defende.
 
Para ler a matéria Fora do Padrão da revista Radis nº 184 na íntegra, clique aqui
 

Fonte: Radis
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