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Tuberculose: Corrida contra o tempo

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Publicado em:31/01/2018
*Por Liseane Morosini

Tuberculose: Corrida contra o tempoA dentista Mileni Romero fez serviço comunitário em um centro de assistência à saúde a pessoas de baixa renda e trabalhou no atendimento a presos políticos em um hospital militar, na Venezuela. No final de 2016, tosse constante e fraqueza a obrigaram a peregrinar por vários médicos em busca de um diagnóstico, que foi dado em fevereiro de 2017. Mileni tinha tuberculose e, de uma hora para outra, a doutora virou paciente e, depois de curada, uma ativista da causa. “O tratamento é muito agressivo e tive fortes reações. O caminho não é fácil”, disse, ao compartilhar sua experiência na abertura da 48ª Conferência Internacional da União contra Tuberculose e Doenças Pulmonares (The Union, em inglês), que aconteceu em Guadalajara, no México, de 11 a 15 de outubro. Diante de uma plateia de pesquisadores, políticos e representantes de organizações, Mileni pediu mais atenção dos governos e investimento em pesquisa para eliminar a doença. “É preciso olhar as pessoas e fazer algo urgente. Precisamos de uma resposta urgente. O principal direito humano é o direito à vida”, alertou.

Não será apenas um, mas vários métodos combinados a estratégias que vão aliviar o sofrimento de milhões de pessoas, garantiram os pesquisadores. Na abertura, José Luís Castro, diretor da União, considerou ser “inaceitável” a persistência da tuberculose. “Sabemos que, se queremos eliminar a doença até o ano de 2030, necessitamos de novos recursos científicos que aumentem a nossa capacidade de alcançar, diagnosticar e tratar pessoas com tuberculose”, disse. Já Paula Fujiwara, diretora científica da entidade, salientou a importância do compartilhamento científico para incrementar as pesquisas. “Se não desenvolvermos novos instrumentos, então esqueça”, declarou, durante encontro com a imprensa.

Associada à pobreza e miséria extrema, a tuberculose atinge em maior número pessoas que vivem em classes sociais desfavorecidas. Agora, os pesquisadores observam que ela já avança sobre outras camadas da população. Informações da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que foram notificados mais de 10 milhões de novos casos em 2015, e 1,5 milhão de pessoas morreram.  Os dados mostram que, em sua maioria, a tuberculose mata moradores de países em desenvolvimento. O número alarmante de vítimas já deixa para trás as mortes decorrentes do HIV/aids e espelha a gravidade do problema. Não à toa, durante a conferência, representantes da União situaram a tuberculose entre os “dez maiores assassinos globais”.

A entidade internacional aponta que os casos perdidos e os resistentes aos antibióticos estão no centro do problema. Quando o tratamento é interrompido, a bactéria não é eliminada e o organismo deixa de reagir à medicação. Segundo informações divulgadas na conferência, 40% dos doentes sequer são encontrados. Para esses, é traçada uma única rota no futuro: ou vão morrer por falta de tratamento ou continuarão a transmitir a doença, numa cadeia sem fim.

Esforço conjunto

A tuberculose pode ser prevenida e curada quando tratada, e somar esforços para detê-la foi a forte recomendação dirigida aos participantes. O governo brasileiro não enviou representantes ao encontro mais importante da área, e que reuniu pesquisadores e ativistas de todo o mundo. Em palestras e plenárias, foram expostas pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos sobre detecção, diagnóstico, coinfecção TB-HIV, monitoramento e o acompanhamento de casos de tuberculose drogarresistente. Uma das inovações apresentadas foi o Tratamento de Observação sem Fio (WOT) que monitora a ingestão de comprimidos por meio de um sensor e de redes de celular e internet.

Atualmente, no Tratamento Diretamente Observado (DOT), é o profissional de saúde quem observa o paciente ingerir os medicamentos. O WOT permite o acompanhamento por via remota, e não requer a presença do paciente na unidade de saúde. A esperança é que esse mecanismo ajude a diminuir as taxas de abandono, que chegam a 10% no Brasil. Sara Browne, pesquisadora da Universidade da Califórnia, citou que o dispositivo é 54% mais eficiente do que a observação direta. Para as crianças, houve a apresentação de um medicamento com sabor mais agradável. E, além disso, há a perspectiva de novos marcadores que permitam fazer exames em outros materiais, que não o escarro.

A conferência abriu também espaço para questões de saúde voltadas ao uso de tabaco e à poluição do ar — considerados fatores de risco para o desenvolvimento da tuberculose. Vizinho ao Brasil, o Uruguai foi lembrado como um modelo de luta para os países que travam uma batalha contra o tabaco. Isso porque, de acordo com a União, em 2016 a empresa americana de tabaco Philip Morris teve de pagar US$ 7 milhões ao questionar em juízo as políticas antitabaco do país. “A luta é contra a tuberculose e o controle do tabaco”, resumiram os pesquisadores. De acordo com informações da OMS, entre 13 a 20% dos casos de tuberculose em todo o mundo podem ser atribuídos ao tabagismo.

Protocolo único

Draurio Barreira, gerente técnico da Unitaid, afirmou que o tratamento é difícil e requer esquemas terapêuticos. “Ninguém trata tuberculose com uma só droga”. Segundo ele, informações da OMS de 2017 apontam que apenas um em cada quatro pacientes é curado no mundo. “Os outros, infelizmente vão morrer, e antes disso vão transmitir a tuberculose já resistente para seus contatos”. Draurio salienta que, em um ano, um paciente sem tratamento transmite a doença para uma média de 15 pessoas. Além disso, observou que na TB sensível, a de primeiro nível, a chance de cura é de 90% se a pessoa fizer todo tratamento. “Na TB multiresistente [MDR], o bacilo é resistente pelo menos às drogas isoniazida e à rifampicina e a chance de cura é de 50%. Já na extremamente resistente [XDR], a pessoa não reage a três drogas injetáveis e a chance de cura é de 28%. Para mim essa é uma tragédia pessoal”. O tratamento pode levar de seis meses a um ano e meio, no mínimo. Em entrevista à Radis (ver na pág. 16), o pesquisador destacou a importância de o Brasil oferecer todo o tratamento pelo SUS. “O protocolo único adotado pelo sistema público é o melhor e faz toda diferença na assistência às pessoas doentes”, garantiu”.

Fabio Moherdaui, consultor nacional para tuberculose da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), observou que o Brasil tem 35% dos casos de tuberculose nas Américas. “Nos últimos 15 anos houve uma queda de 2% de novos casos a cada ano. São praticamente 70 mil casos”. Embora ressalte que há uma perspectiva de controle, ele ainda considera o número elevado. Apesar dos números, é com o Peru, e não com o Brasil, que a Opas está preocupada, garantiu Fabio. De acordo com o médico, o Peru é um foco de expansão da tuberculose resistente dentro das Américas, com aproximadamente 20% dos casos. “Nosso índice chega a 1,3%. Estamos em uma situação mais confortável”, observa.

Nem por isso ele entende que o esforço brasileiro no combate à doença deve ser menor. Ele recorda que, em uma lista da OMS com 48 países prioritários para controle da tuberculose, o Brasil ocupa a 20ª posição na classificação de carga da doença, e 19ª quanto à coinfecção TB/HIV. “Há muito ainda a fazer”, afirmou.
 
Tuberculose: Corrida contra o tempo
 
TB invisível

O apelo por mais investimento em tratamentos, novos e em curso, foi feito também por organizações humanitárias como o Médicos Sem Fronteira (MSF) que lembrou que as pessoas com tuberculose multirresistente a medicamentos (TB-MDR) não recebem a bedaquilina e delamanida, os dois medicamentos produzidos mais recentemente. O MSF salientou que, embora sejam tomados como “novos”, esses medicamentos foram os únicos desenvolvidos contra a doença em 50 anos. Para a organização, essa lacuna já sinaliza a obscuridade da tuberculose no rol de prioridades do desenvolvimento de medicamentos em todo o mundo.

Segundo o MSF, as substâncias receberam autorização para serem comercializadas em 2012 e 2014, respectivamente, e representam “uma potencial salvação para pessoas afetadas pelas formas de tuberculose mais resistentes a medicamentos”. Contudo, a organização estimou que menos de 5% das pessoas que poderiam se beneficiar dessas novas substâncias tiveram acesso a elas em 2016. O MSF estima que o tratamento padrão atual para tuberculose resistente a medicamentos requer que as pessoas tomem cerca de 15 mil pílulas em dois anos, causando efeitos colaterais graves e debilitantes e curando uma média de apenas uma em duas pessoas. “Os dois novos e promissores medicamentos foram introduzidos no mercado com grandes esperanças de serem os pilares de um tratamento bastante aprimorado para a tuberculose resistente a medicamentos”, informou o MSF, em uma apresentação.

Fácil contágio

Descoberta em 1882, a bactéria Mycobacterium tuberculosis, mais conhecida como bacilo de Koch, afeta principalmente os pulmões, e é transmitida de forma bem simples: basta a pessoa doente tossir, falar ou espirrar para expelir pequenas partículas com bacilos. Por isso, é de fácil contágio, especialmente em ambientes lotados. Segundo o Boletim Epidemiológico, com dados de 2016 e publicado em maio de 2017, a incidência da tuberculose no Brasil é de 34 casos para 100 mil habitantes. O risco de adoecimento varia de 10,5/100 mil habitantes, no Distrito Federal, a 67,2/100 mil habitantes, no Amazonas. Os estados do Rio de Janeiro (5/100 mil habitantes), de Pernambuco (4,5/100 mil habitantes), do Amazonas (3,2/100 mil habitantes) e do Pará (2,6/100 mil habitantes) apresentaram os maiores riscos para morte por tuberculose.

Atrás dos números estão presidiários, um grande contingente de pessoas que vivem nas ruas e de pessoas com HIV/aids, além de povos indígenas. São esses os grupos vulneráveis que têm mais chance de contrair a doença. Dados do Ministério da Saúde indicam que, entre os detentos, a incidência chega a 932 ocorrências em 100 mil habitantes, a contaminação da população de rua é 70 vezes maior do que a média nacional, a incidência de tuberculose entre indígenas é 10 vezes superior a encontrada na população brasileira e a taxa de coinfecção TB/HIV chega a 9,9% e a de letalidade a 6%. No Brasil, a tuberculose é a primeira causa de morte entre as doenças infecciosas em pessoas com HIV/aids e a taxa de óbito é de 20%. Em março de 2017, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, com ações para reduzir a incidência da doença na população. A meta é chegar a menos de dez casos por 100 mil habitantes até 2035.

“Quem tiver tosse por duas ou três semanas deve procurar uma unidade de saúde para fazer o exame. Nem precisa passar pelo médico”, alerta o pneumologista Carlos Tietboehl Filho, responsável pelo Comitê de Doenças Respiratórias, Ocupacionais e Ambientais da Sociedade Brasileira de Pneumonia e Tisiologia. “A pessoa deve dizer ao profissional de saúde que está com tosse e vai receber o pote para coleta de escarro. Geralmente são colhidas duas ou três amostras que devem ser levadas no outro dia para a unidade de saúde”, diz.

De acordo com Carlos, o SUS está estruturado para receber os doentes, mas a demanda da investigação é bem menor. “Existe estrutura para captar esses doentes, mas as pessoas não vão às unidades por muitos motivos, entre eles, o desconhecimento da doença. Quem dera fossem”, observa. Um outro problema é o retardo no diagnóstico. “Muitas vezes a doença é interpretada como uma infecção respiratória aguda ou uma bronquite crônica. É importante que os profissionais de saúde fiquem atentos. A atenção básica também tem que ter meios para conseguir fazer o diagnóstico correto e investigar os contatos do doente”, recomendou.

Também presente à conferência, Liandro Lindner, jornalista e consultor em comunicação e saúde, afirmou que o foco das políticas públicas em saúde é ainda muito restrito. “A política é muito localizada. Ela trata apenas de um pedaço, que é dar o medicamento”, observou. “Quem contrai tuberculose tem problema de saúde mental, mora na rua, é alcoolista ou usuário de droga. Essa é a população prejudicada. Para mim a solução não é apenas oferecer o medicamento, mas inserir essas pessoas novamente no mercado de trabalho e na vida social para acabar com o preconceito e estigma”.

Para eliminar a tuberculose, OMS alinhou seus compromissos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) visando reduzir as mortes em 95% e os novos casos em 90% até 2035, em comparação com o ano de 2015. Além disso, quer também zerar o custo que considera “catastrófico” da tuberculose para as famílias afetadas.

A Estratégia pelo fim da Tuberculose (End TB) foi aprovada em 2014 durante a Assembleia Mundial de Saúde e traz uma nova abordagem de atuação: em vez de apenas parar a doença (Stop TB), a meta é eliminar a doença por meio do uso conjunto de intervenções médicas e sociais. A OMS reforça que no cumprimento das metas dos Objetivos do Milênio (ODM), que comparou o ano de 2015 a 1990, foram salvas 43 milhões de vidas que seriam ceifadas pela tuberculose.

A estratégia foi colocada em operação pelo Plano Global pelo Fim da Tuberculose 2016-2020. E é ele que define o montante a ser investido para a redução da doença no mundo. “Os números de queda não serão melhorados se o Plano Global contra a Tuberculose não for seguido”, destacou Paula Fujiwara, diretora científica de a União. A médica salientou que será preciso investir 65 milhões de dólares até 2020 para prevenir 45 milhões de novas infecções, implementar 29 milhões de tratamentos e salvar 10 milhões de vidas. “Não investir gera um custo oito vezes maior”, ressaltou.

Carlos Basília, psicólogo e coordenador do Observatório TB Brasil, afirma que a situação é dramática. “Estados e municípios estão sem recursos e com estruturas mínimas para dar conta do desafio que é controlar a TB até 2030”. Para ele, novas estratégias de controle da TB requerem mais investimento e a política pública caminha em sentido oposto. “Há o desmonte do SUS, com o congelamento de investimento por 20 anos, e do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Se o SUS está subfinanciado, fragilizado e limitado na sua ação projeto que daqui a 10 anos o Brasil terá um incremento da doença”. Em dezembro de 2016, os indicadores da tuberculose foram retirados da listagem de atendimentos monitorados pelo SUS e, segundo Carlos, é a partir deles que o governo federal define o repasse. Para ele, em tempos de arrocho, o gestor vai usar o pouco recurso em áreas que considere prioritárias. “Doenças historicamente determinadas pela pobreza e negligenciadas serão penalizadas”, estima.

A repórter foi selecionada para participar do workshop “Uso efetivo de dados no jornalismo em saúde pública” e realizou a cobertura da conferência a convite da organização Vital Strategies (VS), em programa da Bloomberg Data for Health Initiative.

*Liseane Morosini é jornalista da Radis. 

Fonte: Revista Radis
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