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Questão de competência

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Publicado em:11/07/2017
Francisco Paumgartten

Questão de competênciaA Lei dos Anorexígenos (Lei 13.454/2017), que autoriza a "produção, comercialização e consumo da sibutramina, anfepramona, fenproporex e manzidol", reacendeu o debate que vem sendo travado desde 2011, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) restringiu a venda da sibutramina e cancelou o registro dos outros emagrecedores. Não é surpreendente que retirar do mercado medicamentos seja motivo de controvérsia. Afinal, banir ou limitar o consumo de produtos ineficazes ou perigosos inevitavelmente contraria interesses do setor regulado atingido. 
 
O que é insólito em relação a Lei dos Anorexígenos é que a queda de braços entre a Anvisa e o Conselho Federal de Medicina (CFM) e algumas associações médicas, tenha sido a justificativa para o Congresso desautorizar a agência e assumir o papel de avaliador da eficácia e segurança de medicamentos, função para qual os seus membros não têm a necessária competência técnico-científica e ausência de conflitos de interesse. Compete ao CFM e conselhos regionais fiscalizar o exercício da profissão e assuntos atinentes à ética médica, mas a regulação de medicamentos e o ativismo nessa questão são atividades estranhas às atribuições legais da autarquia. 
 
A opinião do CFM está alinhada com a de associações médicas da área de obesidade, mas de forma alguma representa a posição da classe médica, que está dividida sobre o assunto. Diferente da Anvisa que promoveu sucessivas audiências públicas e painéis, o CFM assumiu prontamente uma posição definida sem abrir espaço para o debate entre médicos com posições divergentes sobre os benefícios e riscos dos anorexígenos. Os argumentos do CFM de que o banimento dos anorexígenos fere o direito de prescrever, e que eles são úteis para pacientes que não respondem a outros tratamentos, não se sustentam. 
 
Com base nos estudos clínicos apresentados, a Anvisa autoriza o acesso e a permanência no mercado, aprova indicações terapêuticas e informações fornecidas ao médico sobre a posologia recomendada, contra-indicações e efeitos colaterais. A regulação de medicamentos não impede que o médico prescreva medicamentos não registrados no país, ou o faça para indicações não aprovadas (off label) e em doses não recomendadas. Nesses casos, é apenas o médico (e não a agência) que assume a responsabilidade pelos danos que o tratamento não aprovado possa causar ao paciente. A alegação de que esses anorexígenos são úteis para subgrupos de pacientes, por sua vez, não é apoiada por nenhum estudo clínico controlado. 
 
Se a Anvisa pode ser criticada é por não ter banido a sibutramina após um estudo clínico ter demonstrado que ela eleva o risco de infarto do miocárdio e derrame cerebral em obesos. Os quatro anorexígenos liberados no Brasil foram excluídos do mercado na maioria dos países incluindo os Estados Unidos e a Comunidade Europeia. Cabe ao CFM e associações médicas esclarecer porque medicamentos considerados ineficazes e perigosos em outros países são bons para os brasileiros. 

Artigo originalmente publicado no jornal O Globo, em 8/7/2017

Leia a opinião dos pesquisadores da ENSP sobre o tema.

Acesse também a nota do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica

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