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Produção científica crítica traz o debate da redução de danos em eventos, livros e artigos

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Publicado em:08/06/2017
*Por Bruno C. Dias

A megaoperação empreendida pela prefeitura de São Paulo na região central da capital paulistana conhecida como Cracolândia, em 21 de maio, demonstrou o fortalecimento de práticas há muito condenadas por tratar o consumo de drogas como caso de polícia ao invés de uma questão da saúde pública. A ação empreendida destruiu barracas montadas por usuários, usou balas de borracha e bombas de gás para dispersar a população de rua; invadiu e demoliu hotéis e estabelecimentos comerciais, inclusive com pessoas dentro. Além do circo midiático, de 38 pessoas detidas e de pequenas quantidades de drogas apreendidas, viu-se a disseminação dos usuários e de cenas de consumo para mais de 20 outros pontos do centro expandido, numa operação que não foi avisada a nenhum órgão de Direitos Humanos e foi omitida do Ministério Público e da Defensoria Pública. As ações empreendidas estiveram nos debates travados no Seminário Internacional: Cenários da Redução de Danos na América Latina, realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) em 29 e 30 de maio, no Rio de Janeiro. Após dois dias de intensos debates, foi aprovada a Carta de Manguinhos, que destaca que tais arbitrariedades como essas não são exclusivas do Brasil, e casos similares são encontrados em muitos lugares da América Latina, onde a droga funciona como pretexto para intervenção territorial, dando espaço para ações violentas ao invés de enfrentar a dificuldade de acesso a políticas públicas que garantam assistência e cidadania.

Presente com integrantes do Grupo Temático Saúde Mental (GTSM/Abrasco) e integrantes da diretoria, a Abrasco apóia e assina a Carta de Manguinhos.

Literatura crítica: Além de eventos como o realizado pelo Programa Institucional Álcool, Crack e Outras Drogas da Fundação Oswaldo Cruz (PACD/Fiocruz) - leia a entrevista concedida pelo coordenador-executivo do Programa, Francisco Netto, que apresentou um panorama geral da questão da redução de danos no Brasil e na América Latina - atualmente há uma vasta literatura sobre o tema do crack e do atendimento à população em situação de rua. A Abrasco Livros possui um vasto catálogo, com obras como “Crack: contextos, padrões e propósito de uso” (Ed.UFBA); “Cuidados ao usuário de crack e produção de subjetividades: possibilidades de interlocução com a rede” (EDUECE); “O louco, a rua, a comunidade – as relações da cidade com a loucura em situação de rua” (Ed. Fiocruz) e “Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde: cuidado à população em situação de rua e usuários de álcool, crack e outras drogas” (Ed. Hucitec), entre outros.

Clique aqui e conheça as obras sobre crack e outras drogas na Abrasco Livros
Clique aqui e conheça as obras sobre saúde das populações em situações de rua na Abrasco Livros

Presente ao seminário e organizadora da obra “Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde: cuidado à população em situação de rua e usuários de álcool, crack e outras drogas”, a pesquisadora da ENSP/Fiocruz, Mirna Teixeira, doutoranda em Saúde Pública e membro do PACD/Fiocruz, fala sobre a qualidade da atual produção sobre o tema a importância de trazer para as diferentes disciplinas o debate sobre drogas e redução de danos. Confira na entrevista abaixo 

Abrasco: Como está a produção científica brasileira sobre o tema do crack e cuidado à população de rua?

Mirna Teixeira: Nos últimos quatro anos, tivemos muitas pesquisas a respeito do tema, realizadas tanto pela Fiocruz como por outras instituições. Podemos citar três recentes: a “Pesquisa Nacional sobre o uso de crack”, organizada pelos pesquisadores Francisco Inácio Bastos (ICICT/Fiocruz) e Neilane Bertoni, divulgada em 2014; a “Pesquisa preliminar de avaliação do ‘Programa ‘De Braços Abertos’”, promovida pela parceria entre a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), e a pesquisa “Crack e Exclusão” Social, financiada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça (SENAD/MJ) e coordenada pelo sociólogo Jessé Souza, essas duas ambas de 2016. No ano passado, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou ainda a pesquisa “A Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil”, coordenada por Marco Antônio Carvalho Natalino. Além dessas pesquisas, são muitos artigos nacionais e internacionais publicados na última década, alguns abordados por mim no recente artigo Revisão sistemática da literatura sobre crack: análise do seu uso prejudicial nas dimensões individual e contextual, escrito por mim e publicado este mês na revista Saúde em Debate.

Abrasco: Qual a importância de se produzir literatura sobre o tema num momento em que vemos as fragilidades de políticas públicas mais inclusivas e a volta de práticas excludentes, opressoras e quase higienistas pelas forças do Estado, em suas diferentes configurações e entes federativos?

Mirna Teixeira:
Essas pesquisas citadas permitem dar visibilidade ao tema de forma coerente, cientifica, sem estigmatização dessa população que já se encontra em grande vulnerabilidade social. Elas permitem analisar os problemas e identificar fatores envolvidos, clareando à comunidade acadêmica e à sociedade sobre os aspectos relevantes relacionados ao tema, como a exclusão social, a falta de acesso aos serviços de saúde, entre outros, analisando diretamente o contexto daquelas pessoas que usam o crack em situação de rua. Permite ainda pensar em estratégias de intervenção, como o Programa De Braços Abertos, efetivado na última gestão da prefeitura do município de São Paulo e cuja avaliação permitiu compreender a problemática dessas populações por várias lentes.

Abrasco: Que aspectos destaca da obra “Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde: cuidado à população em situação de rua e usuários de álcool, crack e outras drogas”?

Mirna Teixeira:
Essa publicação reitera os princípios relatados acima de uma política pública de droga baseada na Redução de Danos e de um cuidado à população em situação de rua e aos usuários de crack de forma respeitosa com garantia de direitos e garantindo o acesso à saúde básica por meio do cuidado pelas equipes de Consultório de/na Rua (CnaR). São capítulos com relatos de experiência de sete equipes de CnaR que atuaram no ano de 2012 nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Maceió, Recife e Porto Alegre, além de discussão mais teórica sobre a Política Nacional de Atenção Básica. Na segunda parte, são abordadas a discussão sobre o crack na perspectiva da Política de Redução de Danos; a etnografia das cenas de uso de crack na nossa cidade; o cuidado em um Centro de Apoio Psicossocial dedicado ao uso de substâncias (CAPS AD), entre outros assuntos. A obra conta com vários pesquisadores respeitados nesse campo, como Francisco Inácio Bastos, Alba Zaluar, entre tantos outros. Acredito ser uma leitura que auxiliará na compreensão desse problema complexo por meio da discussão de aspectos sociais, sanitários, contextuais e políticos, que estão intrinsecamente relacionados ao problema da Cracolândia de São Paulo.

*Bruno C. Dias é jornalista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). 

Fonte: Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)

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