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Sertão dos atingidos: reportagem da 'Radis' trata dos efeitos da transposição do Rio São Francisco

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Publicado em:06/06/2017
Sertão dos atingidos: reportagem da  'Radis' trata dos efeitos da transposição do Rio São FranciscoDisponível on-line, a matéria de capa da edição n°177 de junho de 2017 da Revista Radis constata a situação da região cortada pela transposição do rio São Francisco. A repórter Ana Cláudia Perez e o fotógrafo Sérgio Eduardo de Oliveira registraram depoimentos de quem convive com a pouca água e o rico bioma do semiárido. "Diante da obra controversa, pelo seu alto custo, impacto socioambiental, restrições de acesso aos canais e a possibilidade do uso humano da água ficar em segundo plano em relação à apropriação pela indústria e o agronegócio, muitos expressam um sentimento dúbio de desalento e esperança." Como destaca a repórter, "no sertão, nada é apenas o que parece. O solo ressequido também dá boas cacimbas; um dia nublado com um céu de chumbo, em vez de assustar, fica "bonito pra chover"; e aquela vegetação exuberante pode ser somente a "seca verde", fenômeno que ocorre quando as chuvas são mal distribuídas - até muda a paisagem, mas não significa um bom inverno."

O São Francisco tem 2.700 quilômetros de extensão. Com o início das obras de transposição, em 2007, teve o seu curso alterado para abastecer o semiárido nordestino. O plano polêmico, agora batizado oficialmente de Projeto de Integração do Rio São Francisco, percorre 477 quilômetros, divide opiniões, modifica a geografia e afeta a vida dos moradores da região. A abundância de água tem um preço: as obras deixaram muitas marcas na população e o projeto fez crescer o interesse do agronegócio e dos setores industriais. Enquanto isso, a água, esse bem público, ainda não chegou nas torneiras. De acordo com o coordenador da Articulação do Semiárido (ASA) em Pernambuco, Alexandre Pires, a desterritorialização de grupos populacionais, cujas terras foram indenizadas por valores abaixo do mercado, também configura um problema de natureza socioeconômica e ambiental. “Essas terras tendem a ser novos perímetros irrigados com uso de agrotóxicos e exploração da mão de obra dos trabalhadores locais”, alertou.  
 
Para o professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), João Abner Guimarães Júnior, especialista em recursos hídricos entrevistado pela Radis, o projeto desde sua formatação é realmente uma grande obra superdimensionada e não de abastecimento humano como os governos vêm tentando fazer parecer. “Essa seca agora demonstrou que existe água para consumo humano na região. O problema é a falta de gestão, de infraestrutura de alocação, de adutoras de grande porte”. O professor defende que, com um terço do custo da transposição, seria possível construir um grande sistema de abastecimento de água para todo o Nordeste.
 
Na sua opinião, há falhas técnicas graves que podem gerar uma dupla exclusão. “De um lado, os que foram desapropriados para implantação da obra; e de outro, aqueles que habitam as margens dos rios”, disse, explicando que, nos rios que estão servindo de calha para a transposição, os agricultores vão deixar de ter acesso ao aluvião, às cacimbas e aos poços como tinham antes. Autor de diversos artigos sobre o assunto, João Abner defende um modelo de desenvolvimento sustentável para o Nordeste nada parecido com a ideia apresentada pelo atual projeto. O pesquisador chamou a atenção ainda para as diferenças entre o Eixo Leste, vendido como um projeto de abastecimento humano, e o Eixo Norte – segundo ele, ainda mais complexo por se tratar de um enorme projeto de irrigação que, se não tiver o aporte de água necessário, não vai ter como funcionar.
 
Para todos os especialistas ouvidos pela Radis, com as obras do Eixo Leste praticamente consumadas e as do Eixo Norte em andamento, é necessário avançar no debate sobre a gestão das águas para melhorar a operação do sistema e evitar impactos sociais ainda mais graves. “Entendemos que a transposição do São Francisco tende a produzir processos de mercantilização das águas no Brasil e gerar uma fatura em que a população mais pobre e que mais precisa é que deve pagar pelo uso”, preveniu ainda Alexandre, da ASA. Ele relatou que, embora existam mecanismos de controle social como os Comitês de Bacias Hidrográficas e marcos legais para a gestão das águas no Brasil, há um sucateamento das instâncias de participação. Para André Monteiro, da Fiocruz-Pernambuco, que em sua pesquisa constatou um processo de destituição de autonomia dos sujeitos que habitam as margens da transposição, há uma disputa muito clara de projetos em curso no semiárido. Ele defendeu a agroecologia, que nos últimos tempos vem ganhando impulso, aliada às novas tecnologias sociais e outras estratégias de mobilização e de produção do conhecimento, como um bom caminho para enfrentar a batalha.
 
Essa e outras matérias de destaque estão disponíveis na Radis de número 177.
 
Sertão dos atingidos: reportagem da  'Radis' trata dos efeitos da transposição do Rio São Francisco
 

Fonte: Radis 177
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