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Às vítimas da violência no Rio de Janeiro

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Publicado em:12/04/2017

Às vítimas da violência no Rio de JaneiroA Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) está indignada e entristecida com as mortes da adolescente Maria Eduarda, alvejada dentro da escola em que estudava e dos dois homens que aparecem em um vídeo sendo executados por policiais, dentro da mesma escola, além da morte de um morador de Manguinhos nesta segunda e de tantas outras que se multiplicam diariamente, entre civis, bandidos, policiais, crianças. Os sanitaristas, profissionais que atuam nos territórios de exclusão dentro e fora das cidades, sabem calcular populações, indicadores de doenças, quantidades de vacinas, mas se rendem diante do imensurável: não há numero que dê conta do tamanho da fratura em uma sociedade que permite que os mais jovens morram em uma guerra estúpida. É por isso que expressamos nossos sentimentos e oferecemos todo nosso apoio às famílias de todas as vítimas das violências.  

Não são poucos os estudos e as pesquisas da ENSP e de outras instituições que demonstram que a chamada “Guerra às drogas”, que visa o combate ao narcotráfico sem aprofundar temas como o da legalização das drogas e da erradicação das desigualdades, não só fracassa em seu objetivo, como se transforma em uma guerra aos pobres. Vestidos de farda e coturno ou de chinelo e bermuda, os meninos que apontam fuzis uns para os outros nas vielas são quase todos negros e pobres. Parece letra de “rap”, mas quem diz isso são os números. (Basta conferir as estatísticas e teses nas bases de dados da ENSP e de tantas outras instituições).  

O que os números e gráficos talvez não digam, entretanto, é que aqui a gente faz ciência debaixo do barulho dos mesmo tiros que matam os nossos jovens. No dia em que morreu Maria Eduarda e os dois homens foram executados pelos policiais, a ENSP teve que fechar suas portas por causa da violência em Manguinhos. Quando nossa Escola fecha as portas, isso não significa apenas a suspensão de aulas. Significa que o Centro de Saúde não pode receber seus pacientes; significa que os agentes comunitários que atendem no território de Manguinhos não puderam percorrer seus caminhos; significa que nossos pesquisadores não avançaram em seus trabalhos. Muitos deles, dentro de seus laboratórios, também estão em guerra. Encaram questões urgentes, como a do avanço do lobby dos agrotóxicos no Brasil e, nessas batalhas, cada dia de trabalho é importante. Significa, por fim, que o Conselho Gestor Intersetorial de Manguinhos, que trata das questões relativas ao território, não pode se reunir naquela mesma sexta-feira.  

A ENSP, como instituição de Saúde Pública, no processo da reforma sanitária, nos anos 1980, escolheu o seu lado: o da população mais vulnerável, o dos Direitos Humanos. A desinformação inunda as conversas na vida real e nas redes sociais. Uma delas diz que quem defende os Direitos Humanos só defende bandido e  nada fala quando morre um policial. A ENSP produz pesquisas sobre a vida  e a saúde de servidores públicos, incluindo policiais militares e civis. Um dos exemplos é uma pesquisa do Centro Latino-Americano de Estudos da Violência (CLAVES), publicada em 2015, sobre mortes de policiais, que traz importantes dados para se pensar uma solução para essa tragédia que, mais vez é bom lembrar, vitima os mais pobres. O Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH), por sua vez, ofereceu no mesmo ano um curso de saúde do trabalhador voltado para policiais.    

Nesse momento, é importante ainda expandirmos nosso olhar do que acontece aqui ao lado para o contexto maior da crise que estamos vivendo. Com lideranças desacreditadas, aumento da pobreza, o Estado falido, sem pagar seus servidores, entre eles os policiais, o aumento da violência nas cidades e no campo é uma consequência inevitável. Vai ser preciso muita coragem para se reverter esse quadro.

Coragem também é o que a ENSP deseja às famílias das vítimas da violência. Estendemos nossa solidariedade e oferecemos o saber que produzimos, nossos serviços de saúde, tribunas e canais de comunicação. Estamos juntos na luta por uma sociedade mais justa, que preserve o que tem de mais precioso: a potência de sua juventude.   Nesta segunda-feira, a ENSP reabriu suas portas, de luto, para reafirmar a frase de Szachna Cynamon: Saúde é a ausência do medo.  

Estamos aqui. 

Direção da ENSP



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