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PEC 241: a proposta que congela gastos e enterra a saúde

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Publicado em:06/10/2016

PEC 241: a proposta que congela gastos e enterra a saúdeA Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola), espaço de diálogo permanente entre instituições de ensino de saúde no Brasil, com Secretária Executiva sediada na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) publicou reportagem sobre a PEC 241, seus impactos na saúde e recente tentativa de suavização da proposta, procurando reduzir a resistência ao texto. Confira a reportagem na íntegra.

A proposta que congela gastos e enterra a saúde

Mais de R$ 700 bilhões. Essa é a quantia que, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a saúde pode chegar a perder ao longo dos próximos 20 anos se o Congresso aprovar a PEC 241, um projeto do governo federal que pretende congelar as despesas primárias da União ao longo desse período. Os parlamentares têm pressa. Como a Câmara já sinalizou,a PEC é uma das prioridades nos próximos dias, e sua tramitação nesta Casa deve terminar ainda em outubro. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também afirmou que vai “fazer todos os esforços” para que a matéria seja votada rapidamente por lá, o que deve acontecer em novembro.

Nada é tão ruim que não possa piorar

Conforme apontam diversos pesquisadores da área (veja aqui, aqui e aqui), o financiamento da saúde nunca foi suficiente para construir e manter um sistema público e gratuito como o SUS, regido por princípios como o da universalidade e o da integralidade. Por isso, conseguir melhorar o investimento público na área é uma luta histórica dos movimentos em defesa do sistema, que pleiteavam um gasto obrigatório mínimo da União correspondente a 10% de suas receitas correntes brutas. Quando a emenda constitucional que normatizava essas despesas foi enfim regulamentada, em 2011, o SUS sofreu grande derrota. O dispositivo apenas institucionalizava o que já vinha acontecendo: estabelecia que a União deveria destinar à saúde, anualmente, o valor empenhado no ano anterior acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação do PIB no mesmo período. Estados e municípios deveriam investir, respectivamente, 12% e 15% do valor de determinados impostos arrecadados.

O barulho foi grande, já que pesquisadores indicavam o quanto a medida era nefasta se comparada à demanda dos movimentos sociais.

A situação se agravou no fim de 2015, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 86. Com ela, vinculou-se o gasto mínimo da União em ações e serviços de saúde a um percentual da sua receita corrente líquida (e não da bruta), começando em 13,2% em 2016 e chegando a 15% apenas em 2020. O problema é que, já em 2016, o volume de recursos obtidos pela nova regra foi ainda menor que no ano anterior, e a perda estimada foi da ordem de R$ 10 bilhões.

É este o cenário que a PEC 241 consegue complicar ainda mais. Ela estabelece um teto para as despesas primárias, que ficariam congeladas por duas décadas. Assim, a despesa de um ano precisaria ser idêntica à do anterior, variando apenas conforme a inflação.

Queda livre

O estudo do Ipea contraria a afirmação do Ministério da Fazenda de que a PEC não reduz recursos para áreas sociais como educação e saúde. A pesquisa simula o que teria acontecido nos últimos anos caso a medida já estivesse valendo, e a conclusão é que a União teria deixado de investir R$ 257 bilhões em saúde entre 2003 e 2015. Segundo o documento, seria praticamente impossível estados e municípios preencherem esse vão.

Na terça-feira (4/10), o relator da proposta na Câmara, deputado Darcísio Perondi (PMDB/RS) modificou o texto inicial, amenizando a situação e procurando diminuir a resistência ao texto. Segundo o parecer, o corte na saúde só deve começar a vigorar a partir de 2018 e o percentual a ser utilizado como base de cálculo para o teto de gastos na área deve ser de 15% das receitas correntes líquidas, e não de 13,2%, como estava previsto anteriormente. Para opositores da PEC, no entanto, a mudança não é tão significativa, já que as a diminuição de recursos continua gritante e o congelamento será de 19 anos — não muito diferente de 20.

A perda nos próximos anos depende do quanto o país vai crescer, e as contas mostram que o único cenário em que não haveria uma redução de verbas significativa é aquele de crescimento zero , o que não é esperado nem desejado por ninguém. Considerando um crescimento de 2% ao ano (e já com a ‘melhora’ proposta esta semana pela Câmara, mas ainda incluindo o ano que vem no cálculo) haveria uma perda de R$ 400 bilhões. No entanto, quando se faz a estimativa com base nas taxas previstas no projeto de lei de diretrizes orçamentárias para 2017, o quadro fica mais crítico: em 2036, a saúde terá perdido R$ 743 bilhões.

Parece um horizonte desanimador? Tem mais. Em 2036, a população brasileira terá crescido 10,1%. Assim, segundo o Ipea, se o Estado não desembolsar mais dinheiro com saúde, o gasto per capita vai cair consideravelmente. Essa informação ganha ainda mais relevância se considerarmos que, hoje, o gasto público brasileiro já é baixo, se comparado a outros países. Em 2013, por exemplo, essa aplicação foi de US$ 523 per capita; no mesmo ano, no Reino Unido e na França (que também têm sistemas públicos universais de saúde) foram empregados U$$ 2.766 e US$ 3.360 per capita; a Argentina (onde o direito à saúde não é universal) aplicou US$ 1.167; e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o investimento per capita médio nas Américas foi de US$ 1.816.

Mas o pior é que a população estará também mais velha, e, portanto, vai demandar mais serviços de saúde. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas próximas duas décadas o número de pessoas com mais de 60 anos vai dobrar: hoje elas são 12% da população brasileira, e em 2036 serão 21,5%. Isso significa, no mínimo, uma maior pressão por consultas, remédios e internações.

A primeira votação da PEC 241 na Câmara está marcada para o próximo dia 10. Ela precisa ser votada em dois turnos, tanto lá quanto no Senado, e os parlamentares preveem que a tramitação nesta última casa termine ainda em novembro. Caso seja aprovada sem modificações, segue para sanção presidencial.

*Por Raquel Torres, jornalista da RedEscola. 
*Ilustração: Caco Xavier.

Fonte: RedEscola

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