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Por quem os sinos dobram: mesa debate importância histórica da Oitava e mobilização social hoje

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Publicado em:20/09/2016
Era ainda madrugada no interior do Maranhão quando os sinos começaram a tocar. Em poucos minutos, integrantes de 17 sindicatos rurais se encontravam no salão paroquial da igreja local. O motivo da reunião? Discutir saúde. A lembrança daquele momento raro e intenso de participação popular nos debates da saúde pública foram evocadas pelo pesquisador da ENSP Ary Miranda ao iniciar sua fala na mesa "Momento Político e situação da saúde no Brasil no período da Oitava Conferência Nacional de Saúde", realizada no primeiro dia da semana de aniversário da Escola. O debate, coordenado pela vice-diretora de ensino da ENSP, Tatiana Wargas, contou também com a participação de Arlindo Fábio de Sousa, superintendente do Canal Saúde da Fiocruz e, à época, integrante do comitê assessor da Oitava junto com Ary Miranda. Mais do que trazer de volta antigas recordações, a intenção do evento foi promover uma reflexão sobre o que esse importante acontecimento da vida nacional, que se deu no contexto da redemocratização dos anos 1980, pode nos fornecer como armas para as constantes lutas por uma saúde que atenda às necessidades da sociedade brasileira.
 
Como lembraram Ary e Arlindo, a conferência foi um momento culminante de uma discussão que vinha sendo fermentada na base por pesquisadores, movimentos sociais e organizações da sociedade civil. O que se pretendia, quando 5 mil pessoas se reuniram em Brasília em março de 1986, era debater a proposta de um sistema de saúde baseado em direitos, o qual atendesse a toda a população. O sistema vigente até então, para quem não podia pagar por assistência privada, só atendia aos que tinham carteira assinada por intermédio do Inamps. O restante da população tinha que ficar à mercê de casas de caridade. Como lembraram os palestrantes, a arrancada que se deu em 1986 levando à criação do SUS e à garantia da saúde como direito na Constituição de 1988 vinha sendo construída há muitos anos. 
 
- Em 1975, a ENSP começou um processo de descentralização de seus cursos, porque sabia que o número de pessoas que poderiam ser formadas e treinadas no Rio de Janeiro era muito pequeno diante das necessidades nacionais. O que hoje se tem como uma rede de escolas de saúde pública no país deriva, em grande parte, desse processo. Isso fertilizou o pensamento em relação à questão da saúde pública no país, e ela passou a ser um debate organizado, descentralizado e respeitando as diferenças regionais. Isso vem a aparecer de forma clara na Oitava Conferência, lembrou Arlindo Fábio.
 
Segundo Arlindo, outro projeto que teve importância fundamental nesse processo foi o da Radis (Reunião, Análise e Difusão de Informações sobre Saúde), que, na época, era formada por três publicações. 
 
- Essas revistas eram extremamente importantes para dar voz às pessoas que viviam em todo território nacional. Já na época, eram mais de 30 mil exemplares distribuídos pelo país inteiro. As pessoas, quando chegaram para a Oitava Conferência, já traziam uma bagagem de compreensão desse processo.
 
Com uma antiga e amarelada revista do Cebes em mãos, Ary Miranda também falou dos temas que apareciam nas publicações, nos debates e na academia. O pesquisador citou ainda, como forma de se compreender o processo que levou à 8ª Conferência, o surgimento de inúmeros movimentos sociais, em um momento em que o Brasil começava a experimentar a abertura democrática.
 
- São muitos os movimentos que surgem nessa época, como o MST, o movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu, Faxinagens, Quilombolas. No Rio de Janeiro, os movimentos de bairros e as associações de favelas eram muito fortes. É importante compreender esse processo. Eu estive, na época em que se completou 25 anos da Oitava, em um debate na Uerj, com professores de direito constitucional. Eu lembro que nos deram os parabéns, aos sanitaristas e deputados que participaram do processo de criação do SUS, pelo que o sistema representa de avanço para a sociedade brasileira. Eu disse que o sistema não tinha sido fruto da mente de sanitaristas brilhantes. Ele foi uma conquista da sociedade brasileira organizada. 

Por quem os sinos dobram: mesa debate importância histórica da Oitava e mobilização social hoje
 
É com essa mesma sociedade que, para Arlindo Fábio, as instituições que formam o Sistema Único de Saúde encontram dificuldades em se comunicar. Para Arlindo, essa é uma falha fundamental que dificulta a mobilização em defesa do SUS.
 
- Nós não conseguimos passar a ideia do SUS e, quando alguém está tirando golinho a golinho desse meio copo d`água que conquistamos, você não tem como dizer para a população: vamos proteger o que é uma conquista nossa. Esse tipo de ataque a direitos que estamos vendo não acontece no Canadá, na Inglaterra. A Margaret Thatcher fez suas reformas, mas não passou de certo ponto porque a sociedade não deixou. Aqui, passa batido. O fim da  CPMF, por exemplo, foi comemorado pela mídia, e todos acharam bom acabar com ela. Com todo desvirtuamento que havia com relação a esse imposto, isso representou um baque importante no financiamento da saúde.
 
Essa falta de mobilização em torno de uma agenda de defesa do SUS e dos direitos conquistados, para Ary Miranda, tem origem na fragilização dos movimentos sociais ocasionada por mudanças no mundo do trabalho nas últimas décadas.
 
- A meu ver, a desestruturação do mundo do trabalho é um componente fundamental para refletirmos sobre a democracia e as lutas sociais. A partir dos anos 1970, a reconfiguração da acumulação de capital, a chamada reestruturação produtiva que surge com o esgotamento do modelo fordista, traz consequências importantes sobre o mundo organizado do trabalho, com repressão às greves na Inglaterra, no Japão. O mesmo vivemos nos anos 1990, com a greve dos petroleiros no governo Fernando Henrique. Nossa taxa de sindicalização hoje é baixa, e há uma fragilização dos movimentos sociais. Para se ter uma ideia mais geral dessa mudança ao longo de toda a segunda metade do século XX, o Partido Comunista Italiano saiu da Segunda-Guerra com 2,9 milhões de filiados. Hoje, praticamente inexiste. É só um dos muitos exemplos para se falar no dilema atual da esquerda. É preciso que a gente repense um pouco esse fenômeno em todas as lutas, inclusive a da saúde. 

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