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Entrevista: Fiocruz discute inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência

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Publicado em:02/09/2016
A Fundação Oswaldo Cruz caminha rumo à inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência e à criação de uma política institucional para essas pessoas. Um grupo multidisciplinar de trabalhadores dedicados ao tema criou o GT Inclusão e Acessibilidade no Trabalho, que tem caráter aberto e funciona em reuniões regulares mensais, possibilitando a participação de estudantes, trabalhadores e profissionais das diferentes unidades da Fiocruz. Na segunda-feira, dia 29/8, durante o Seminário Inclusão e Acessibiliadade da Pessoa com Deficiência e os Desafios para o Trabalho Digno, esse grupo entregou ao vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Valcler Rangel, um Termo de Referência (TR) para legitimar o GT e fazer avançar o trabalho no âmbito institucional.
 
Um dos modelos a seguir é o da Universidade Federal de Goiás (UFG), que possui um Núcleo de Acessibilidade cuja política se baseia em oito eixos voltados para professores e alunos com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais.
 
Para falar sobre essas iniciativas e os modelos a contemplar na Fiocruz, o Informe ENSP conversou com quatro membros do GT Inclusão e Acessibilidade no Trabalho. Aníbal Coelho de Amorim, da VPAAPS/Fiocruz, Luciene Aguiar, do departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (Dhis/ENSP), Sônia Gertner, da Coordenação de Saúde do Trabalhador, e Eguimar Chaveiro, da UFG. Eles comentaram as ações já desenvolvidas e detalharam os inúmeros desafios que ainda estão por vir. Confira.
 
Informe ENSP: A Universidade Federal de Goiás (UFG), hoje, é um modelo de ações de inclusão e acessibilidade para a pessoa com deficiência. Como funciona o Núcleo de Acessibilidade da UFG?
 
Eguimar Chaveiro: A UFG abriu suas portas para receber, inicialmente, um conjunto de grupos sociais da chamada vertente excluída, como povos indígenas, pessoas com deficiência auditiva; com deficiência visual - e outros. A partir disso, incrementou-se um Núcleo de Acessibilidade com dois grandes objetivos: organizar a política de inclusão e possibilitar diálogos entre os sujeitos envolvidos. Ele funciona como se fosse uma espécie de pró-reitoria, pois discute políticas, desenvolve pedagogias e elabora eventos nesse campo.
 
Informe ENSP: A chegada do senhor na Fiocruz oportunizou a ampliação desse debate na instituição. Como enxerga as iniciativas desenvolvidas e quais são os principais desafios para implementação de novas políticas?
 
Eguimar Chaveiro: Tenho tido alegria de receber apoio e boa acolhida de professores, alunos e da Direção da Fiocruz para organizar, refletir e inserir o tema e as práticas de inclusão na Fiocruz. Descobrimos que há várias experiências, pesquisas e diálogos aqui na Fundação. O momento é oportuno para articular, trocar experiências e compor ações a fim de propor e implementar políticas institucionais. 
 
Informe ENSP: De onde partiram as ações para inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência na Fiocruz?

Sônia Gertner: Se estamos falando de inclusão, considero como primeira ação envolver as pessoas que experimentam, de forma mais violenta, o que é viver numa sociedade não inclusiva, seja por deficiência física ou mental. As demais ações virão da forte vontade coletiva de fazer valer os direitos humanos para todos indiscriminadamente.
 
Sendo assim, um pequeno grupo, instigado pelo prof. Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, começou a se reunir e perguntar como estamos em termos de Inclusão e acessibilidade na Fiocruz. A partir desse questionamento, outras pessoas foram se agregando, e configurou-se o GT. 
 
O que encontramos como resposta nos agradou, mas, ao mesmo tempo, foi um desafio. Algumas iniciativas promissoras tanto na produção de conhecimento, como no serviço e na atenção: teses e dissertações têm sido produzidas para aprofundamento do tema; o esforço da Dirac em ir diminuindo as barreiras físicas e arquitetônicas nos campi, inclusive no Plano Diretor; as iniciativas do Icict/Fiocruz para acessibilidade tecnológica em nossos sites; o projeto da COC e Museu da vida para inclusão dos visitantes com deficiência auditiva; a Cooperação Social na coordenação do "Projeto de inserção da pessoa surda no mercado de trabalho"; o Projeto Institucional Fiocruz Saudável, que promove várias inciativas na intenção de contribir para melhores condições de saúde e trabalho. 
 
No Nust, da Coordenação de Saúde do Trabalhador (CST), temos previsto um minicurso de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para capacitação da equipe de saúde que atende aos trabalhadores surdos; o Cesteh, com sua equipe de especialistas, dedica um período para realizar exames específicos que auxiliam diagnóstico e tratamento da deficiência auditiva. Com certeza, existem outras iniciativas que ainda serão mapeadas à medida que o trabalho se consolide.
 
Luciene Aguiar: Além das iniciativas citadas, tembém vale a pena lembrar o trabalho desenvolvido pelo Departamento Direitos Humanos e Saúde (Dihs/ENSP), o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), a Coordenação de Desenvolvimento Educacional e Educação a Distância (EAD/ENSP) e da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS). O grupo de pessoas atuantes observou que essas iniciativas estavam dispersas e sem um fio condutor que pudesse caracterizar uma política institucional de inclusão e acessibilidade na Instituição em sua totalidade.
 
Aníbal Coelho de Amorim: A Fiocruz é uma instituição centenária, com enormes contribuições no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva. É certo que sua trajetória influiu decisivamente na formulação de políticas públicas. Desse modo, pensar em ações para inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência pressupõe cogitar todas as dimensões a curto, médio e longo prazos no plano institucional. A Fiocruz já discute o tema em diferentes perspectivas: direitos humanos; saúde do trabalhador, mulher, criança e idoso; epidemiologia e informação; planejamento de ações e serviços. Pensar inclusão e acessibilidade é pensar inclusivamente! 
 
Informe ENSP: Como funciona o GT Inclusão e Acessibilidade no Trabalho?
 
Luciene Aguiar: O grupo vem discutindo inclusão e acessibilidade mediante dois prismas: a primeira perspectiva é sobre o que a Fiocruz produz de conhecimento nesse campo temático (que vem sendo realizado no Icict/Fiocruz - com Aline Alves, Marina Maria e Paulo Abílio), e, dentro desse prisma, pensamos em criar linhas e grupos de pesquisa sobre o tema, além da organização de um livro.
 
O outro enfoque passa pela estruturação da Fiocruz para implementar políticas de inclusão e acessibilidade, tanto para área de pesquisa e ensino, viabilizando a entrada de pessoas com deficiência nos concursos para servidores e alunos, como na questão arquitetônica e tecnológica (equipamentos, laboratório, intérpretes etc.).
 
Aníbal Coelho de Amorim: O GT estruturou-se com base nas "dimensões da inclusão e acessibilidade no trabalho", como o próprio nome que o batiza. Funciona por meio de reuniões regulares mensais e tem caráter aberto, o que possibilita a participação de estudantes, trabalhadores e profissionais das diferentes unidades da Fiocruz. Parece-me, no entanto, que com a ampliação da participação desses segmentos, outros temas, além do trabalho, passarão a ser incorporados no campo de interesses do GT. 
 
Isso significa dizer que nosso GT e seu plano de trabalho precisam ser fortalecidos agregando a narrativa e as vivências de pessoas com deficiências; dos professores e pesquisadores e suas contribuições sobre a temática; daqueles trabalhadores (as) que possuem familiares com algum tipo de limitação e, assim, estabelecer mecanismos de trocas institucionais com movimentos sociais de pessoas que têm o "conhecimento de causa", como eu costumo me referir. 
 
Nosso GT deve se manter permanentemente aberto às contribuições das pessoas com deficiências, que, em suas lutas de emancipação, acumulam conhecimento, e cujas estratégias podem fazer avançar o trabalho no plano institucional.
 
Informe ENSP: Quais são os principais desafios para criação desse Programa Institucional de Inclusão e Acessibilidade da Pessoa com Deficiência?
 
Aníbal Coelho de Amorim: Quando membros do GT procuraram a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz) para conversar com o Valcler Rangel, certamente havia uma agenda em mente, um conjunto de questões que os preocupava. 
 
Portanto, baseados em situações semelhantes anteriores, Valcler e eu procuramos descrever algumas das experiências que possibilitaram a criação, no âmbito da VPAAPS, de programas institucionais, como o "Programa Álcool, Crack e Outras Drogas" (PACD) e, mais recentemente, a recomendação do CD Fiocruz para a criação do Programa “Violência e Saúde”, coordenado pelo Claves/ENSP.
 
Programas institucionais, criados pela Presidência da Fiocruz com base na recomendação das Vice-Presidências e de discussão no CD Fiocruz, possibilitam não somente o engajamento transversal da expertise acumulada nas unidades da Fiocruz (inclusive Regionais), como também extrapolam os muros da instituição, atraindo parceiros em forma de termos de cooperação técnica e de entendimento, ampliando o escopo de atuação e retirando a temática da invisibilidade, colocando-a como parte da agenda de transformações de desafios ao longo dos anos. Isso tudo remete-a, ainda, para fóruns e congressos internos da Fiocruz, que debatem e definem diversas prioridades institucionais etc.
 
Assim, a criação de um programa institucional, além da perspectiva de contribuir para o aprofundamento da discussão da temática de forma transversal na instituição, chama a atenção para as necessidades a serem enfrentadas, neste caso, as necessidades “da inclusão, da acessibilidade e da emancipação da pessoa com deficiência. Essas observações constam do Termo de Referência entregue ao Valcler Rangel Fernandes na mesa de abertura no seminário.

Sônia Gertner: A primeira etapa desse desafio já foi deflagrada com a entrega ao vice-diretor da VPAAPS da primeira versão do Termo de Referência, para ser apresentado no CD. A partir daí, será delineada a composição do Comitê, com reconhecimento das Unidades da Fiocruz em suas diferentes instâncias. O desafio é o mesmo que enfrentamos para tantas outras iniciativas, ou seja, a integração necessária para uma instituição tão diversificada como a Fiocruz.
 
Informe ENSP: Qual balanço vocês fazem do Seminário Inclusão e Acessibilidade da Pessoa com Deficiência e os Desafios para o Trabalho Digno, realizado na ENSP?
 
Aníbal Coelho de Amorim: De modo particular, credito ao seminário o papel de marco histórico pela representatividade alcançada (número expressivo de pessoas interessadas), mas, acima de tudo, pela maneira cuidadosa como foi conduzido, com inclusão e acessibilidade garantidas em todos os momentos. Tivemos, por exemplo, experts na linguagem Libras, o que garantiu a participação expressiva do contingente de trabalhadores/colaboradores com déficit auditivo por vezes apartados de nossas atividades, uma vez que não as planejamos de "forma inclusiva e acessível a todos". Quantos de nós já nos deparamos com essas barreiras fora dos limites de nossa instituição? Em teatros, bares, cinemas, galerias de arte, transportes públicos etc. 
 
A inclusão e a acessibilidade são necessidades e direitos de pessoas vivendo e trabalhando em nossa sociedade! Nosso seminário atingiu plenamente seus objetivos. Parabéns a todos e todas que o pensaram e o implementaram de maneira inclusiva e acessível !!!

Entrevista: Fiocruz discute inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência
* Valcler Rangel, vice-presidente da Fiocruz, recebe o termo de referência do GT INclusão e Acessibilidade no Trabalho
 
Luciene Aguiar: O evento superou nossas expectativas, principalmente pela organização conjunta de várias unidades da Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), de onde veio uma comitiva de 22 pessoas, entre alunos e professores, liderados pelo prof. Eguimar Chaveiro.

Sônia Gertner: O seminário não só alcançou os objetivos como foi além. O auditório lotado configurou-se um espaço possível de inclusão, pois tínhamos como protagonistas na mesa e na plateia pessoas que, lidando com suas deficiências, brindaram-nos com suficiência tal que nos tocaram a alma e nos permitiram enxergar, através das lágrimas emocionadas, que, como nos diz o prof. Fadel: "Não existem pessoas com deficiência; existem pessoas. As que mudam o mundo são suficientes demais." O dr. Armando Nembri, da UFRJ, é uma delas e marcou as nossas vidas com sua capacidade e sensibilidade.
 
Do ponto de vista institucional, foi importante contarmos com a presença e o apoio do vice-presidente, Valcler Rangel, da vice-presidente  de Ensino, Nísia Trindade e do diretor de RH, Juliano Lima, além de vários diretores de unidades.
 
Informe ENSP: A ENSP possui um departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural. De que forma os pesquisadores vêm trabalhando com o tema?
 
Luciene Aguiar: O DIHS participou do desencadeamento desse processo de articulação das unidades em torno do tema, especialmente em função do pós-doutorado do professor Eguimar Chaveiro, que é realizado no DIHS, cujo tema é inclusão e acessibilidade das pessoas com deficiência no trabalho.
 
Informe ENSP: O senhor pode detalhar esse tema, prof. Eguimar?
 
Eguimar Chaveiro: Eu e o professor Luiz Carlos Fadel estamos investigando o modo pelo qual o grupo social denominado Pessoas Com Deficiência (PCD) desenvolve a inserção territorial por meio do trabalho. A hipótese geral e matricial é que o trabalho, para as PCD, é uma ponte para o mundo, ou seja, uma forma de sair das clausuras espaciais; da visão redutora da interpretação biomédica da deficiência; é uma maneira de socialização; e um modo de angariar autonomia e de descobrir potências criadoras e concriadoras. Contudo, o modelo produtivo atual faz com que o trabalho alienado, baseado apenas no viés produtivista, seja criador de deficiências a partir de acidentes, mutilações, adoecimento do espírito.

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