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XI Ciclo de Debates reflete sobre a atual conjuntura brasileira

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Publicado em:12/05/2016
Tatiane Vargas

A Residência Multiprofissional em Saúde da Família realizou, de 2 a 6 de maio, a 11ª edição do Ciclo de Debates – Conversando sobre a Estratégia de Saúde da Família. Ao longo de uma semana de intensas discussões, estiveram em pauta a atual conjuntura do país, a Política de Saneamento no Brasil, as contradições entre a expansão da Estratégia de Saúde da Família e o modelo assistencial, a Política de Saúde Mental e a Política Nacional de Residência, além da tradicional formatura do curso. No primeiro dia de atividades, o debate contou com a participação do deputado federal Chico Alencar e da historiadora Virginia Fontes. Sob a coordenação da pesquisadora da ENSP Sandra Venâncio, os palestrantes refletiram acerca do momento pelo qual passa o país. Segundo "Chico", estamos vivendo uma crise de destino na sociedade, uma crise civilizatória. Sobre o dia de votação na Câmara dos Deputados, em 17 abril, na opinião do deputado, aquele momento expressou a política dominante no Brasil, que, infelizmente, é a política da família como elemento de amálgama para a reprodução de mandatos, e não das Estratégias de Saúde da Família.
 
XI Ciclo de Debates reflete sobre a atual conjuntura brasileira

Antes de dar início ao debate Democracia á beira do caos: direitos ameaçados, foi realizada uma breve solenidade de abertura com a participação do diretor da Escola Nacional de Saúde Pública, Hermano Castro, e da coordenadora geral da Residência Multiprofissional em Saúde da Família, Maria Alice Pessanha. Na ocasião, o diretor afirmou ser possível, sim, ter uma saúde 100% pública e de qualidade. “Essa é a bandeira que vocês devem defender durante todo o curso. Como dizia Carlos Marighella – guerrilheiro e escritor brasileiro –, a única luta que se perde é a luta que se abandona.” Ao dar boas-vindas aos alunos da 12ª turma de Residência e se despedir daqueles que seguem na luta por um Sistema Único de Saúde universal, Maria Alice reforçou: “SUS é democracia, e sem democracia não há SUS.”

Chico Alencar iniciou sua fala contando um pouco do que fez no rio de Janeiro ao chegar de Brasília. Entre uma história e outra, regada de boas gargalhadas de uma plateia empolgada, o deputado defendeu que momentos como aquele é que ajudam a ter energia para enfrentar certos ambientes, referindo-se à Câmara dos Deputados, com sua verdadeira cara. “Nós que estamos lá já conhecíamos a verdadeira cara daquele lugar. A introdução de diversos senhores naquele 17 de abril revelou muito sobre o sistema político que nos rege. Aquele momento, que alguns diziam histórico, mas eu desconfio que seja histérico, é revelador do nosso processo histórico. E o que temos hoje é uma democracia inconclusa, limitada, na qual as maiorias sociais, inclusive por não terem oportunidade de organização e consciência, não são maiorias políticas” lamentou.  

Para Chico, cada deputado, naquele dia, expressou a política dominante no Brasil, que é a política da família, mas como elemento de amalgama para a reprodução de mandatos, de colocação do privado no lugar do público e da pequena política com seu intestino grosso, em detrimento da política formada por ideais, causas, projetos de nação e visão de mundo. “Estamos vivendo uma crise de destino na sociedade, uma crise civilizatória. Os nossos rumos, que não serão resolvidos da noite para o dia, mostram a tremenda encruzilhada que estamos. Quando olhamos a realidade do Senado, vemos um ambiente de estelionato eleitoral para todos os lados. Do que a Dilma propôs para seu segundo mandato, pouca coisa avançou, e boa parte do que foi realizado vai contra o que a levou a receber 54 milhões de votos. Ela se aproximou da pauta mais conservadora, regressista, do estado mínimo, do ajuste que recai, sobretudo, sobre os mais pobres e as políticas públicas que fazem bem ou garantem direitos a essa grande massa dos mais pobres no Brasil”, analisou ele.

XI Ciclo de Debates reflete sobre a atual conjuntura brasileiraA respeito das manifestações que vem acontecendo desde 2013 e se multiplicam a cada dia, Chico foi categórico ao afirmar que não importa de que lado se está; o importante é estar nas ruas, pois, segundo ele, é o lócus principal de uma construção democrática embrionária no país. Para o deputado, os movimentos que começaram em 2013 não tinham o perfil mais diretamente político da direita ou de mera resistência da esquerda, foi uma insatisfação generalizada com a insuficiência das políticas públicas, inclusive da política propriamente dita naquele momento. “Estamos em vias de mais uma transição intransitiva. Sem dúvida, o que temos hoje, chamado ou não golpe, é uma grande armação dos setores dominantes, principalmente da indústria do agronegócio. Há uma força, um bloco de poder que quer trocar o síndico, mas eles nunca deixaram de estar no condomínio.”

Chico apontou ser o escravismo uma marca constitutiva da nossa sociedade, que, em parte, explica a estrutura psíquica de vassalagem que temos até hoje. Segundo ele, o patrimonialismo que se traduz na concentração da propriedade tem expressão política, visto que a Câmara dos Deputados brasileira está cheia de filhos, netos e bisnetos de oligarcas modernos, contemporâneos e urbanos, mas ainda reproduzem os elementos da dominação. Na exposição do deputado, se não fosse a crise econômica pela qual o pais está passando, não estaríamos falando em impeachment. “See o cenário atual fosse aquele dos anos Lula, não tenho dúvida, ninguém estaria falando em impeachment. O substrato agora é o mal estar da população, o desemprego que é real, a inflação que atinge produtos básicos, mas ainda assim o Brasil continua sendo o maior parque industrial e manufatureiro da América Latina”, comentou.

Se encaminhando para o fim de sua apresentação, Chico questionou o que, de fato, tem a ver tudo aquilo que estava sendo discutido com as Estratégias de Saúde da Família, com a Saúde Pública. E ele mesmo respondeu: tudo; desde o mais concreto com a proposta da presidente Dilma da desvinculação de receitas da União. “É claro que não basta só ter receita vinculada para a Saúde e para a Educação. É preciso democratizar o gasto, garantir a transparência, gerir bem os recursos, pois a máquina estatal também é um sorvedouro de gastos inadequados e um caminho muito forte para a corrupção.” Ao finalizar, o deputado afirmou ser a família, ao contrário daquela invocada em 17 de abril por interesses meramente particulares e eleitoreiros, um espaço especial de convivência humana em sua diversidade, unida por laços de afeto, um laboratório de convivência humana no qual você começa a se socializar e enxergar o mundo.

Sobre saúde, Chico garantiu que o bom convívio é fundamental para uma vida saudável. Para ele, boa parte do que nos adoece vem da nossa subjetividade. Se uma pessoa está triste e infeliz, ela tem mais chances de ficar doente; se está feliz e de bem com a vida, resiste até mesmo a doenças consideradas letais. “Nosso país apresenta uma estrutura política adoentada, envenenada; então, é óbvio que as políticas de Saúde vão expressar isso. Nossa tarefa, agora, é organizar a indignação e resistir. Espero que esse debate seja um bom sintoma disso. Não devemos ser pessimistas, embora seja preciso o pessimismo da razão, sabendo que é possível lutar, é possível ter um caminho de esperança. A ENSP e a Fiocruz, com suas excelências e suas dificuldades, são um sinal concretíssimo de que nem tudo está perdido. É possível colher morangos mesmo estando à beira do abismo. Vamos juntos. Estou a serviço de vocês no meu mandato”, concluiu

A luta constante pela saúde

A pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Marx e o Marxismo da Universidade Federal Fluminense, Virginia Fontes, dando continuidade ao debate, confirmou o fato de que, diante da situação na qual vivemos, a realização do Ciclo de Debates reafirma o papel da ENSP/Fiocruz na luta constante pela saúde, uma luta que faz parte do DNA da instituição. Para ela, vivemos um momento gravíssimo do ponto de vista da razão; sendo golpe ou não, ele não está sendo dado em cima do Partido dos Trabalhadores e nem sobre a Dilma, mas sobre a massa da população brasileira totalmente expropriada das suas condições de tomadas de decisão em momentos graves. “O que estamos vendo, hoje, é a expropriação de um direito básico, que não é nem da democracia; é do Estado representativo burguês que supõe que a representação está em primeiro lugar. A situação é muito grave e foi disparada por um bando de oportunistas que não estão preocupados em levar um conjunto da população para uma situação que pode ser absolutamente dramática.”

A grande mídia, cpnforme advertiu Virginia, vem tentando fazer com que toda situação do país seja normal, apenas mais um rito. Mas, na verdade, estão espoliando tudo aquilo que foi conquistado ao longo de tantos anos. A professora, levando sua fala para o cenário internacional, enfatizou a situação muito complexa que estamos vivendo, e, em escala mundial, temos tensões interimperialistas crescendo com a contraparte de reforço de um pequeno grupo de países imperialistas estreitando sua atuação em novos acordos. “Nesse processo de crise econômica, que não é um processo de redução e nem da expansão do capitalismo, menos ainda da redução da concentração da riqueza no mundo, é preciso ter claro que quem vai 'pagar o pato' somos nós. Vocês acreditam que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vai 'pagar o pato'? É logico que não, ela nunca pagou e nem vai pagar. Na verdade, vai além: a grande burguesia brasileira não paga impostos e tem todas as benesses do Estado.”

Ao entrar pela área da Saúde, Virginia citou a experiência da terceirização da gestão, da contratação de mão de obra, da desqualificação total de tudo aquilo que significa conquista universal pública. Como exemplo, falou sobre a cidade do Rio de Janeiro que, hoje, organiza boa parte da Estratégia da Saúde da Família em torno das Organizações Sociais (OS), o que, para ela, reduz a capacidade de enfrentamento dos trabalhadores às suas condições de trabalho. “Esse é um exemplo do caso brasileiro, mas a fragmentação do trabalho vem acontecendo no mundo inteiro, é a fragmentação da classe trabalhadora. Economicamente, nós temos a expansão do capitalismo, uma tensão interclasses dominantes no cenário internacional e também no brasileiro.” De acordo com a professora, estamos em um cenário mundial de redução dos direitos sociais, econômicos e políticos diretamente conquistados pela classe trabalhadora. No caso do Brasil, as desigualdades sociais que o próprio capitalismo promove são acumuladas de racismo, de transições intransitivas, de promessas não cumpridas, o que torna mais complexo o enfrentamento em vários níveis.

XI Ciclo de Debates reflete sobre a atual conjuntura brasileiraVirginia Fontes assegurou que esse golpe não é homogêneo, pois não há uma única cabeça que orquestra tudo, ele resulta de uma série de fissuras, fraturas e tensões internas. Para a professora, democracia não é algo que está concluído, que se conclua, ou se defina, democracia é historicamente processo de luta popular por decidir todas as questões do coletivo e como a sociedade se organiza para existir. “Se nós vamos depender da democracia, temos que defender a luta todo o tempo, em todos os níveis, e não apenas na hora do voto, principalmente quando em uma sociedade desigual, voto é igual à mercadoria. Estamos em uma situação tão grave que é preciso que a gente volte a entender que igualdade social é uma exigência real, e enquanto 0,1% da população controlar 30% da riqueza, será impossível que uma sociedade possa funcionar a contento. Sem a construção de políticas universais não haverá enfrentamento à corrupção”, afirmou.

Ao concluir, a professora destacou  o fato de o Brasil não ser um país pequeno; ao contrário, é uma das maiores economias do planeta, e o que acontece aqui tem impactos e riscos para adiante. Por isso, a certeza de que a luta acontecerá no enfrentamento da vergonha nacional que o país está passando. “A população sabe que vai ter que enfrentar o conjunto da corrupção, tenho certeza de que essa luta vai existir. Nenhuma retirada de direitos da população vai ser tomada. As turmas que se formam aqui na ENSP, na Fiocruz e nas universidades públicas precisam ter consciência de que essa luta é fundamental, não dá para ficar quieto; ou a gente enfrenta ou a tragédia social vai ser gigantesca. Temos condição, percepção e necessidade dessa luta; é ela que nós dá dignidade social e humana para seguir adiante dentro da saúde pública, da saúde coletiva e da educação pública. Dentro de uma vida que a gente espera que seja digna de seres humanos”, finalizou Virginia. 


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