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Por novas linhas de vida: seminário do Dihs é encerrado com debate sobre a potência da diferença

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Publicado em:03/05/2016

Por novas linhas de vida: seminário do Dihs é encerrado com debate sobre a potência da diferençaTornar visível às mulheres jovens a violência do sexismo, abrir as portas do sistema de saúde e as mentalidades para o convívio com outros corpos, produzir novas possibilidades de vida e afeto a partir do que me é diferente. O último dia do seminário Diálogos Dissidentes: Pelo Direito de Ser, realizado nos dias 18 e 19 de abril na ENSP, produziu amplo e potente debate que não só denunciou as violências institucionais e cotidianas a que estão sujeitos aqueles que não se enquadram em padrões estabelecidos autoritariamente, mas versou sobre a potência de se abrir para o novo, para o risco do encontro e para a alegria da liberdade. Organizado pela especialização em Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos da ENSP, o segundo e último dia do seminário contou com uma roda de conversa e uma mesa temática.

A roda de conversa, que teve por título Não me cale, não me culpe: respeita aê tratou principalmente da violência contra as mulheres. Participaram do debate Ana Lacerta e Taís Victa, da Casa da Mulher trabalhadora, organização feminista que luta pelos direitos e autonomia da mulher. Elas falaram sobre um projeto que debate violência contra a mulher com os jovens. “O que a gente percebe é que, muitas vezes, eles não identificam como violência o que é violência. É por isso que ouvimos de mulheres frases como “um tapinha não dói”.

Segundo Ana, os debates têm sido dificultados pelos decretos municipais que proíbem discussões de gênero em sala de aula. “Acho que os professores têm que tentar se impor, dentro do possível, nos seus espaços. Sabemos que há o risco de perda de emprego etc., mas acho que temos que lutar pelos espaços.”

Uma campanha elaborada pela Camtra tem procurado identificar os temas a serem discutidos, como assédio, racismo, lesbofobia, estupro e violência contra a mulher. “Os temas do núcleo são bem transversais. Como o núcleo se reúne com meninas de idades diferentes, estamos tentando pegar as experiências de cada uma delas”, disse Taís.

Depois da roda de conversa, a mesa Direitos humanos para quem?, coordenada pelo pesquisador da ENSP Marcos Besserman, contou com a participação da psicóloga Cristiana Serra, mestranda do Instituto de Medicina Social da Uerj, que pesquisa gênero e religião, Leonardo Peçanha, diretor do grupo Transrevolução e do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade, e Fábio Henrique Lopes, doutor em História Cultural e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Cristiana Serra foi a primeira a falar. Ela lembrou da votação da antevéspera, que aprovou, na câmara dos deputados, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A votação já tinha sido a tônica de boa parte das discussões da véspera, no primeiro dia do seminário. “O que vimos foi um espetáculo de misoginia, machismo, classismo, fisiologismo e coronelismo. É significativo que entre as 51 deputadas, foram 29 votos a favor do impeachment e 20 contra. São 51 mulheres entre 513 deputados, ou seja, menos de 10% da casa. Entre elas, os votos do impeachment não alcançaram os dois terços necessários para abrir o processo. Ironicamente, o único representante do Partido da Mulher Brasileira na câmara, que é um homem, votou sim.”

Em seguida, Cristiana lembrou como a violência contra a população LGBT se origina no machismo. “A transfobia, a lesbofobia e a homofobia estão diretamente ligadas à posição hierárquica inferior da mulher na sociedade, à sua objetificação e a seu status de coisa e objeto do homem.”

Leonardo Peçanha, que é professor de educação física, trouxe questões relacionadas à saúde dos homens trans. Leonardo começou sua fala ressaltando a necessidade de se pensar para além da classificação biológica dos corpos como machos e fêmeas, o que ajuda a compreender a diferença entre sexo e gênero. “O gênero vai além do sexo, e a definição do que é ser homem ou mulher não se dá pelos cromossomos ou genitais, e sim pela autopercepção e pela forma como a pessoa se expressa socialmente. O sexo é biológico, o gênero é construção social.”

É a partir da percepção biológica, e não da social, que se fundamenta a ideia de que o corpo CIS, ou seja, aquele em que a identidade de gênero e a autopercepção correspondem ao sexo designado ao nascer, é o padrão. Essa visão tem consequências diretas na vida das pessoas. “Ainda de maneira hegemônica e global, o corpo CIS é o corpo padrão. Os corpos trans são legítimos e resignificados, e suas cicatrizes, construções e reconstruções corporais têm legitimidade. E essa reconstrução parte de um novo significado de expressão corporal que essas pessoas passam a ter de si e a expressar para o mundo. A transgressão desses corpos pode acontecer de inúmeras maneiras, e acionar esses dispositivos pelo público ou pelo privado é um ato de resistência. Eu estou começando a falar do serviço de saúde, e aí, quando se trata das pessoas trans e travestis em geral, existe uma dificuldade enorme de acessar esses serviços. Não falo apenas do corpo trans, mas a qualquer serviço, porque para no básico, no nome, com a dificuldade de entender o nome social.”

Fabio Henrique Lopes trouxe em sua fala uma pesquisa na qual se debruçou sobre a questão do envelhecimento de travestis. Para ele, uma situação que expõe muito da violência com a qual essa população convive historicamente. “Quando se trata desse tema, a primeira coisa que observamos é que são poucas as travestis que chegam a essa fase da vida. Muitas não ultrapassam os limites cronológicos da chamada juventude. Diversas vidas são encurtadas, roubadas e assassinadas. Potencialidades emudecidas, silenciadas, apagadas por balas, ovos e pedras jogadas das janelas dos carros. Esse dado, comprovado por muitas pesquisas, pode ser uma pista para entendermos a surpresa e o desconforto que pesquisas com a temática longevidade travesti ainda provocam. Reconheço, entretanto, que esse estranhamento é causado não pela minha pesquisa, mas pela longevidade travesti. É isso que incomoda. É como se as pessoas se perguntassem: Como ousam?”

A despeito do estranhamento e dos estereótipos reforçados pela mídia e outras instâncias da sociedade, que associam as travestis ao crime, às drogas e à prostituição, o pesquisador vê no tema do envelhecimento das travestis uma grande potência que nos ajuda a reconfigurar nossa visão sobre o envelhecimento em si e sobre os múltiplos caminhos pelos quais a vida pode passar. “Evidencio aqui experiências distintas que politizam a velhice e os processos de subjetivação. Com inegável criatividade, as experiências de Lala e Rude [duas das travestis entrevistadas por ele] oferecem formas de ser diferentes, recusam formas impostas de subjetividade, indo além do estipulado pela celebrada terceira idade. Produzem linhas de fuga, experimentos, encontros com a arte e com os amigos e amigas. Questionam e negam a inevitabilidade do trágico, da violência, naturalizados como destino inevitável. Elas fomentam alegrias, aumentam nossa potência de agir. Afirmam estilos e modos de vida. Inventam novas conexões. Contudo, temos ainda um desafio a ser enfrentado em nosso cotidiano: o de ir além, o de transpor o âmbito da sobrevida e da produção maciça de sobreviventes. No lugar de sobrevida, de indiferentes, de relações indigentes, inclusive consigo mesmos, podemos nos lançar em novos fluxos, em outro devir, ativando novas possibilidades de existência, aqui, já, e não no amanhã.”



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