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'Já vimos esse filme': presidente da Asfoc fala de retrocessos em direitos, caso o impeachment passe

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Publicado em:27/04/2016

Em uma semana decisiva para a vida política do país, a Asfoc-SN, sindicato que representa os servidores da Fiocruz, realizou um ato em defesa da democracia e contra a redução de direitos dos trabalhadores. Estudantes, servidores e representantes de movimentos sociais participaram do evento, em 13/4, questionando a legalidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff e mostrando preocupação quanto a possíveis retrocessos sociais que possam se aprofundar num eventual novo governo. Depois do ato, o Informe ENSP conversou com a presidente do Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN), Justa Helena, que fez uma análise da conjuntura atual e falou sobre o papel do sindicato na defesa dos trabalhadores, da democracia e dos movimentos sociais.

Informe ENSP: Como você avalia o momento que estamos vivendo, essa semana tão intensa na vida política do país?

'Já vimos esse filme': presidente da Asfoc fala de retrocessos em direitos, caso o impeachment passeJusta Helena: Eu acho que estamos em um momento muito perigoso. As instituições democráticas estão em risco, assim como a democracia. Nossa democracia é muito jovem, está em construção e vai sempre estar em construção, porque as pessoas vão se renovando. As instituições também precisam se renovar e se adequar às sociedades em que estão inseridas, mas tem um marco. Esse marco é o direito, o respeito ao voto das pessoas, à garantia de direito dessas pessoas. O respeito aos trabalhadores é também um marco na democracia e precisamos defendê-lo. Não importa de que forma as coisas possam caminhar, mas se a gente tiver um norte, se a democracia for o nosso norte, a gente vai sempre caminhar para frente, em linha reta.

Informe ENSP: O que os trabalhadores têm a temer numa possível queda da presidente Dilma?

Justa Helena: Nós já vimos esse filme antes. O que os trabalhadores têm a temer é a proposta do neoliberalismo, que é o estado mínimo. E, no estado mínimo, não há espaço para as instituições, para os sindicatos e os movimentos sociais. Tudo que conseguimos construir de determinado tempo para cá está em risco. Com quem nós vamos negociar? Isso não vai existir daqui para frente se for levado adiante o impeachment em que assuma o outro lado. Nós já convivemos com o outro lado. Os servidores passaram nove anos sem aumento, sem direito nenhum, e conseguimos reverter isso a partir do momento em que se teve um governo mais antenado com os movimentos sociais, com os sindicatos.

Informe ENSP: O Umberto Trigueiros, diretor do Icict/Fiocruz, em sua fala muito emocionada durante o evento, lembrou do muro que foi erguido em frente ao Congresso para impedir a entrada de pessoas. Segundo ele, quem constrói muro quer manter privilégios. Quem são essas pessoas e entidades que estão por trás dessa articulação para derrubar o governo?

Justa Helena: De certo tempo para cá, o capital financeiro está invadindo a política de maneira desastrosa. Quem tem mais dinheiro vai poder comprar voto, vai passar aquilo que é do seu interesse. Começa-se a acabar com as ideologias. As pessoas não estão mais ali por ideologias, para defender a população, e sim para defender os interesses de uma classe dominante. No Congresso, eu costumo identificar esse grupo como BBB: a bancada da Bíblia (nada contra as religiões, mas sabemos como ela está sendo utilizada), a bancada da bala, financiada por uma indústria que quer implantar o armamento no nosso país, e a bancada do boi, que é o agronegócio.

Informe ENSP: A Asfoc esteve presente no seminário organizado pela ENSP com a EPSJV/Fiocruz que tratou do Caso TKCSA, a siderúrgica que se instalou sem licença ambiental em Santa Cruz, no Rio, e tem trazido inúmeros transtornos para a população que vive em seu entorno. Um sindicato deve apoiar os movimentos sociais?

Justa Helena: Se for legítimo, se for justo e coerente, é papel da instituição apoiá-lo. Nós estamos em uma instituição forte que nasceu dentro de um processo democrático, dentro uma vontade democrática. No caso da TKCSA, desde 2009, o Sindicato tem chamado a atenção para os riscos que aquela população corre. Temos um jornal e fizemos cinco reportagens focando o problema da TKCSA. Nós, inclusive, trouxemos os pescadores da Baia de Sepetiba para cá, demos o Prêmio Sergio Arouca para um pescador, isso para levantar o moral dessas pessoas, incentivá-las e dizer que não estão sozinhas na luta. Tem um sindicato forte por trás delas.

Informe ENSP: Qual a importância dessas duas medalhas, Sergio Arouca e Jorge Carelli, que a Asfoc concede todos os anos?

Justa Helena: Nós queremos premiar aquelas pessoas que se destacam no interesse da população, aqueles que, ideologicamente, se lançam para buscar o melhor para alguém. Com esses prêmios, queremos discutir a importância dessas pessoas e de suas bandeiras.

Informe ENSP: No ato de 13 de abril, muitas faixas repudiavam o Projeto de Lei 257. O que é esse projeto?

Justa Helena: Esse PL, infelizmente, foi encaminhado pelo governo, pela presidente Dilma. Ele traz 55 itens que agridem o direito da população. Um deles é a questão de o salário mínimo não estar acima da inflação, podendo até ser congelado, influenciando o pagamento de aposentadorias e pensões. Outro item é a criação de um PDV, um Plano de Demissão Voluntária. Nós já vimos isso no passado. Trabalhadores com medo de serem demitidos acabam migrando para um PDV e, lá na frente, vão ver que isso foi maléfico. Já vimos essa história. As pessoas saíram com uma expectativa, e deu tudo errado na vida delas. Outra coisa é o congelamento de salários dos servidores, atrasos, parcelamentos. A gente está vivendo isso no Estado do Rio de Janeiro. Também há a proposta de fazer com que se corte em 30% os benefícios dos servidores públicos, caso o país não atinja determinada meta de superávit primário. Os benefícios dos servidores são: auxílio alimentação, auxílio transporte, auxílio creche. Não temos nenhum benefício que seja antidemocrático. Todos são coerentes com aquilo que o trabalhador precisa. Até isso está sendo criticado. É uma agressão muito grande se for aprovado.

Informe ENSP: Esse grupo que defende o impeachment quer uma diminuição do Estado. Na sua avaliação deveria ser ao contrário?

Justa Helena: Sim! O Brasil carece de bons servidores públicos porque a terceirização não é o caminho. É mais cara. Ela beneficia as empresas que se criam para contratar e explorar trabalhadores que ganham metade do que um servidor público ganha. Nós servidores públicos estamos investidos de uma responsabilidade, é uma caracterização diferente.

Informe ENSP: O grupo que faz oposição à atual diretoria da Asfoc – a Asfoc de Luta – reclama da falta de assembleias gerais em que se possa ter, inclusive, mais participação de trabalhadores terceirizados. Como você vê essa crítica?

Justa Helena: Isso é uma falácia. Oposição sempre é interessante, é importante que aconteça, a gente cresce muito, olha com outro olhar, mas é uma falácia, porque só este ano fizemos sete assembleias. Foi decisão da assembleia geral do ano passado que a gente fosse nos locais de trabalho. Nós vamos lá e ouvimos os trabalhadores. Numa assembleia geral, é impossível fazer isso. O que é mais dinâmico e mais importante: você fazer uma assembleia em que alguns falarão e muitos se sentirão intimidados diante de falas contundentes, de pessoas que tem habilidade para falar, ou ir ao local de trabalho conversar com essas pessoas? Isso é o chão de fábrica, é a democracia pura. Nós já fomos a quatro estados fazendo assembleias, fomos a três unidades aqui no Campus e iremos a todas as unidades da Fiocruz.

Sobre os terceirizados, sempre estivemos ao lado deles. Já aconteceram embates aqui em que a gente, inclusive, trouxe os representantes dos sindicatos desses trabalhadores e conversamos com eles. Na hora em que os salários atrasam, na hora em que os direitos deles são negados, a gente está ao lado deles, mesmo que o nosso estatuto não nos deixe representá-los, mas eles são trabalhadores, e temos que respeitá-los.

Informe ENSP: Voltando à atual conjuntura, como os trabalhadores devem se mobilizar frente ao que está acontecendo?

Justa Helena: É fundamental as pessoas estarem antenadas e filtrar tudo que acontece. Definiu um lado? É contra o golpe? Então, vá dizer em alto e bom som que você é contra o golpe e se associar àqueles movimentos que são contra o golpe. Se é a favor, vá mostrar sua cara também. Isso é democracia. É importante estar na rua. Entendeu o que é? Então, vamos para rua, vamos gritar, vamos falar.

Informe ENSP: Com o impeachment aprovado ou rejeitado, onde a Asfoc-SN estará?

Justa Helena: A gente sempre estará reivindicando direitos. É lógico que, com o golpe, vai ser muito mais difícil. Talvez sejamos um pouco amordaçados, mas é importante que a gente continue cobrando. A Dilma teve muitos erros, e nós não deixamos de mostrar os erros dela. Nós entregamos a ela, de cara limpa, uma carta em que fazíamos críticas à sua gestão. Acho que isso é democracia, e precisamos aprender a conviver com essa dualidade. Não é dizer que é contra e virar o rosto. É ser contra e dizer e se alguma convergência houver, a gente vai estar junto.


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