Busca do site
menu

Desigual entre desiguais: Cesteh debate diferença de gênero no mundo do trabalho

ícone facebook
Publicado em:14/04/2016

Desigual entre desiguais: Cesteh debate diferença de gênero no mundo do trabalhoEm um modelo econômico fundamentado na exploração dos trabalhadores, recai sobre as mulheres uma dupla opressão: vítimas do machismo, elas se tornam mais vulneráveis aos mecanismos de coerção do capital. Os exemplos são muitos, como o maquinário mal-adaptado à estatura média feminina, disparidade de salário mesmo ocupando funções iguais às dos homens, maior controle por parte de gerentes etc. Algumas dessas questões foram levantadas na roda de conversa O olhar do gênero sobre a saúde das trabalhadoras e trabalhadores: desigualdades e discriminações no trabalho, realizada em 6 de abril, no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP).

A pesquisadora do Cesteh/ENSP Vanda D’acri foi a primeira a falar no debate. Depois de um breve histórico sobre o desenvolvimento dos estudos de gênero, trabalho e saúde na unidade, ela lembrou da importância de se pensar a construção das diferenças entre homem e mulher não a partir de um olhar biológico, mas sim social. “O conceito de gênero dá ênfase à construção social do masculino e feminino. Essa é uma construção social que vai definir os papéis da mulher e do homem. Não é o biológico que vai definir o local das pessoas, mas essa construção social, que é definida pela organização social em que a gente vive. No caso atual do Brasil, pelo capitalismo, com uma exploração muito grande do trabalho.”

Segundo Vanda, há uma divisão sexual do trabalho no capitalismo. O mundo público é dos homens e o mundo privado das mulheres. Esse fenômeno, além de afastá-las das decisões importantes, acaba por acrescentar o peso da jornada dupla ao seu dia a dia, tendo que cuidar da casa e dos filhos além de trabalhar.

A pesquisadora também lembrou de lutas sociais que tinham como proposta uma nova forma de ver a mulher na sociedade, como o caso do anarquismo, que se tornou hegemônico na formação da classe operária brasileira a partir da chegada dos imigrantes estrangeiros no começo do século passado. “Eles propunham a solidariedade como princípio básico, o sindicato como base de organização e pregavam o amor livre para as mulheres, já que se vivia em um tempo em que os casamentos eram feitos por encomenda dos pais. Questões que aparecem em 1900, aqui no Brasil, continuam hoje: jornada doméstica aumentando a extensão da jornada de trabalho das mulheres, salário menor que o dos homens etc.”.

Dentro das fábricas, a opressão não é apenas salarial. A pesquisadora do Cesteh/ENSP Simone Oliveira, segunda a falar na roda de conversa, deu alguns exemplos. “Em uma pesquisa sobre a indústria têxtil, observou-se que as chefias ficavam em um mezanino vigiando o trabalho das mulheres, enquanto a chefia dos homens ficava fora da sala deles. Quando havia mudança de tecnologia, as máquinas novas ficavam com os homens. Equipamentos e instrumentos são produzidos pensando no homem médio. Houve um estudo nos Correios em que as mulheres relataram que a altura da bancada não era apropriada para o trabalho delas. Mesmo com muitas reclamações, nada era feito para alterar essa realidade.”

Na hora de elogiar, as diferenças também são sensíveis, segundo Simone. “Ao falar das qualidades dos trabalhadores, os chefes costumam exaltar qualidades subjetivas nas mulheres, como o fato de serem dóceis e ágeis. Já os homens são elogiados pela qualificação que têm para desenvolver determinado trabalho.”

Relacionando às questões de gênero ao ambiente, Simone citou estudos que mostraram as mulheres como maiores vítimas também dos desastres ambientais. Uma pesquisa feita na região serrana do Rio, arrasada por uma enchente em 2011, mostrou que mulheres e crianças compunham um grupo vulnerável desproporcionalmente afetado. O mesmo estudo mostra que foram elas quem mais participaram do processo de reconstrução comunitária.

Marcia Agostini, também pesquisadora do Cesteh/ENSP, falou do trabalho das Oficinas de reflexão Espaço de Liberdade e Saúde, organizadas por ela e pela pesquisadora Fernanda Carneiro. “Uma das questões mais fortes que percebemos na oficina é que essas mulheres tinham a oportunidade de estampar aquele silêncio que ela possuía, do sofrimento no trabalho. Elas se identificaram com as falas umas das outras sobre a solidão que sentiam com relação a seus problemas. Um problema é, muitas vezes, colocado como pertencente a uma só trabalhadora, mas é um processo coletivo, na verdade. Visões estatísticas que buscam uma só causa para uma dada enfermidade ou o prazer vivido no trabalho e na vida são insuficientes para entender a complexidade da relação gênero, trabalho e saúde.”

Márcia citou ainda um estudo sobre o uso de agrotóxicos em Petrópolis, também na região serrana do Rio. “Surgiu essa demanda, e nós reunimos as famílias e demos escuta às mulheres que lavavam as roupas da casa, etc. Isso foi pensado como estratégico para a construção de um saber que contemple questões psicossociais expressas por meio das necessidades, expectativas e carências muitas vezes ignoradas, acerca de experiências de vida e de trabalho.”

Aberto o debate, a pesquisadora da UFRJ, Regina Simões, fez uma observação importante sobre a necessidade de se preservar o campo de estudo das questões de gênero no Brasil. “São campos contra-hegemônicos, e temos que lutar para que não desapareçam. A discussão de gênero na área da saúde coletiva está desaparecendo. Está na hora de recuperarmos nossa rebeldia e gerar conhecimento para a transformação, e não para as prateleiras e bases bibliográficas indexadas.”



Nenhum comentário para: Desigual entre desiguais: Cesteh debate diferença de gênero no mundo do trabalho