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Desinformação e mau uso reduzem eficácia do antibiótico

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Publicado em:23/03/2016
O antibiótico é uma das descobertas que revolucionaram a medicina possibilitando sanar diversas doenças que hoje são consideradas simples e de fácil tratamento, mas, antes do surgimento dessa classe de medicamentos, não tinham cura. Entretanto, cientistas alertam para o perigo de estarmos caminhando para a chamada ‘era pós-antibiótico’, em que esse tipo de droga deixará de ter efeito em função do aparecimento das superbactérias. Ironicamente, esses microrganismos têm origem no uso indiscriminado e incorreto de antibióticos. Confira a entrevista de Luis Caetano Antunes, concedida  ao Instituto Humanitas Unisinos, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em que ele ressalta: “O excesso e má administração desses medicamentos potencializam mutações nas bactérias e as tornam mais capazes de sobreviver a adversidades.”
 
Segundo Caetano, “mutações que geram resistência estão sempre surgindo, aleatoriamente, em populações de microrganismos. Entretanto, na ausência do antibiótico, essas mutações não favorecem em nada as bactérias que as carregam e logo desaparecem. Porém, se um antibiótico está presente, essa mutação trará um benefício para a bactéria que a possui. Caso o uso do antibiótico não seja feito da maneira correta (tratamento interrompido, doses esquecidas, etc.), as bactérias mais sensíveis, isto é, sem mutações, serão eliminadas, mas as bactérias contendo essas mutações sobreviverão e se multiplicarão”, disse ele. 
 
O pesquisador adverte ainda para o fato de que essas mutações conferem maior resistência às bactérias, que se proliferam com facilidade e podem ser transmitidas para diferentes grupos de microrganismos no corpo humano, gerando uma série de infecções intratáveis. Ao longo da entrevista, Caetano fala, ainda, sobre a importância dos antibióticos e das pesquisas em diferentes fontes para o descobrimento de novos medicamentos e da urgência em conscientizar a sociedade, os profissionais, estudantes e pesquisadores da área da saúde sobre o assunto. “Apesar de haver certo consenso sobre a relevância do tema, é necessário que a comunidade médica e científica sensibilize os gestores e a população sobre a importância desse assunto. Além disso, é fundamental que haja uma formação mais sólida dos estudantes de medicina quanto ao desafio representado pelo uso abusivo de antibióticos e a resistência microbiana gerada por esse fenômeno”, frisou ele. 
 
O uso de antibiótico sem prescrição médica já é um problema de saúde pública no Brasil?
 
Desinformação e mau uso reduzem eficácia do antibióticoLuis Caetano Antunes: É difícil estimar o tamanho desse problema. Antes da implementação da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 44/2010, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), era senso comum que antibióticos podiam ser facilmente adquiridos em farmácias de todo o Brasil sem a apresentação de receita. Com a introdução dessa medida, espera-se que esse comportamento tenha sido alterado, tanto pela maior dificuldade imposta para a compra do remédio sem receita, como pela maior conscientização da população e dos profissionais envolvidos, por exemplo, farmacêuticos e atendentes de farmácias.
Apesar de não podermos afirmar com convicção que a compra desses medicamentos sem receita ainda ocorra em níveis preocupantes, essa é certamente uma possibilidade. Além disso, a compra com receita também pode ser prejudicial à saúde pública, caso a prescrição tenha sido feita de forma incorreta, ou se a tomada do medicamento também for feita de maneira inadequada. Ou seja, o mau uso dos antibióticos não se limita à sua compra sem a devida receita médica, mas envolve uma série de outros fatores. 
 
É possível identificar por quais razões as pessoas consomem antibiótico de modo abusivo? É por conta da automedicação ou da prescrição médica?
 
Luis Caetano Antunes: Tanto a automedicação como a prescrição médica incorreta contribuem para esse problema. Entretanto, é importante notar que não é só o uso “excessivo” de antibióticos que representa um problema. O uso incorreto também é prejudicial. Se um paciente interrompe o tratamento antes do tempo ou esquece doses com frequência, isso também pode acarretar em problemas de resistência bacteriana e falha terapêutica.
 
Acredito que a maior causa para que isso ainda ocorra seja a falta de informação. Isso vale tanto para a comunidade médica como para a população em geral. O acesso a informações precisas poderia, por exemplo, reduzir a prescrição inadequada desses medicamentos pela comunidade médica. Campanhas publicitárias na mídia, por sua vez, poderiam ajudar a conscientizar a população sobre a importância do uso correto dessas drogas e dos malefícios de seu uso abusivo. No momento atual, a população simplesmente não tem essas informações. O remédio é sempre associado a algo positivo, que cura. Isso faz com que a população, na dúvida, tenha a tendência de utilizar essas drogas mesmo quando não há necessidade. 
 
Quais são os efeitos colaterais do uso abusivo desse tipo de medicação? Fala-se que esse tipo de uso gera bactérias super-resistentes no organismo. Poderia nos explicar a relação entre essas questões?
 
Luis Caetano Antunes: O maior problema associado ao uso abusivo de antibióticos é a geração de bactérias resistentes. O antibiótico é uma droga feita para matar os microrganismos. Entretanto, em uma população de microrganismos, assim como em uma população de qualquer ser vivo, existem sempre mutações sendo produzidas. Esse é um processo normal e responsável pela evolução das espécies. Mutações são geradas aleatoriamente. A grande maioria dessas mutações não gera nenhuma mudança importante no organismo, e, por isso, são perdidas ao longo das gerações. Entretanto, quando uma mutação gera um benefício, ela acaba sendo selecionada. Em outras palavras, se uma mutação faz com que um organismo se torne mais forte e melhor capacitado para enfrentar as dificuldades impostas pelo ambiente onde vive, esse organismo terá maior chance de sobrevivência e reprodução, fazendo com que essa mutação seja mantida e propagada. Isso também ocorre com a resistência aos antibióticos.
 
Um microrganismo é dito resistente a um antibiótico quando aquela droga não tem mais a capacidade de inibir sua sobrevivência e crescimento. Mutações que geram resistência estão sempre surgindo, aleatoriamente, em populações de microrganismos. Entretanto, na ausência do antibiótico, essas mutações não favorecem em nada as bactérias que as carregam e logo desaparecem. Porém, se um antibiótico está presente, essa mutação trará um benefício para a bactéria que a possui. Caso o uso do antibiótico não seja feito da maneira correta (tratamento interrompido, doses esquecidas, etc.), as bactérias mais sensíveis, isto é, sem mutações, serão eliminadas, mas as bactérias contendo essas mutações sobreviverão e se multiplicarão.
 
Mesmo que, no fim, essa infecção seja curada, é possível que o indivíduo esteja agora colonizado por bactérias resistentes e, caso essas bactérias venham a causar outro processo infeccioso no futuro, o antibiótico que foi usado para tratá-lo da primeira vez não será mais eficaz. Para piorar ainda mais a situação, bactérias possuem mecanismos bastante eficientes para transferir mutações entre si. Assim, essas bactérias resistentes, presentes no organismo do indivíduo, poderão também transferir essa resistência para outras bactérias do corpo humano.
 
Atualmente, o que seria uma alternativa ao uso de antibióticos?
 
Luis Caetano Antunes: Realisticamente falando, não existe alternativa concreta ao uso de antibióticos. Antibióticos serão sempre necessários, e, por isso, a importância de seu uso correto e controlado. A alternativa que temos é continuar a busca por novas drogas. Drogas para as quais os microrganismos ainda não tenham desenvolvido resistência. Entretanto, isso tem sido difícil, e cada vez menos antibióticos novos são descobertos e lançados no mercado. Eu acredito que a solução para esse problema será a procura por essas drogas em fontes não convencionais. Por exemplo, o corpo humano é colonizado por uma comunidade altamente complexa de bactérias, que interagem com o nosso organismo pacificamente sem causar doenças e auxiliando-o em uma série de funções. Essas comunidades evoluíram com o organismo humano por centenas de milhares de anos, e sabemos que elas exercem uma função protetora contra bactérias nocivas. Essa diversidade microbiana e as moléculas que essas bactérias produzem poderão se tornar uma fonte importante de novas moléculas a serem utilizadas no controle de infecções no futuro.
 
É possível estimar a eficácia da Resolução RDC 44 da Anvisa, que proíbe a venda de antibióticos sem prescrição médica?
 
Luis Caetano Antunes: É difícil saber, na prática, se a RDC 44/2010 realmente teve impacto na venda desses medicamentos sem receita. O que sabemos é que a venda de antibióticos teve uma queda expressiva nos primeiros meses após a implementação dessa medida. Entretanto, após cerca de seis meses, os números retornaram ao patamar anterior. Isso sugere que a maior razão do uso inadequado de antibióticos não é, na verdade, a tomada de medicação sem receita pela população, mas sim a prescrição indiscriminada dessas drogas, já que, agora, mesmo com a exigência da receita, os níveis de consumo continuam elevados.
 
Como a discussão sobre o uso de antibióticos é feita entre os especialistas da área da saúde? Há consenso sobre como as pessoas devem consumir esse tipo de medicamento?
 
Luis Caetano Antunes: Em minha opinião, a discussão sobre esse assunto ainda é feita muito em nível científico. Apesar de haver certo consenso sobre a relevância do tema, é necessário que a comunidade médica e científica sensibilize os gestores e a população sobre a importância desse assunto. Além disso, é fundamental que haja uma formação mais sólida dos estudantes de medicina quanto ao desafio representado pelo uso abusivo de antibióticos e a resistência microbiana gerada por esse fenômeno.

(Foto: Irlan Peçanha - CCI/ENSP)

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