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Mortes violentas de jovens: quem mais mata é também quem mais morre

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Publicado em:18/03/2016

Tatiane Vargas

Mortes violentas de jovens: quem mais mata é também quem mais morreFruto da segunda fase do edital Inova-ENSP, programa que incentiva a implantação de uma estratégia institucional voltada para o fortalecimento da dimensão da pesquisa na ENSP, o Departamento de Violência e Saúde Jorge Carelli (Claves/ENSP) apresentou, na segunda-feira (14/3), os resultados da pesquisa Mortes violentas de jovens: um olhar compreensivo para uma tragédia humana e social. O estudo traz o seguinte resultado: quem mais mata no Brasil é também quem mais morre, isto é, jovens do sexo masculino, de 15 a 29 anos, com baixo nível de escolaridade. Segundo as coordenadoras da pesquisa Ednilsa Ramos de Souza e Kathie Njaine, não é possível atribuir o fato a uma única causa, pois existe multicausalidade como resposta, incluindo fatores sociais e comunitários que vão desde a concentração de pessoas nas periferias sem infraestrutura até a presença do tráfico de drogas e a livre circulação de armas de fogo.

O seminário Mortes violentas de jovens: o desafio da prevenção em uma perspectiva intersetorial apresentou os resultados do estudo socioepidemiológico da mortalidade de jovens por homicídios no Brasil e países da América Latina por meio de um estudo de caso em dez municípios brasileiros – sendo dois por região –, além de seis municípios da região metropolitana de Buenos Aires. A pesquisa buscou analisar os homicídios de jovens de 1990 a 2010, identificando padrões de semelhança e diferenças na distribuição dos homicídios nas regiões estudadas. Pretendeu-se também analisar as taxas segundo grupos etários (15 a 19, 20 a 24 e 25 a 29), sexo, raça/cor; identificar os principais meios utilizados na agressão de jovens; analisar dados socioeconômicos e de violência dos municípios estudados; investigar percepções de atores sociais sobre os homicídios de jovens; conhecer histórias de vida de jovens vítimas de homicídios a partir de seus familiares; e, ainda, analisar os discursos da imprensa local sobre os homicídios de jovens.

A coordenadora da pesquisa, Ednilsa Ramos, explicou terem sido analisados dados de 160 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, sendo 14 no Norte, 26 no Nordeste, 12 no Centro-Oeste, 64 no Sudeste e 44 no Sul do país. As capitais foram excluídas, e selecionados dois municípios em cada região geográfica com taxas mais altas de homicídios de jovens, no ano de 2010, além de comportamentos opostos das taxas de homicídio de jovens. Para isso, utilizados indicadores macrossociais, habitacionais, demográficos, educacionais, de trabalho e rendimento, e de saúde e assistência social. Já na Argentina, selecionados apenas dois municípios para o estudo de caso. A pesquisa apresenta abordagem qualitativa e quantitativa, envolvendo pesquisadores e estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado em seu desenvolvimento.

Homicídios de jovens no Brasil e na América Latina

Integrante da pesquisa, o estatístico Carlos Augusto de Souza apresentou o Panorama epidemiológico dos homicídios de jovens - Brasil e países da América Latina. Segundo ele, no mundo, do total de homicídios, 35% são de homens de 15 a 29 anos. Nas Américas, a taxa de homicídios entre homens de 15 a 29 anos é quatro vezes maior que a taxa média global. Nas Américas do Sul e Central, 30% dos homicídios estão relacionados ao crime organizado, enquanto na Ásia, Europa e Oceania, esse percentual é de apenas 1%. Além disso, as armas de fogo são o principal meio utilizado para perpetrar o homicídio nas Américas, e 2/3 dos homicídios são cometidos utilizando esse instrumento letal. Objetos cortantes e penetrantes são mais usados na Europa e Oceania. Carlos citou dados de óbitos de jovens por causas externas e por homicídios entre 1990 e 2010 no Brasil, Argentina, México e Venezuela.

No Brasil, 60,3% dos óbitos eram atribuídos a causas externas em 1990; já em 2010, o número mudou para 69,7%. Na Argentina, passou-se de 49,9% em 1990 para 58,9%; no México, de 57,7% para 76,5%; e na Venezuela, de 27,5% para 80,7%. Nos óbitos por homicídios, os números também aumentaram: no Brasil, 43,2% dos óbitos foram por homicídio em 1990; e, em 2010, o número saltou para 53,1%. Na Argentina, de 16,1% de óbitos por homicídio em 1990 foi para 14,02% em 2010. No México, a situação não também não foi diferente, pois de 30,6% em 1990 foi para 43,6% em 2010. Apenas a Venezuela apresentou dados inferiores no período estudado, ou seja, de 73,7 em1990 para 41,9% de óbitos por homicídios em 2010.

Após a apresentação dos dados, Carlos Augusto destacou ocorrer maior incidência de óbitos em jovens homens, e é necessário prioridade nas políticas públicas para esse grupo. “Além disso, é importante a ampliação de direitos sociais e democráticos, mais oportunidades no que diz respeito a emprego e educação, maior controle sobre o acesso de armas de fogo - principalmente nas regiões de fronteira -, combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas em todos os países da América Latina e redução da impunidade e corrupção”, apontou ele.

O estudo de caso das regiões brasileiras

A pesquisa foi realizada em todas as cinco regiões brasileiras, Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Em cada região, foram escolhidos dois municípios, um com taxa alta e crescente de óbitos por homicídios e outro com taxa baixa e decrescente. Os municípios selecionados foram: Marabá (PA); Lauro de Freitas (BA); Várzea Grande (MT); Sabará (MG); Toledo (PR); Santarém (PA); Petrolina (PE); Trindade (GO); Guarulhos (SP); Uruguaiana (RS).

Região Norte

A primeira região apresentada foi a Norte. A coordenadora da pesquisa, Ednilsa Ramos, foi quem apontou os dados dos dois municípios escolhidos na região: Marabá e Santarém, ambos no Estado do Pará. Marabá possui 233.669 habitantes, sendo o 4º município mais populoso do Estado, e Santarém possui 299.419 habitantes, ocupando a 3ª posição. Ambos possuem uma população basicamente urbana, e 82% da população, de 15 a 29 anos, residente em Marabá mora em área urbana; já em Santarém, 77% da mesma população está na nessa área.

Segundo Ednilsa, a sobremortalidade masculina é evidente nos dois municípios. Em 2010, Marabá apresentou 97,8%, e Santarém 100% de óbitos masculinos na faixa etária de 20 a 24 anos, na cor parda, tendo como meio principal a arma de fogo. Os contextos de violência tiveram semelhanças e diferenças nos dois locais. Em Marabá, foram apontados roubos, assaltos, latrocínio, gangues, brigas, cyberbullying, violência contra mulher e sexual, homofobia, racismo e trabalho infantil. Em Santarém, os contextos citados foram grupos de jovens e gangues, violência contra mulher, criança e adolescente e violência no trânsito.

Questionou-se ainda: Por que os jovens se inserem no contexto de violência; se o homicídio de jovens é tema de preocupação por parte das autoridades locais; os fatores de risco para ser vítima ou autor de homicídio; o que existe na região para proteger o jovem; e o que ele precisa para ter uma vida feliz – as perguntas foram aplicadas em todas as regiões. “É preciso investir em acesso aos direitos básicos nessas regiões, como moradia, saúde, segurança, emprego e transporte. Oferecer cursos profissionalizantes e ações fora do turno escolar também são fundamentais para evitar o ócio dos jovens. A presença da família dando amor e carinho é fundamental. Além disso, os jovens precisam de locais para diversão e mais incentivo e oportunidades”, destacou.

Região Nordeste

A também coordenadora da pesquisa Kathie Njaine apresentou os dados da região Nordeste. Os municípios analisados foram Lauro de Freitas, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco. Lauro de Freitas faz parte da grande região metropolitana de Salvador, possui cerca de 172 mil habitantes, e 100% de sua população vive na área urbana. Setenta mil habitantes da região vivem concentrados em um bairro periférico, e o município apresenta contraste social muito elevado. Já em Petrolina, vivem 305.352 habitantes, sendo 75% da população residente na área urbana. A região Nordeste apresenta a maior taxa de homicídios do Brasil (33,76 para cada 100 mil habitantes), mais que o dobro da taxa da região Sul (14,36 para cada 100 mil habitantes). “Essas taxas são comparáveis a países com guerra civil, como o Congo (30,8), e com altas taxas de homicídio associadas ao narcotráfico, como a Colômbia (33,4)”, advertiu Kathie.

O meio mais utilizado para a mortalidade de jovens nos dois municípios também foi a arma de fogo e a sobremortalidade de jovens homens se deu predominantemente nos jovens de cor parda. Em Lauro de Freitas, os jovens apontaram a alta exposição à violência policial, ao racismo, a humilhações, à falta de projetos sociais e grupos rivais; violência sexual; violência intrafamiliar; assédio do tráfico de drogas; e dirigir motos sem habilitação como contextos de violência. Já em Petrolina, os contextos se dão, muitas vezes, por viver nas periferias; fazer uso de álcool e drogas; evasão escolar; brigas em festas; assédio do tráfico às escolas; violência no namoro; cyberbullyng; e racismo. Em Lauro de Freitas, impera o desejo de retomada de ações bem-sucedidas; já em Petrolina, pede-se protagonismo e potência do Conselho Comunitário para acabar com o fim da violência.

Região Sul

Na Região Sul, do país os municípios selecionados foram Toledo, no Paraná, e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. O mestrando Juliano Pereira apresentou os dados dos locais. Segundo ele, Toledo está localizado na região oeste do Paraná, com uma população de 132.007 habitantes, sendo considerada a capital do agronegócio; 76% de sua população é branca, 21% parda e apenas 3% negra. Uruguaiana é uma região do pampa gaúcho que faz fronteira fluvial com Argentina e Uruguai, tendo sido uma das primeiras cidades brasileiras a abolir a escravidão. “Em Toledo, jovens de cor branca constituíram, em 2000, a totalidade das vítimas fatais agredidas com arma de fogo, bem como daquelas que foram mortas usando-se objeto cortante ou penetrante. Em 2010, 66,7% dos jovens assassinados por meio de objeto cortante ou penetrante eram brancos. Entretanto, 56,3% daqueles atingidos por arma de fogo eram pardos. Já em Uruguaiana, jovens de cor branca constituíram 100% das vítimas em 2000. Em 2010, constatou-se que a totalidade das vítimas ainda era de jovens brancos, mas os meios utilizados para perpetrar a agressão não foram identificados. Tal dado revela piora da qualidade da informação nessa cidade e aponta sobremortalidade masculina nas duas cidades”, expôs Juliano.

A Região Sul apresenta a menor taxa de homicídio do país, sendo de 12,2 homicídios a cada 100 mil habitantes. Como contextos de violência foram citados, em Toledo, acidentes de trânsito; violência física e moral; violência na internet; violência sexual; homicídios; violência contra a mulher e violência contra crianças e adolescentes. Em Uruguaiana, os contextos de violência foram: homicídio de jovens por envolvimento com drogas; homicídios por acerto de contas; violência contra a mulher; rixas entre gangues rivais e brigas por territórios; além de agressões físicas e verbais. A desestruturação familiar foi apontada em Toledo e Uruguaiana como importante fator de risco para cometer um homicídio, além do uso abusivo de drogas, o tráfico e a facilidade de acesso a armas de fogo.

Região Sudeste

A pesquisadora do Claves, Adalgiza Peixoto, apresentou os dados da região. Os municípios selecionados foram Sabará, em Minas Gerais, e Guarulhos, em São Paulo. Sabará possui 126.269 habitantes e fica localizado na região metropolitana de Belo Horizonte. Guarulhos tem 1.221.979 habitantes; é o segundo município mais populoso de São Paulo e possui uma população 100% urbana, sendo 27% jovens. Em Sabará os contextos de violência citados foram envolvimento com o uso e o comércio ilegal de drogas (tráfico); jovens desprotegidos pelas famílias; conflitos nas relações de namoro e ócio nos horários contrários ao escolar. Já em Guarulhos, a violência doméstica, sexual, física e psicológica, roubos e furtos de automóveis, violência no trânsito, o tráfico de drogas e a sua lei própria foram citados como contextos de violência.

Segundo Adalgiza, ambos os munícipios apresentam ações insuficientes para jovens. “São necessários maiores investimentos e articulação política da gestão municipal. A inexistência das ações ocorre pela inoperância e corrupção dos governantes que, historicamente, não apoiam os projetos sociais e ações para a juventude, principalmente em Sabará. Além disso, há pouca atuação da Escola, que ocupa importante papel na construção de ferramentas de proteção ao homicídio. A educação é uma poderosa ferramenta para a transformação social e proteção dos jovens. Para os jovens infratores, são necessárias iniciativas de aproximação das famílias, reinserção social e fortalecimento dos vínculos positivos”, alertou a pesquisadora.

Região Centro-Oeste

Na região Centro-Oeste, os municípios selecionados foram Várzea Grande, no Mato Grosso, e Trindade, em Goiás. A mestranda Daniella Harth da Costa foi quem apresentou os dados dos municípios. Várzea Grande é o segundo município mais populoso de Mato Grosso, com 268.594 habitantes, 98,4% de sua população vive na área urbana e 98,7% da população é composta de jovens. Trindade possui 171.454 habitantes, sendo o oitavo município mais populoso de Goiás; 95,8% da população vive na área urbana e 96,20% da população é composta de jovens. A sobremortalidade masculina em ambos os municípios é bastante alta no ano de 2010, sendo de 97% em Várzea Grande e 100% em Trindade, em jovens de 20 a 24 anos, mais uma vez tendo a arma de fogo como principal meio. Sobre os contextos de violência em Várzea Grande, foram citadas a violência contra mulher e criança; violência entre parceiros íntimos; homofobia, violência nas redes sociais e violência estrutural. Em Trindade, citadas a violência sexual contra crianças e adolescentes; violência contra idosos; acidentes de trânsito; roubos e furtos; agressões; violência intrafamiliar; bullying e racismo.

Daniela alertou que o índice de vulnerabilidade na região de Várzea Grande é altíssimo (0,509); além disso, há uma visão preconceituosa em relação às vítimas de homicídios, abuso de poder dos policiais e projetos não focados nos interesses dos jovens. Já em Trindade, existe uma centralização da atuação da polícia no enfretamento dos homicídios; grande desintegração do território e necessidade de programas públicos para dependentes químicos. “Nesses locais, existe uma ausência enorme de espaços seguros de socialização para jovens. Há uma ligação muito grande também entre juventude, violência e redes sociais nesses espaços”, alertou ela.

É preciso investir em políticas públicas para os jovens

Após as apresentações dos resultados do estudo em todas as regiões, a coordenadora da pesquisa Kathie Njaine ressaltou a lamentável existência de pouca cultura de trabalho intersetorial e de avaliação de projetos para os jovens e falta também planejamento e diálogo para a implantação desses projetos. “Existe desvio de verbas de programas sociais voltados para os jovens, e o tema homicídio não é prioridade. Há uma precariedade institucional para lidar com a violência em geral e principalmente com a juventude. As políticas púbicas destinadas aos jovens, ainda que incipientes, já nascem desacreditadas pela sociedade”, afirmou.

Segundo a coordenadora, são necessárias ações intersetorias para a superação da fragmentação das políticas frente ao contexto do homicídio. É preciso também o apoio da família e atividades culturais, esportivas e de lazer no contra turno e para os que se encontram fora da escola, além de fortalecimento institucional e das redes de serviços e investimentos em infraestrutura nos territórios mais vulneráveis, bem como melhoria da cobertura da mídia sobre a violência. “É fundamental enfrentar a questão e, para isso, é preciso melhorar as condições de trabalho e qualificação dos profissionais que lidam com a temática da violência e juventude e mediação de conflitos. Fortalecer a autoestima, resiliência e protagonismo dos jovens também é de extrema importância. Além disso, é preciso desconstruir as representações sobre a unicausalidade dos homicídios de jovens relacionada ao tráfico de drogas e da família desestruturada”, pontuou Kathie.

Cerimônia de abertura

Na cerimônia de abertura do seminário Mortes violentas de jovens: o desafio da prevenção em uma perspectiva intersetorial, estiveram presentes as coordenadoras da pesquisa Ednilsa Ramos de Souza e Kathie Njaine, a vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, Sheila Mendonça, e a vice-diretora de Ensino da ENSP, Tatiana Wargas. Na ocasião, Sheila ressaltou a importância da apresentação dos resultados do projeto que faz parte do segundo ciclo de financiamento do edital Inova-ENSP e destacou a importância da produção científica do Claves, que ficou acima da média no ano de 2015. A vice-diretora de Ensino, Tatiana Wargas, defendeu o Claves como exemplo de integração de ensino e pesquisa.


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