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Ceensp debate excessos na prevenção secundária

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Publicado em:04/12/2015
É consagrada pelo senso comum a ideia de que para se manter a saúde em dia, deve-se  fazer exames de rotina, os chamados check-ups. Mas para os pesquisadores Luis David Castiel e Paulo Nadanovsky, do departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da ENSP, há riscos também na forma exagerada que esses exames são feitos hoje. A percepção é compartilhada por Arn Migowski, do Instituto Nacional de Câncer. Os três estiveram presentes ao Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos, realizado em novembro, numa mesa intitulada A prevenção nossa de cada dia: dilemas e desafios para a saúde. A atividade foi coordenada por Luiz Antônio Bastos Camacho, pesquisador da Escola.

Ceensp debate excessos na prevenção secundária

 
Paulo Nadanovsky foi o primeiro a falar. O pesquisador exibiu um vídeo em que o hospital Albert Einstein, de São Paulo, faz propaganda de seu programa de check-up, voltado para executivos. Expressões como “abordagem multiprofissional”, “time treinado” e “programa de metas" constavam do texto do vídeo, bem ao estilo da clientela que se pretendia alcançar. Mas os benefícios que o programa diz oferecer não convencem o pesquisador. 
 
"O check-up baseia-se na definição de casos que necessitam de tratamento. Mas se olharmos para o que é avaliado, pressão arterial, cárie dentaria, densidade óssea, depressão, massa corporal, etc., cada um desses exemplos nos são apresentados como tendo uma distribuição continua. Até cárie, que a gente acha que é uma cavidade, não é. Varia desde uma opacidade no esmalte dentário, passando por uma mancha branca, chegando até uma cavidade na dentina. Onde faremos um ponto de corte para definir um caso para tratamento? A doença em si e o fator de risco formam um contínuo, mas o seu manuseio clínico, entre eles o check-up, requer rótulos: colesterol alto, hipertensão, obesidade, etc. Esses rótulos são mera conveniência operacional. São arbitrários, sem justificativa convincente e tem aplicações práticas importantes".
 
Um exemplo mostrado por Nadanovsky diz respeito aos índices de obesidade no Brasil. Se o índice de massa corporal, para diagnóstico da obesidade, for definido como maior ou igual a 30, temos 9% de homens e 13% mulheres obesas no país. Quando se muda o índice para 25, o percentual sobe para mais de 40%, em ambos os sexos. 
 
"É totalmente arbitrário. E o potencial é limitado para o indivíduo, também. A maioria dos indivíduos identificados com fatores de risco irá permanecer livre da doença. Ao mesmo tempo, a doença ataca, muitas vezes, aqueles que receberam o exame que diz que está tudo certo", diz o pesquisador.
 
Num outro gráfico exibido por Paulo Nadanovsky, o número de pessoas diagnosticadas com colesterol alto que morreram de doença coronariana se assemelha ao número de pessoas com o mesmo diagnóstico, mas que sobreviveram.  
 
"Essa abordagem preventiva tem potencial muito limitado para a população. Ela causa dano por encorajar a crença de que a maioria dita normal não precisa se preocupar. A pessoa recebe um exame negativo e não muda seus hábitos.  Outro problema dos testes de check-up é que não são acurados. Um resultado positivo pode ser identificado posteriormente como falso, a partir de exames invasivos e caros.  Ainda assim, as pessoas passam a carregam o fantasma da doença. Se for verdadeiro positivo, em uma parte desses casos, o tratamento vai beneficiar os indivíduos, mas noutra parte, a doença teria tido um curso imperceptível se não tivesse sido detectada no rastreamento. Acaba ocorrendo uma falsa impressão de efetividade, porque vai ser feito um tratamento que, na verdade, não alteraria em nada o curso da doença. São desnecessários e, muitas vezes danosos. Inciativas do poder público de oferecerem check-up devem ser combatidas. Provedores privados o fazem sem apoio da melhor evidência científica". 
 
Com uma bordagem, nas suas palavras, mais sociológica do que epidemiológica, Luis Castiel lembrou que o risco é o fantasma da nossa época. 
 
"Esse fantasma traz embutida uma pressão rumo à prevenção. A prevenção se tornou uma espécie de carro-chefe da saúde pública, especialmente do braço da promoção da saúde. Mas vivemos uma cultura hiper-preventiva". 
 
Como parte dessa cultura, está a chamada promoção digital da saúde. Aplicativos e até sapatos para monitorar passos têm sido usados. Para Castiel, o auto-monitoramento chega às raias da obsessão. Outro questionamento levantado pelo pesquisador é sobre o enfoque no estilo de vida.
 
"Essa expressão, estilo de vida, dá uma ideia de escolha. As pessoas, entretanto, vivem como podem. Essa abordagem faz com que não se veja contexto em que se dão as doenças. Há um apelo ao auto-controle e à disciplina e os determinantes desaparecem". 
 
Último a falar no debate, o pesquisador do Inca Arn Migowsk começou sua palestra lembrando das campanhas de prevenção ao câncer de mama e ao de próstata.
 
"Temos o outubro rosa, o novembro azul.  Do ponto de vista midiático, são as maiores campanhas de prevenção no país. Mas será que se trata realmente de prevenção? O que chamamos de prevenção, no lato sensu, seria a prevenção primária, que consiste em reduzir a incidência de determinadas doenças. E esses exames são, ou pelo menos deveriam ser, a prevenção secundária, ou seja: detecção precoce desses cânceres. Infelizmente, não existe nenhum exame preventivo, nem do câncer de mama, nem de próstata. Então, existe um problema de comunicação, que é um descompasso entre evolução da ciência e a persistência das mensagens não baseadas em evidências, na grande mídia e até na literatura científica". 
 
Segundo Migowsk, nas últimas décadas, passou-se a enxergar menos benefícios no rastreamento do que se acreditava que haveria, no passado, e há identificação  de riscos associados a essa prática.
 
"Acredita-se que o rastreamento adiantaria o diagnóstico de um câncer que se manifestaria tardiamente, mais avançado ou com  metástase à distância. Então, isso traria a diminuição de tratamentos agressivos e aumentaria a sobrevida do paciente. As mensagens dessas campanhas se baseiam nisso, porém a realidade é muito mais complexa".
 
Um dos supostos danos do rastreamento, de acordo com o pesquisador, é a ocorrência de exames falso positivos e falso negativos. 
No caso da mamografia, a probabilidade de um falso positivo após dez exames, a partir dos 40 anos, chega a mais de 60%. Existem estudos sobre a ansiedade de um falso positivo, que demora anos até ser superado. Além disso, o rastreamento descobre cânceres que nunca iriam evoluir. Isso é o que chamamos de sobrediagnóstico. Não conhecemos suficientemente o câncer de mama e de próstata para sabermos se essa evolução se daria ou não. 

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