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Pesquisadores da ENSP citados em reportagem sobre antigas populações humanas

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Publicado em:22/10/2015

Pesquisadores da ENSP citados em reportagem sobre antigas populações humanasReportagem publicada pelo jornal Estado de Minas, no dia 22 de outubro, apresenta uma série de estudos ressaltando que antigas populações humanas ingeriam plantas com propriedades terapêuticas, sugerindo a existência de uma medicina pré-histórica. Entre os citados na matéria estão os trabalhos de pesquisadores da ENSP/Fiocruz Isabel Teixeira Santos, Márcia Chame e Sérgio Chaves, realizados em Furna do Estrago, no estado de Pernambuco, e na Serra da Capivara, no Piauí.

Confira a íntegra da reportagem.

Médicos das cavernas
Estado de Minas
22/10/2015

Isabela de Oliveira

Brasília - A existência de um Jardim do Éden não é absurda quando encarada com olhar menos literal do que o dos livros sagrados: a natureza, em sua diversidade, proveu recursos indispensáveis para a evolução dos ancestrais humanos, que encontraram nas plantas não apenas uma importante fonte de alimento, mas, também, de cura. Inferir como isso ocorreu é um desafio para paleoantropólogos que buscam e interpretam indícios milenares e pouco óbvios de tradições extintas. Em publicações recentes, cientistas descrevem evidências de como, na pré-história, o conhecimento medicinal se confundia com os padrões de alimentação, o que levanta uma questão muito difícil de responder, mas igualmente fascinante: nossos ancestrais praticavam uma forma inicial de medicina de maneira consciente ou os tratamentos eram simples benefícios indiretos de uma dieta diversificada?

A alimentação é um dos aspectos mais fundamentais para a compreensão da ecologia e do comportamento animal, inclusive humano. A disponibilidade de recursos influencia, por exemplo, o padrão de interação social, organização do tempo, locomoção e risco de predação, além da organização e do tamanho de um grupo. Por isso, a dieta de populações antigas é vastamente estudada, o que tem gerado um conjunto significativo de evidências que permitem imaginar a existência de uma medicina pré-histórica.

Em 2012, cientistas da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha) e da Universidade de York (Inglaterra) encontraram restos de vegetais preservados no tártaro mineralizado na dentição de neandertais (espécie do gênero Homo que chegou a conviver com o homem moderno). A análise revelou que esses humanos extintos consumiam não só plantas cozidas, como ingeriam espécies que hoje são conhecidas por suas propriedades medicinais.

Contestação O estudo, publicado na revista especializada Naturwissenschaften, tornou-se um conhecido exemplo dos indícios de uma medicina pré-histórica. O tema, contudo, é polêmico, tanto que, agora, a existência de práticas médicas tão antigas é contestada em artigo no Journal of Archaeological Science: Reports. No trabalho mais recente, especialistas do Museu de História Natural do Reino Unido mostram que os membros de culturas -- inclusive algumas extintas -- nas quais se consome o quimo (conteúdo presente no estômago e nos intestinos de animais herbívoros), ingerem, por tabela, vegetais que não fazem parte de suas dietas.

"Se você come o que estava dentro da barriga de um herbívoro, acaba ingerindo os vegetais que ele comeu. Esse é o xis da questão desse novo artigo: às vezes, as coisas estranhas (achadas nos dentes dos neandertais) estavam no quimo da caça, não eram consumidas intencionalmente", explica André Strauss, pesquisador do Departamento de Evolução Humana do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, na Alemanha, que não participou da pesquisa. Laura Buck, principal autora do estudo recente, concorda: "É necessário cautela na interpretação de tais vestígios no registro fóssil", diz.

Entretanto, assim como um estudo sobre os dentes de neandertais não é a prova final de que a medicina pré-histórica existiu, os resultados apresentados agora também não eliminam essa possibilidade. "Essa questão é uma antiga querela", pontua Strauss. Para ele, a pesquisa de Laura torna o impasse ainda mais complicado. "Eu, particularmente, acho perfeitamente razoável que os antigos ingerissem plantas medicinais, visto que animais também o fazem. A pergunta é até que ponto essa era uma escolha deliberada e planejada, ou o resultado de tentativa e erro, ou mesmo fruto do acaso. Como tantas vezes em arqueologia, trata-se de um comportamento que deixa traços ambíguos. Esse trabalho mostra justamente como essa ingestão pode ter sido acidental", analisa o especialista do Max Planck.

No Brasil Acaso ou não, é curioso observar que diferentes comunidades humanas ditas primitivas -- de diferentes lugares e tempos históricos -- apresentam sinais de uso terapêutico de plantas. Algumas delas de um Brasil remoto. Em agosto, a pesquisadora Isabel Teixeira Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, detalhou na Quaternary International os resultados de análises de coprólitos (restos preservados de fezes) e sedimentos coletados diretamente da região pélvica de cinco esqueletos do sítio arqueológico Furna do Estrago, em Pernambuco.

As ossadas, de quase 2 mil anos, revelam um pouco da farmacopeia de comunidades que viveram muito antes da chegada dos portugueses. Foi encontrado nos fósseis pólen de plantas conhecidas pela propriedade anti-helmíntica (capacidade de combater vermes), como a jendiroba. Também foram detectados resíduos de polipodiáceas, da família das samambaias. Por provocar vômitos, elas podiam ser usadas para remover parasitas.

O resultado levou Isabel e colegas a inferirem que as plantas eram intencionalmente usadas para prevenir ou tratar infestações parasitárias. Os autores, contudo, não descartam a possibilidade de elas terem sido consumidas não para esse fim específico. "Não posso dizer que faziam isso de forma intencional, porque não há registros. Mas é provável que sim. Eles tinham os sintomas e procuravam algum tipo de tratamento", afirma a cientista.

Além disso, pesquisas feitas no Brasil anteriormente à da Fiocruz indicaram que plantas medicinais eram ingeridas por populações que viveram há 8,5 mil anos onde hoje fica o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Pólen e grânulos de amido de plantas da família das malváceas e quenopodiáceas, eficientes contra verminoses, foram encontrados em coprólitos escavados no local.

A arqueóloga Niède Guidon, diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano, no Piauí, explica que é difícil afirmar que as plantas foram intencionalmente usadas pelos povos pré-históricos do Nordeste. "A região é quente e úmida, e qualquer resto biológico tende a desaparecer", pondera, acrescentando, porém, que cada vez mais estudos avançam rumo à recuperação desse material, com destaque para os conduzidos por Márcia Chame e Sérgio Chaves, ambos da Fiocruz.

"Trabalhos com índios revelaram que existe um conhecimento tradicional de medicina que é repassado. Por isso, acho possível que as populações antigas também compartilhassem dessa sabedoria ancestral. O homem é um animal que sabe viver na natureza e, se outros animais comem plantas para aliviar sintomas, por que ele também não o faria?", completa a pesquisadora franco-brasileira.

 


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