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Fiocruz sedia protesto contra morte de adolescente em Manguinhos

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Publicado em:16/09/2015
Um castelo mourisco espremido entre milhares de casas de tijolo nu; os monumentos que ostentam nomes ilustres dos que lutaram pela saúde do povo brasileiro cercados por vozes femininas que evocam Geraldos, Mauricios, Carellis, Jonathas, Matheus e Cristians; o coração apertado e os olhos quase envergonhados daqueles que se sentem privilegiados porque a bala do fuzil de um policial tem menos chances de alvejar um de seus filhos do que acertar aqueles que correm, brincam e vivem entre as casas de tijolo nu. Mais do que um protesto, o que se viu na terça-feira, dia 15 de setembro, na Fiocruz, foi um encontro de vizinhos As mães de jovens assassinados por policiais se levantando para denunciar mais uma morte, a de Cristian Andrade, de 13 anos, morador de Manguinhos. O ato foi realizado em frente ao prédio da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca.

Fiocruz sedia protesto contra morte de adolescente em Manguinhos
 
Contra a violência do estado” foi o mote do protesto, incorporado como atividade de greve. A primeira a falar foi Ana Paula Gomes de Oliveira, mãe de Jonatha de Oliveira, morto aos 19 anos, em 2014. 
 
- Faz um ano e quatro meses desde que meu filho foi alvejado por um policial. Desde então, eu não pude sequer viver meu luto, porque tenho que lutar por justiça. O policial que assassinou Jonatha já tinha sido indiciado por matar outro jovem, na Baixada. A pergunta que faço, indignada, é justamente o que um policial com esse antecedente estava fazendo na UPP de Manguinhos?
 
São muitas as perguntas sem resposta. Como as de Irone, mãe de Victor Santiago, jovem que saiu para assistir a um jogo de futebol  e voltou para casa cem dias depois, paraplégico. 
 
- O Victor foi vítima de nosso querido exército brasileiro. Quando ele saiu de casa, no começo desse ano, para assistir a um jogo do Flamengo, o carro em que estava com amigos foi revistado. Momentos depois, eles foram atingidos. Alegou-se que eles tinham trocado tiros com a polícia. Mas como podem dizer que havia armas com eles se eles tinham acabado de passar por uma revista ? 
 
Victor, que tomou dois tiros de Fuzil 762, perdeu parte do pulmão e está numa cama é hoje vítima de outra iniquidade brasileira: o mal funcionamento da saúde pública. Há poucos dias, o jovem perdeu uma consulta média porque a ambulância prevista para buscá-lo às sete horas da manhã chegou ao meio dia. As balas de um fuzil do exército brasileiro tirou não só a sua liberdade de ir e vir, mas também a de sua mãe.
 
- Eu hoje não posso trabalhar, porque tenho que ser mãe, enfermeira, tudo. 

Fiocruz sedia protesto contra morte de adolescente em Manguinhos
 
Mônica Cunha, outra mãe que teve o filho morto pela polícia, lembrou de quando, motivada pela tragédia, fundou o Movimento Moleque. O primeiro slogan elaborado por eles fora “Posso me Identificar ?”.
 
- Hoje, vejo aqui um cartaz, dez anos depois, que quer dizer a mesma coisa. Passei o domingo inteiro chorando porque meu filho completaria 29 anos. E nesse mesmo domingo, outras mães estavam começando a chorar. Mas um dia dia isso vai ter que acabar. 
 
Um dos últimos a falar, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, destacou a importância de se transformar a dor em luta, como fazem as mães que agora buscam justiça pela morte de seus filhos  e pedem pelo fim dessa chacina que tem endereço e vítimas certas: os jovens negros das periferias. Gadelha lembrou de ações da Fiocruz que procuram fazer o mesmo, ao reafirmar na dor a luta pela vida e fez ainda um breve histórico da relação entre a instutuição e as comunidades que a cercam.  

- Nós nos sentimos responsáveis por tudo que passa aqui. Muitas dessas comunidades existem também em função da Fiocruz. Quando o velho castelo foi construído no terreno de uma fazenda, não havia nada ao redor. Mas já um dos nossos pioneiros, Carlos Chagas, dizia que eramos um castelo que faz ciência como arte em defesa da vida. Ao longo desses anos, vivemos muitos momentos crítricos e tristes, como episódio da morte de Jorge Careli, servidor que em 1993 foi sequestrado e morto por policiais. Muitas vezes, se levantaram vozes para dizer que deveríamos nos mudar daqui. Mas a resposta sempre foi: de jeito nenhum.
 
O nome de Careli hoje batiza um departamento da ENSP que se destaca nos estudos sobre a violência; a Fiocruz, mais recentemente, se somou as vozes dos pesquisadores do mundo inteiro que denunciam a falácia de se tratar com polícia e proibição  problema das drogas. Muitas outras ações poderiam ser lembradas para ilustrar a participação da Fundação na luta por uma vida mais digna para todos. O breve encontro com as mães dos jovens assassinados é um passo pequeno mas simbólico dessa luta. Como bons vizinhos que tentam fundar seu território em solidariedade e resolver seus problemas cordialmente, o diálogo e a esperança. Ao fim de uma manhã triste, as nuvens que se fechavam há dias sobre o Rio de Janeiro cederam. Despontou um mesmo sol sobre as varandas do castelo e sobre as lajes das casas de tijolo nu.

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