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O médico e o monstro: mesa redonda discute avanço do capital financeiro sobre o sistema de saúde

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Publicado em:06/07/2015

O médico e o monstro: mesa redonda discute avanço do capital financeiro sobre o sistema de saúdeNum monitor eletrônico, gráficos que mostram números oscilantes. A acompanhá-los, os olhos atentos de um médico. A despeito do que possa parecer a primeira vista, o que ele observa não são as ondas de um eletrocardiograma ou qualquer outro exame de saúde, mas o sobe e desce de ações na bolsa de valores. A cena, que segundo Ana Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), é cada vez mais comum no cotidiano dos médicos, é emblemática. Simboliza um modelo de medicina descrito por Luiz Vianna Sobrinho no livro Medicina Financeira: ética estilhaçada e debatido em três mesas redondas realizadas no mês de junho, na ENSP. A última dessas mesas aconteceu no dia 26. Além do próprio Luiz e de Ana Costa, Lígia Bahia, pesquisadora da UFRJ, participou do debate que teve por título O Tyrannosaurus Health - o avassalador avanço do sistema financeiro/corporações sobre a saúde - o instrumento médico.

Depois de uma breve introdução de Luiz Vianna, Lígia Bahia foi a primeira a falar. Tanto quanto os médicos acionistas, a pesquisadora também tem acompanhado, nos últimos tempos, os números das bolsas de valores e aprendido o significado de termos como pulling e IPO. O investimento é na crítica acadêmica.

- Para fazer nossa pesquisa, agora, nos tornamos usuários do site da Bovespa. Vamos ter que nos virar para ter algum grau de compreensão, chegar um pouco mais perto do objeto. Nossa forte hipótese é a de que essas empresas [da área de saúde suplementar] atuam no comércio. Elas não são, nem de longe, produtoras. Então, queremos entender esses fluxos comerciais e precisamos entender esses conceitos de fundos, pulling, etc.

A pesquisa a que Lígia se refere tem se debruçado sobre atuação das empresas de plano de saúde, hospitais privados, de exames diagnósticos entre outras. Embora, na aparência, sejam áreas distintas, a hipótese é a de que, na verdade, são os mesmos grupos atuando. Um setor que sempre esteve protegido das crises financeiras.

- Essas empresas crescem sempre. Elas crescem durante a expansão econômica ou durante o ciclo recessivo. Não há problema para elas. Cresceram durante as chamadas duas décadas perdidas, nos anos 1980 e 1980, cresceram de 2003 a 2008, depois, de 2008 a 2013 e continuam crescendo, mesmo agora, em meio à crise, mesmo tendo apostado nas classes C e D.

Entre as razões do sucesso econômico está a capacidade de tecer alianças no campo político. Especificamente quanto a esse aspecto, Lígia enxerga também um componente cultural.

- São os novos bilionários da saúde. Na história deles há a narrativa do self-made men [termo em inglês para descrever pessoas que nasceram pobres e enriqueceram a partir do esforço pessoal]. Esta narrativa serve para produzir uma dissimulação enorme da política envolvida.

A dissimulação, entretanto, não resiste por muito tempo. Um dos exemplos é o declarado apoio e doações financeiras do grupo Amil e pela corretora de planos de saúde Qualicorp ao PT. Lígia Bahia enxerga nesse apoio um complexo jogo de relações políticas, que torna mais difícil a crítica ao modelo privatista da saúde.

- Antigamente, durante a ditadura - nós publicamos um livro que mostra isso com clareza - as empresas tinham que contratar os chamados “generais de pijama”. Os generais eram aposentados e cada empresa médica contratou um deles (não só um general, mas deputados da arena, etc.). Estas relações estavam estabelecidas assim, de modo simples. As atuais relações são difíceis de serem compreendidas. Não se trata de corrupção. Se trata de algo que, talvez, produza o seguinte discurso equivocado: “olha que legal termos uma nova burguesia nacional que é petista. Olha que legal termos empresários bem sucedidos que nos apoiam”.

Apesar dessa marcante diferença no jogo político, existe um fator comum entre os dois momentos históricos descritos: a previdência como uma espécie de Santo Graal, o objetivo a ser alcançado.

-  A saúde é uma isca para a previdência. Sempre o que se quer é chegar na previdência, porque é algo se a gente paga durante a vida inteira, acumula e pode ser reinvestida. A gente já teve o PGBL previdência privada, mas não deu certo. O que querem, agora, é atrair investimentos para previdência privada pela saúde, vendendo um seguro popular.

Por fim, Lígia Bahia lembrou da urgência de se discutir o papel dos fundos que financiam a saúde que, segundo ela, do ponto de vista do SUS estão desviados para financiar o setor privado e sequestrados pelo ajuste fiscal.

- O debate é: como se constitui fundos para financiar a saúde. E a gente cai de novo nisso quando se fala de pré-sal, imposto sobre tabaco, álcool. Isso contamina o debate até o ponto em que nós também voltamos a falar sobre fundos públicos específicos, como se houvesse alternativa para se ter um sistema universal de saúde que não fosse financiado por impostos gerais. Impostos e contribuições.

Da fala de Lígia Bahia, já era possível depreender o tamanho do monstro, o Tyrannossaurus Health de que falava o título da mesa redonda, e que seria a metáfora para o avanço do sistema financeiro e das corporações sobre a saúde. Ao entrar no debate, Ana Costa citou ainda outras artimanhas do bicho.

- Há uma presença do lobismo dentro do congresso nacional que é constrangedora. Isso tem gerado uma pobreza de debates, insuficiência de propostas e uma clara tendência sobre os rumos da saúde, sempre em direção aos interesses desses grupos que atuam no congresso.

A despeito de certa idealização e saudosismos que discussões como essa costumam gerar com relação à reforma sanitária, no final dos anos 1980, Ana ressaltou que essas forças já se faziam presentes à época.

- É uma corrente contra a qual sequer a reforma sanitária e o processo constitucional deram conta de interpor-se.

A presidente do Cebes não vê com otimismo o cenário futuro.

- No plano internacional, temos o discurso da cobertura universal em saúde [que segundo o Cebes se contrapõe à proposta de um sistema universal de saúde] patrocinado por instituições de diversas natureza, inclusive pertencentes ao sistema ONU. A classe trabalhadora não se recompõe, não avança. Dificilmente a CUT, por exemplo, abandonaria a pauta dos planos privados nos seus planos sindicais. Não há interesse em peitar essa estrutura. Não temos nenhum partido político que tenha um compromisso 100% aderido à reforma sanitária. A reconstrução dessa parceria me parece fundamental.


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