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Do leito à rede, a loucura quer transformar as cidades

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Publicado em:18/05/2015

* Bruno C. Dias

Do leito à rede, a loucura quer transformar as cidadesLuiz Pinto estava nervoso. Mais do que o de costume. Teve horas de não deixar ninguém falar. Lais conduzia a mesa; as apresentações dos coletivos artísticos foram listadas, assim como as falas dos movimentos. Pinto virou e falou: “Mas vocês vão achar isso de ato? Se for para ter ato, tem de ter objetivo”. Foi a senha para João Moraes se levantar e ler suas memórias e ideias em prosa poética. A sacolinha para arrecadar fundos do material das oficinas corria pelas mãos e o pequeno Raul, de quatro anos, brincava com seus bonecos. Todos falavam ao mesmo e se entendiam. A saúde e a liberdade irmanavam as vozes daquelas mulheres e homens – estudantes de saúde coletiva; profissionais dos serviços; usuários; artistas; familiares. Foi na quarta-feira (13/5), como poderia ter sido ano passado, mas não ocorreria se fosse há mais de trinta anos, quando a tônica dos serviços de saúde mental era o confinamento. A cada encontro, a luta do movimento antimanicomial se reafirma e tem no 18 de maio o seu grito de alegria, de sonho, de loucura, de guerra.

Ao longo das primeiras semanas deste mês, mais de vinte cidades brasileiras estão organizando atos, manifestações, atividades, seminários. Eles possuem diversas matizes, são organizados por diferentes setores e possuem tão diversos orçamentos. A disputa política, o enfrentamento de visões e de projetos de saúde pública e outros aspectos pouco edificantes levarão cidades a ter mais de cinco atos simultâneos.

Em que pese todas as críticas internas e externas e até entendendo a fragmentação como parte da história, tal cenário só é possível porque a sociedade já encara o tema com outros olhos.

“O mais importante nesses 30 anos de movimento é a mudança de mentalidade em relação à loucura, a ideia da loucura como periculosidade, como irresponsabilidade, como incapacidade. Nada disso está plenamente superado, mas já não é como era nos anos anteriores. Fomos mostrando que as pessoas com algum tipo de transtorno mental são sujeitos; sujeitos com desejos, direitos, que tem projetos e aspirações na vida, e que podem cumprir e viver esses projetos”, rememora Paulo Amarante, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), do Grupo Temático de Saúde Mental da Abrasco, um dos pioneiros da Reforma Psiquiátrica no Brasil.

CAPS na encruzilhada: Se a denúncia e a crítica ao modelo tradicional de manicômio e de confinamento enquanto serviço prestado pelo Estado atualmente embasam as políticas públicas traçadas pelo Ministério da Saúde, a oferta de reais condições para o exercício de uma vida digna e de inserção na sociedade ainda são o grande desafio do cotidiano da Saúde Mental.

Sob a marca da lei 10.216 e da Portaria MS nº 336-02, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ainda não conseguiram responder o conjunto das demandas do campo. A implantação da rede, que teve um importante movimento de expansão entre 2003 e 2010, iniciou a atual década com perdas sofridas pela crescente precarização do trabalho em saúde que atinge o Sistema Único de Saúde (SUS) como um todo: equipes fragilizadas; alta rotatividade de pessoal; interrupção de subsídios a dispositivos importantes para a sustentação clínica, entre outros. Em meio a esse cenário, duas questões particulares: a oferta de leitos para pacientes crônicos e em momentos de crise e o abandono à reformulação da formação psiquiátrica nos programas de residência.

“Devemos reconhecer que o número de CAPS III, com leitos, persiste insuficiente no país, a assim como a falta de leitos em hospitais gerais. Temos resultados de pesquisas que mostram que onde o número de CAPS III é adequado e as pessoas e suas famílias acham a rede continente, preferindo o cuidado integral nos Centros do que em hospitais nos momentos de crise. As pessoas reclamam para ter acesso, é isso é legítimo. É uma pena o Ministério da Saúde ter desistido desse modelo”, critica Rosana Onocko, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp) e da diretoria da Abrasco.

Amarante também questiona como a rede de atenção psicossocial entende seu próprio funcionamento. “Temos que transformar as instituições de assistência e entendê-las como intermediárias, ou seja, serviços que estão no meio da vida, gerenciando recursos, cuidados e contatos. É essa a ideia dos CAPS, e por isso que falamos que eles não deveriam ter rigorosamente endereço, e sim ser compreendidos como estratégias que deveriam levar mais em conta outras perspectivas, como o trabalho, o esporte, a arte, a geração de renda”, explica ele, destacando as dimensões das cooperativas de trabalho na saúde mentall, que segundo dados da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), já são em torno de mil iniciativas. “Os mais tradicionais ainda pensam que o cuidado é internação e assistência médico-hospitalar unicamente, não entendendo que a atenção psicossocial transborda o cuidado clínico-técnico e aponta para a reorganização da vida”, completa.

Saúde e cidade: Essa forma de compreender o serviço não apenas como uma oferta de dispositivos, mas também como teia de afetos e conexões para além dos equipamentos de saúde também é compartilhada pelos movimentos e ativistas envolvidos diretamente com a luta antimanicomial.

“Percebo que o movimento já passou por várias fases. Hoje, a ocupação da rua, dos espaços públicos e a ligação direta dessas questões como os Direitos Humanos, com os universos do trabalho e da cidade são fundamentais para a inserção do nosso debate”, reforça Melissa Oliveira, do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro e aluna do programa de pós-graduação da ENSP/Fiocruz.

Para ela, sem uma mudança integrada nessas questões não é possível a implementação radical da Reforma Psiquiátrica. “A grande crítica à visão tradicional da assistência é que se mantém o olhar sobre a vida das pessoas restrita aos saberes institucionais, seja da Medicina, da Psicologia. É fácil construirmos redes, serviços e circuitos e burocraticamente continuarmos reproduzindo a lógica manicomial, entendendo as pessoas apenas como patologias, confinando-as nesses conceitos. Por isso frisamos que há várias formas de entender a movimento antimanicomial. A que nós queremos é justamente o oposto disso: não a busca da reabilitação do indivíduo, mas sim a reabilitação da cidade como meio de vida, de circulação e campo da narrativa das histórias de vida, usuários ou não da rede. Esse é uma ideia cara desde o início do movimento italiano, que é pensar como as cidades podem acolher várias formas de ser, existir e estar no mundo”, sintetiza Melissa.

Se a rua é o espaço de luta, de afeto, da arte e da loucura, esse 18 de maio será cheio e ultrapassará a segunda-feira. Confira abaixo uma lista de eventos publicados nas redes sociais e notícias em diversas cidades e leve seu grito de loucura e liberdade às ruas.

Dia 18

Ato Político do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro: https://www.facebook.com/events/367804923422372/

Atividades da Secretaria Municipal de Saúde da prefeitura do Rio de Janeiro: Na Zona Sul: https://www.facebook.com/events/1601914823411919/

Na Zona Norte: https://www.facebook.com/events/1103079793040422/

Semana da Luta Antimanicomial de Niterói (RJ) – De 18 a 21/05: https://www.facebook.com/events/758095954309825/

Ato Político do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial de São Paulo (SP): https://www.facebook.com/events/728274623938099/

Ato Político do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial em Fortaleza (CE):https://www.facebook.com/photo.php?fbid=850545148351336&set=gm.370077919861739&type=1

Ato em Vitória (ES): https://www.facebook.com/events/1641835336036011/

Caminhada em Varginha (MG): https://www.facebook.com/events/1391554437833112/

Ocupação pública em Alegrete (RS): https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10202593689802744&set=o.160577807290465&type=1

Manifestação em Curitiba (PR): https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10205041583053309&set=a.2035816129087.109567.1054714490&type=1

Ato em Teresina (PI): https://www.facebook.com/photo.php?fbid=835170006551616&set=p.835170006551616&type=1&theater

Manifestação em Manaus (AM): no Largo São Sebastião, de 16h às 19h.

Manifestação em Macapá (AP): na Praça da Bandeira, das 17h às 21h

Ato em Contagem (MG): http://claudiopaguiar.blogspot.com.br/2015/05/18-de-maio-dia-nacional-da-luta.html

Atividades em Ourinhos (SP) – 18 e 19/05: https://www.facebook.com/lutaantimanicomialoficial/photos/a.207627015918877.61626.160577807290465/1057208030960767/?type=1&theater

Semana da Luta Antimanicominal em Salvador e Camaçari (BA) – De 18 a 22/05: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=824250810998350&set=a.128060830617355.27220.100002403153622&type=1&theater

Semana de atividades em Crateús (CE) – De 18 a 22/05: http://www.crateus.ce.gov.br/capa/caps-crateus-promovera-semana-de-luta-antimanicomial-confira-a-programacao-2/

Semana de atividades em Uberaba (MG) – De 18 a 21/05: http://claudiopaguiar.blogspot.com.br/2015/05/uberaba-mg-semana-da-luta.html

Dia 19
Ato em Campinas: https://m.facebook.com/?_rdr#!/loucosporliberdadelutacampinas/photos/gm.1649509095285073/368763876646006/?type=1&source=48&ref=m_notif¬if_t=plan_mall_activity

Semana de atividades em Florianópolis (SC) – De 19 a 22/05: https://www.facebook.com/events/850539688332568/

Dia 21
Manifestação em Barra do Piraí (RJ): https://www.facebook.com/lutaantimanicomialoficial/photos/a.577014158980159.152888.160577807290465/1057268320954738/?type=1

* Bruno C. Dias é jornalista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)


Fonte: Abrasco
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