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Controle social deve gerir políticas hídricas

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Publicado em:12/03/2015
Desde que afetou a região economicamente mais desenvolvida do país, a crise da água vem sendo tema de diversas discussões não só entre a sociedade civil em geral, como também por parte do governo. No intuito de compreender o assunto, o primeiro Centro de Estudos da ENSP de 2015 discutiu se a crise no abastecimento de água é um problema ambiental ou de gestão. Para isso, a atividade reuniu três especialistas na área, que trouxeram para o debate questões como a governança da água, a intermitência de água nos Planos Municipais de Saneamento Básico, além da origem da crise. Na ocasião, a pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA/ENSP), Bianca Dieile, enfatizou que a gestão da água precisa e deve passar por controle social. "Decisões sérias precisam ser tomadas e a população deve estar inserida nelas". A atividade, realizada no salão internacional da Escola, no dia 4 de março, foi coordenada pela pesquisadora do DSSA Rosália Maria de Oliveira.

Controle social deve gerir políticas hídricas


A questão da governança da água foi abordada pela professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ana Lucia Nogueira de Paula Britto. Ela explicou que no Brasil, para fins de gestão, as águas constituem dois sistemas distintos, divididos em recursos hídricos e serviços de abastecimento de água e saneamento. Enquanto o primeiro se refere às atividades de aproveitamento, conservação, proteção e recuperação da água bruta, em quantidade e qualidade, o segundo consiste nos serviços de abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgotos e drenagem pluvial. Na opinião da professora, em termos legais, políticos e institucionais, os dois sistemas são distintos, sendo o setor de saneamento ambiental um usuário da água bruta. Todavia, quando se tratam de regiões altamente urbanizadas, esses dois sistemas de gestão passam a ser estreitamente interrelacionados e constituem também o seu principal problema: o lançamento de efluentes sem tratamento nos corpos hídricos e a ocupação de área de proteção dos mananciais.

Controle social deve gerir políticas hídricasAna Lucia citou que a governança da água deve ser um processo de interação entre os atores, mas que há uma diversidade de visões sobre como, para quê e para quem a água deve ser governada. Ela fez também uma análise da governança da água e levantou alguns aspectos como a ameaça da escassez de água na região metropolitana; e em que medida essa escassez é exercida por mudanças ambientais ou é social e politicamente construída. “A escassez hídrica e as desigualdades e injustiças relacionadas com o acesso à água não são necessariamente resultado de um fenômeno natural, da falta de conhecimento científico e técnico, e nem da carência de soluções tecnológicas. As diferenças no acesso aos benefícios da água e no sofrimento causado por calamidades de origem hídrica derivam principalmente de processos de caráter socioeconômico, político, cultural e institucional, adicionando a formulação e implementação de políticas públicas”, lamentou professora.

Para exemplificar a questão da desigualdade no acesso, Ana Lucia citou alguns dados relacionados aos índices de atendimento com as redes de água e esgoto em alguns municípios do Estado. No município de Tanguá, por exemplo, 68,7% da população total possuem atendimento com rede de água, enquanto apenas 31,7% têm rede de esgoto. No município do Rio, a situação já é bem diferente: 90,7% da população total possui rede de água e 77,9% possui rede de esgoto. Por fim, a professora destacou que para a democratização do acesso é preciso adotar um planejamento preventivo, reduzir as perdas nos sistemas de abastecimento, além de definir as prioridades na gestão da escassez com a participação da sociedade.

A origem da crise no Rio de Janeiro

“O governo do Estado tem de assumir o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH) como um Plano de Governo”. Foi com essa afirmativa que o diretor executivo do Comitê Guandu, membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Décio Tubbs, finalizou sua apresentação - após falar sobre a crise hídrica no estado do Rio de Janeiro e sua origem. Ele citou a importância da Bacia Paraíba do Sul para o Estado do Rio e ressaltou que o Estado é fortemente dependente da Bacia. Segundo ele, 12,3 milhões de habitantes são abastecidos pelas águas do rio Paraíba do Sul (75% do Estado), sendo 57 municípios na Bacia do rio Paraíba do Sul e mais nove da região Metropolitana. O diretor descreveu ainda três momentos que deram origem a crise desde março de 2014, sendo eles: a proposta paulista de transposição das águas do reservatório Jaguari (19 de março); o racionamento de água bruta em função da estiagem severa (desde 9 de junho); e a retenção de água do reservatório Jaguari por parte do Estado de São Paulo (de 6 a 19 de agosto).

Controle social deve gerir políticas hídricasCom relação à Bacia Hidrográfica do Guandu, Décio apresentou um balanço hídrico e alertou que o futuro é preocupante. “A crise atual demonstra que a segurança hídrica da Bacia Paraíba do Sul passa pelo aperfeiçoamento das regras em vigor. Desde 2003, as normas operativas atuais garantiram a segurança dos usos múltiplos. Mesmo as respeitando, o Sistema entrou no vermelho pelas condições hidrológicas desfavoráveis dos anos de 2013 e 2014. A Agência Nacional da Água (ANA) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) estão estudando regras operativas complementares que aumentem a segurança atual e futura para os usos múltiplos da bacia”, ponderou Décio.

O diretor citou ainda que o saneamento básico precisa ser prioritário nas políticas, que as campanhas e programas de uso racional da água devem ser iniciados, multiplicados e divulgados para população e empresas, e que é necessário pensar em programas de redução de perdas. “A crise atual é uma oportunidade única para ressaltar e fortalecer abordagens e iniciativas não-estruturais. Cada bacia e cada região devem priorizar os problemas a serem enfrentados. Nesse sentido, os Comitês de bacia são essenciais na construção e replicação de boas práticas e soluções inovadoras. Mas para que tudo isso seja uma realidade, o governo do Estado tem de assumir o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH) como um Plano de Governo”, finalizou Décio.

A intermitência de água

A pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da ENSP Bianca Dieile finalizou o Centro de Estudos ao trazer para o debate um tema pouco explorado: a intermitência de água nos Planos Municipais de Saneamento Básico do entorno da Baia de Guanabara. De acordo com a pesquisadora, a intermitência acontece principalmente nas áreas periféricas e de maneira sistemática, não existindo nenhum sistema de monitoramento confiável que possua informações abertas, o que gera uma falta de comunicação sobre áreas afetadas e tempo de duração das ações, sejam elas planejadas ou não. Segundo Bianca, os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) são ferramentas de gestão que garantem a participação social em todas as fases, e neles devem conter: diagnóstico; objetivos e metas; programas, projetos e ações; ações para contingência e emergência; e mecanismos de avaliação
 
No PMSB do Rio, por exemplo, não é citada a intermitência no diagnóstico, e não há linha de base para definição de metas da qualidade do serviço. Há previsão de expansão do Sistema Guandu e as ações no caso de emergência e contingência não seriam capazes de resolver o problema. Já no Plano do município de Tanguá, a situação é bem menos otimista. O município possui uma estação de tratamento de água e apenas 30% dos domicílios possuem rede de abastecimento de água. Além disso, o sistema opera sob regime de manobras de registros em dias alternados, ou seja, parte da cidade é abastecida com pressão adequada, enquanto a outra recebe menor pressão, invertendo a ordem em dias alternados. “Essas práticas não compõem o cenário ideal no abastecimento, garantiu Bianca. 
 
Controle social deve gerir políticas hídricasNo Plano Municipal de Saneamento de Magé a situação também é alarmante: 39,4% dos domicílios possuem rede de abastecimento de água. Há freqüente falta de água – intermitência do sistema público de abastecimento. No município e em alguns outros que compõem a baixada fluminense, o abastecimento ocorre apenas duas vezes por semana, com piora em períodos de estiagem. “Para que os planos sejam ferramentas efetivas de planejamento é fundamental a participação de todos os setores, incluindo a população. A gestão da água precisa e deve passar pelo controle social. “Decisões sérias precisam ser tomadas e a população deve estar inserida nelas. O Plano do Rio de Janeiro, por exemplo, é de 2011, e não contempla diversas questões que deveria. Temos que revê-lo, apontou Bianca. 

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