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Reclassificação do Canabidiol como substância controlada é um avanço?

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Publicado em:06/03/2015

(*Última atualização 1/7/2015)
(*Atualizada em 6/5/2015)


O Canabidiol (CBD) é uma substância química encontrada na maconha que, segundo alguns estudos científicos, tem utilidade médica para tratar diversas doenças, entre elas, neurológicas. Medicamentos comercializados no exterior já utilizam a substância derivada da Cannabis sativa. Em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu pela sua retirada da lista de substâncias proibidas no Brasil. Com isso, o Canabidiol passa a ser uma substância controlada e enquadrada na lista C1 da Portaria 344/98, que define os controles e proibições de substâncias no país.

Segundo a Anvisa, esta medida ajudará a mobilizar esforços em torno da pesquisa desta substância, facilitando a condução de estudos que possam levar ao desenvolvimento e registro de um medicamento em território nacional. A medida também deve ter efeito na disposição dos profissionais de saúde em utilizar o CBD como recurso quando a avaliação médica apontar essa necessidade, já que o uso desta substância no país não será mais considerado ilegal.

O Informe ENSP conversou com o aluno de mestrado em Saúde Pública da ENSP André Kiepper sobre essa questão. Kiepper, que é autor da proposta de regulação da maconha no Brasil apresentada ao Portal e-Cidadania, do Senado Federal, comentou que a posição da Anvisa foi positiva, uma vez que provocou um debate na sociedade, mas pode não ter representado um avanço prático para seu uso medicinal no país. Por isso ele não vê muito motivos para comemorações. Entenda, na entrevista abaixo, o porquê disso.

Informe ENSP: O que realmente representa a reclassificação da Anvisa para o Canabidiol? Isso pode colaborar para o debate da regulação da maconha no país?

Reclassificação do Canabidiol como substância controlada é um avanço?André Kiepper: Eu penso que teremos que observar o desenrolar dos fatos para avaliar se a classificação do Canabidiol na Lista C1 (Outras substâncias sujeitas a controle especial - receita em duas vias), representou algum avanço prático para o uso da maconha medicinal no Brasil.

Com certeza a mudança provocou debates na sociedade, em uma proporção que até então não víamos, especialmente na mídia, mas em contrapartida os três maiores sujeitos, externos ao movimento social, que impulsionaram a classificação do CBD na Portaria 344/98 - o grupo de pesquisa da USP de Ribeirão Preto, representado pelo pesquisador José Alexandre Crippa; a empresa MedicalMarijuana Inc., detentora da marca HempMedsPX, que exporta e fabrica o extrato de maconha rico em CBD que se popularizou no Brasil; e a própria presidência da Anvisa - negaram o potencial terapêutico da maconha in natura e de seu uso como fitoterápico. Em diversas declarações, essas três partes citadas também condenaram o uso do THC, como se este canabinóide não possuísse uso medicinal. Além de inverídicas, essas afirmações contribuíram para a manutenção do estigma sobre a maconha. Por isso, a maior parte de ativistas pela reforma na legislação de drogas do Brasil e pesquisadores do uso medicinal da maconha foram reticentes em afirmar que houve algum avanço.

Informe ENSP: O Prof. Dr. José Alexandre S. Crippa (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP) não defende que o uso do Canabidiol deve estar respaldado em dados científicos?

André Kiepper: É de conhecimento que o Dr. Crippa possui uma patente de um composto de Canabidiol fluorado e que pode ser conferida aqui. A posse desta patente explica por que o referido pesquisador não defende o uso da erva em sua forma in natura. Mas ora, em todos os lugares do mundo onde a maconha medicinal é regulada, ela é fumada, vaporizada ou usada por via oral, na forma de extratos vegetais. O próprio óleo rico em Canabidiol, que tem sido utilizado nos casos de epilepsias refratárias, incluindo o da HempMedsPx, trata-se de extrato vegetal. Maconha medicinal não é medicamento farmacêutico sintético. Maconha medicinal é erva in natura e em suas formas vegetais. Declarações do presidente da Anvisa, na mídia e em audiência pública no Senado Federal, na Comissão de Educação, Cultura e Esportes, em dezembro de 2014, confirmaram o que alguns já sabiam: a Agência não possui competência legal para regulamentar o uso fitoterápico e in natura da maconha no Brasil. Ela pode fazer registro de produtos, mas para isso precisaria excluir a Cannabis da Lista E da portaria 344/98, o que significaria medida mais ampla, mas por isso mesmo de forte implicação política.

Informe ENSP: Então, por mais que a Anvisa libere estudos com o Canabidiol, ela ainda é preconceituosa quanto a esse tema?

André Kiepper: A Anvisa encontra-se em um dilema nessa questão, porque o único produto com testes clínicos de eficácia e segurança disponível no mercado é o da empresa GW Pharma, sediada no Reino Unido, o qual possui em sua composição uma alta concentração de THC. Este extrato é indicado para o tratamento de dores e espasticidade em portadores de Esclerose Múltipla, mas também vem sendo utilizado para o alívio dos sintomas da quimioterapia do câncer. A bula explica que o Sativex precisa ser armazenado em geladeira, e seu prazo de validade expira em 28 dias depois de aberto. Mesmo na Europa é considerado um remédio de alto custo - um frasco custando em torno de 450 euros, o que mantém o uso da erva in natura como opção mais econômica e, por isso, mais viável e efetiva. Meu pesar é de que a maior parte dos pais de crianças com epilepsia, que poderia ter usado o momento histórico pelo qual atravessaram para contestar a proibição de uma planta que trouxe qualidade de vida e até mesmo salvou da morte muitos de seus filhos, e exigir uma mudança radical na forma como o governo vem conduzindo essa política, se omitiu. A falta de conhecimento sobre o assunto, a falta de desejo em aprender e sobrepor o medo desceram como uma cortina de fumaça, impossibilitando uma verdadeira evolução no uso medicinal da maconha no Brasil.

(*Foto André Kiepper: Mídia Ninja)

Editores Informe ENSP: Direito de resposta concedido a Antonio Waldo Zuardi (Professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo); José Alexandre de Souza Crippa (Professor Associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; Full Member International Cannabinoid Research Society); Jaime Eduardo Cecílio Hallak (Professor Associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da FMRP-USP -CAPES 7); e Francisco Silveira Guimarães (Professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; Full Member International Cannabinoid Research Society).


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1 comentários
ANA MARIA SAVEDRA DE ARAUJO
08/03/2015 21:49
Senhores, boa noite. Não só o Canabidiol, mas outras substâncias atualmente proibidas, deveriam ser revisadas e analisadas. A ciência não é estática. Olhamos para o futuro com o olhar no passado. Entre os dois está o agora, o presente. Obrigada pela oportunidade. Ana Saavedra