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Instituições se unem em prol de territórios sustentáveis

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Publicado em:12/09/2014

* Marina Lemle

O papel da ciência na promoção da saúde e do desenvolvimento sustentável de comunidades ‘esquecidas’ pelo poder público e cujos territórios sofrem com impactos de grandes empreendimentos, especulação imobiliária e turismo predatório foi o tema do Seminário Internacional Saúde e Sustentabilidade, realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), no Rio de Janeiro, em 9 de setembro.
 

Instituições se unem em prol de territórios sustentáveis

O seminário teve como objetivo consolidar um plano de ação para a Rede Ibero-Americana de Territórios Sustentáveis, Desenvolvimento e Saúde (RIA TSDS), da qual a Fiocruz faz parte, e contou com a participação da pesquisadora portuguesa Helena Freitas, coordenadora do Centro de Ecologia Funcional e vice-reitora da Universidade de Coimbra, Portugal, além de pesquisadores da Fiocruz e de representantes do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. A Fiocruz atua nesta região através do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, que trabalha com as populações locais na identificação dos seus problemas e na busca por soluções que promovam o desenvolvimento sustentável e a saúde, denominadas “tecnologias sociais”.

Instituições se unem em prol de territórios sustentáveisHelena Freitas contou sobre a atuação da Universidade de Coimbra em Cabo Verde e Moçambique, na África, e demonstrou interesse em conhecer os modelos brasileiros de promoção da saúde comunitária. Em Cabo Verde, a universidade está instalando faculdade de medicina que deverá implantar um modelo focado em saúde pública que se ajuste à realidade das ilhas que compõem o país. Segundo ela, do ponto de vista dos indicadores sociais e de saúde, Cabo Verde está “entre Europa e África”, pois já foram feitos investimentos que levaram a progressos em saúde e educação. “O país pode fazer um modelo experimental adequado ao continente africano. Pelo nosso interesse nos países africanos, queremos conhecer os modelos brasileiros”, explicou.

De acordo com Helena, o curso superior, a ser lançado em 2015, requer profissionais que estejam perto das comunidades. “Cada estudante deverá ter logo no primeiro ano uma comunidade para acompanhar ao longo da sua licenciatura, para compreender e lidar com os problemas de saúde das populações e trazê-los à academia, recuperando a ligação que perdemos. Isso também será inspirador para a Universidade de Coimbra”, afirmou.

Outro caso apresentado pela professora é o de Moçambique, onde a pobreza é brutal. “Há crianças subnutridas e outras que ficam cegas por problemas simples como conjuntivite. A água disponível é poluída. Não é possível que pessoas vivam nestas condições”, lamentou. Ela contou que o Parque Nacional da Gorungosa, de beleza extraordinária, teve 90% de sua fauna destruída pela guerra civil. A professora espera que o esforço de recuperação do parque possa trazer um impacto positivo para a população local, principalmente no campo da saúde.

“É um desafio muito grande fazer projetos em questões essenciais para o desenvolvimento das comunidades. A ecologia e o ambiente nos territórios requerem o envolvimento das populações”, defendeu. A professora lidera uma Cátedra de Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável patrocinada pela Unesco, cujo objetivo é encontrar na educação projetos e modelos que promovam o bem estar geral das pessoas, seja onde for. “Saúde e educação gratuitas são fundamentais para a equidade social”, disse. Ela acredita que o trabalho em rede pode contribuir para a reaplicação de modelos de saúde e sustentabilidade em diferentes territórios, criando cursos e saberes. “O desejo de promover o bem estar deve ser o que move a ciência”, concluiu. Ao final do seminário, Helena assinou um convênio de cooperação entre a Universidade de Coimbra e a Fiocruz para a consolidação da Rede Ibero-Americana de Territórios Sustentáveis, Desenvolvimento e Saúde e o desenvolvimento de trabalhos conjuntos.

Instituições se unem em prol de territórios sustentáveisO pesquisador Edmundo Gallo, da Ensp, que coordena o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis, lembrou que, historicamente, a ciência tem sido um mecanismo de dominação e não de emancipação. Ele defendeu a necessidade de se promover uma ciência crítica e uma ecologia com uma pauta política, voltada para a emancipação social, contextualizada na percepção das desigualdades e da assimetria de poder, na qual a saúde é vinculada à educação e à vida.

A Fiocruz apoia as comunidades locais no desenvolvimento de saneamento ecológico com módulos ecossanitários, na qualificação de lideranças do Fórum de Comunidades Tradicionais e na elaboração de um plano regional de desenvolvimento.

“Na Bocaina, o objeto em estudo é a vida. Trabalhamos a partir do real, e não do abstrato. Buscamos construir soluções a partir dos problemas identificados coletivamente, com foco no desenvolvimento de tecnologias sociais reaplicáveis para a transformação social. As soluções são construídas a partir de um diálogo permanente, que envolve especialistas e a comunidade. Também buscamos a integração da gestão do território com as prefeituras e órgãos de diferentes esferas de governo para uma gestão estratégica, além de um processo permanente de avaliação”, contou.

Instituições se unem em prol de territórios sustentáveisRepresentante do Fórum de Comunidades Tradicionais, Vagner do Nascimento, o Vaguinho, contou que o Fórum foi criado em 2006, junto com decreto 6040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Ele falou sobre a campanha Preservar é resistir, lançada este ano, e exibiu o vídeo de divulgação da campanha. De acordo com Vaguinho, o diálogo das comunidades com poder público tem sido difícil e a campanha busca sensibilizar a sociedade e chamá-la para o debate.

“O território da Bocaina é um eixo que liga as duas maiores metrópoles do país. A mata atlântica exuberante da região tem sofrido muita intervenção pela grande influência do capital, como na área da energia, com usinas nucleares e agora o pré-sal. A privatização da floresta e a especulação imobiliária avançam e o modelo de turismo preocupa. Doenças como leishmaniose e anemia ferropriva vitimam as crianças. As políticas públicas não chegam lá, mas ao lado há grandes empreendimentos. O território precisa ser visto com mais respeito e sensibilidade. Tem um povo que historicamente vive e cuida do território, mas não tem sido ouvido, apesar da legislação prever isso. O Fórum faz denuncias, traz as demandas das comunidades e propõe alternativas para esse atraso que resulta do modelo de desenvolvimento que não atende a todos os cidadãos”, disse.

Instituições se unem em prol de territórios sustentáveisO vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, disse que amplificar as lutas comunitárias é um papel fundamental da Fiocruz e que a instituição tem muito a fazer nas suas especialidades – ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e atenção à saúde. “Podemos fazer a interface entre teoria e prática, relacionando as questões com outras instituições e políticas”, afirmou.

Representando a vice-presidência de Ensino, Informação e Comunicação, o professor Milton Moraes lembrou que a cooperação da Fiocruz com a Universidade de Coimbra é extensa e deve ser capilarizada com ações complementares. Ele lembrou que a Fundação já formou mais de 20 mestres em Maputo, com a lógica de construção compartilhada do conhecimento. Moraes destacou ainda o papel da Fiocruz no plano Brasil sem Miséria de buscar responder a demandas específicas com ações necessárias à erradicação da miséria no país.
 

Instituições se unem em prol de territórios sustentáveis

Na mesa de abertura, o diretor da ENSP, Hermano Castro, defendeu a necessidade de um modelo de desenvolvimento que não penalize as comunidades e seja verdadeiramente sustentável, de forma que a sociedade e o coletivo sintam o bem viver. Para ele, os governantes deveriam assumir estas bandeiras e os acadêmicos tem que aprender a se alimentar daquilo que a sociedade apresenta através dos movimentos sociais.

O coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), Paulo Buss, lembrou do papel importante que a Fiocruz teve no documento “O futuro que queremos”, da Rio + 20, que diz que a saúde contribui e é um indicador de desenvolvimento. “Só há sentido no crescimento econômico com o desenvolvimento integral da sociedade. Se não discutirmos desenvolvimento local não faz sentido o desenvolvimento. Iniciativas como esta, com as comunidades, precisam avançar. Indignação e justiça social devem ser o motor do nosso trabalho”, argumentou.

* Marina Lemle é jornalista da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz)
** Fotos de Eduardo di Napoli

 


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