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A epidemiologia encontra a política em mesa sobre 25 anos de SUS

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Publicado em:10/09/2014
Explorar as condições de saúde do cotidiano da população na perspectiva do fortalecimento dos serviços e ir além dos números para melhor responder os desafios da Saúde Pública brasileira foram os temas centrais da sessão Epidemiologia nos 25 anos do SUS, uma das mesas-redondas realizadas no segundo dia do 9º Congresso Brasileiro de Epidemiologia. A sessão, coordenada por Luis Eugenio de Souza, presidente da Abrasco, contou com a participação de Luiz Augusto Facchini, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e dos docentes da área da política, planejamento e gestão Gastão Wagner, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Jairnilson Paim, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

A epidemiologia encontra a política em mesa sobre 25 anos de SUS

Antes de passar a palavra para os debatedores, a Abrasco prestou homenagens a Gilson Carvalho, médico sanitarista de destacado papel na formulação do Sistema Único de Saúde (SUS), falecido em abril deste ano. “Gilson referia-se a si mesmo como caixeiro viajante do SUS. Foram inúmeras as andanças dele pelo Brasil, militante ativo nos encontros municipais de saúde e que muito contribuiu nos diversos debates preparatórios da 8ª Conferência Nacional de Saúde e na lançamento do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, o Conasems”. Ao final, Luis Eugenio convidou à mesa Cristina Carvalho, filha de Gilson, para receber a placa comemorativa. Emocionada, agradeceu a homenagem e lembrou o compromisso do pai com as políticas públicas até o final de sua vida.
 
Ferramenta para a transformação

Facchini iniciou sua exposição abordando os debates da saúde à época da aprovação da Constituição Federal, que deu possibilidade para a constituição do SUS, e trouxe como sua grande inovação a Atenção Primária em Saúde. A principal porta de entrada para o atendimento da população, construída seguindo princípios estabelecidos na década de 70 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), “que desmilinguiu esse conceito, fazendo dele atualmente apenas um discurso”, segundo ele. “Nesse aspecto, andamos para trás”.
 
Para Facchini, as complexidades da Atenção Primária trazem, pelos estudos epidemiológicos, as respostas para a melhor constituição das redes de serviço e para a disponibilidade de atendimento, pois é a partir do trabalho da epidemiologia que é possível fazer o levantamento das cargas de mortalidade, hoje marcado pelas doenças crônicas não-transmissíveis, pelas causas externas, e que mantém ainda resquícios do quadro epidemiológico do início do século, “marcado pelas doenças infecto-contagiosas e pelas negligenciadas, que têm no tracoma um dos seus tristes símbolos”.
 
No entanto, o professor destacou que a Atenção Primária não pode bastar em si mesma e que precisa de ser de fato estabelecida em dimensões de qualidade, sendo avaliadas em sua adequação, efetividade, acesso oportuno, equidade e desempenho.
 
Como suporte dessa interação, apresentou dados de um inquérito nacional em saúde realizado em 2009, pesquisa realizada pelo grupo de pesquisa Aquares, do qual é líder. “Vimos que as pessoas chegam aos serviço de maneira igualitária, mas a qualidade do atendimento é diferente entre pobres e ricos”,  o que, para ele, prova que a constituição da Atenção Primária exige a participação cidadã ativa.
 
Jairnilson Paim abordou a recomposição das ações da epidemiologia nos serviços de saúde ao longo da trajetória do Sistema Nacional do Saúde, num percurso que se confunde com a história da própria Abrasco e de seus congressos de epidemiologia. “Antes do SUS, a epidemiologia era uma categoria meio exótica, que dependia das afinidades dos pesquisadores ao tema e da aceitação de algumas instituições. Com o passar do tempo e a consolidação do SUS, o campo foi buscando outros referenciais, tomando para si a crítica ao social”.
 
Segundo o professor, dois eventos que marcam essa mudança: o 2º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, que trouxe pela primeira vez estudos de natureza mais crítica e a transformação do  Centro Nacional de Epidemiologia (Cenep) em Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), o que possibilitou “uma aproximação progressiva dos trabalhos de vigilância aos serviços de atenção à saúde”.
 
Essa modificação de estruturas e a aproximação da academia aos serviços de vigilância transformaram a visão tradicional da notificação de doenças até então realizada no país e que, nas palavras de Paim, “permitiu jogar luz às contradições de várias racionalidades envolvidas nos processos decisórios de políticas públicas, abrindo espaço para uma epidemiologia do cotidiano, que não está olhando para o Norte, mas sim, para o Cruzeiro do Sul”.
 
Um SUS além das evidências: A terceira participação da mesa redonda foi de Gastão Wagner, que fez uma fala crítica a algumas posições do campo epidemiológico. “A maioria dos estudos está baseado nas evidências e nos levantamentos, o que faz a epidemiologia ter certa hegemonia na distribuição dos fomentos. Acredito que temos um novo tempo, a partir desse congresso, que trouxe no seu nome a palavra ação, o que deve sinalizar uma aproximação da área com as Ciências Sociais em saúde”.
 
Gastão destacou a necessidade de se repensar os paradigmas teóricos para avaliar a efetividade das políticas do SUS e da Atenção Primária em Saúde, que “não surgiu como conceito a partir da ideia da evidência, mas sim da realidade e das condições de vida da sociedade”.
 
Para o pesquisador, as ações em vigilância em saúde não podem apenas estar centradas nos modelos matemáticos, e sim na triangulação, “para usar a palavra da moda” - brincou ele, das relações entre dados, narrativas e situações de vida. “Mas, para fazer isso, tem de ter rebelião, e quem se rebela é punido”, alertou.
 
Essa ”rebelião” que o professor da Unicamp aponta passa pela garantia da autonomia das autoridades sanitárias, que não devem ser exercidas no atual modelo de cargos de confiança, e necessariamente, possibilitarem uma renovação regular na condução das chefias. Passa também pela radicalização da regionalização do Sistema de Saúde, proposta por ele defendida e batizada de SUS Brasil, constituindo uma carreira nacional, mas com forte ligação com bases das redes de atenção instaladas e coordenadas por estados e municípios.

Foto: Gustavo Louzada e Leonardo Sá/Porã

Fonte: Abrasco / Por Bruno C. Dias
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