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Tese apresenta quantidade de usuários de crack nas capitais brasileiras

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Publicado em:16/05/2014
 
Usuários de crack e/ou similares - cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi) - correspondem a 35% dos consumidores de drogas ilícitas (com exceção da maconha) nas capitais do país, o que soma cerca de 1 milhão de pessoas. Nas regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil, o uso de crack é bastante expressivo, sendo responsável por quase 50% do conjunto de substâncias ilícitas utilizadas (com exceção da maconha) nas capitais dessas macrorregiões. Quase 15% dos usuários de crack ou similares são menores de idade, ou seja, aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes fazem uso desses entorpecentes nas capitais do país. Estes e outros dados foram revelados na tese de doutorado em Epidemiologia em Saúde Pública pela ENSP Quantos usuários de crack e/ou similares existem nas capitais brasileiras? Resultados de um inquérito nacional com a utilização da metodologia Network Scale-Up, defendida por Neilane Bertoni dos Reis.
 
O trabalho integra a Pesquisa Nacional sobre Crack, realizada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), e coordenada pelo pesquisador do Icict, Francisco Inácio Bastos. O objetivo da tese de Neilane, concluída em abril de 2014, foi estimar o tamanho da população de usuários de crack e/ou similares nas 26 capitais e Distrito Federal por meio de duas metodologias estatísticas distintas, a metodologia direta e a indireta. Confira, abaixo, a entrevista concedida pela pesquisadora ao Informe ENSP. 
 
Informe ENSP: Qual o objetivo do seu trabalho e como ele foi desenvolvido? 
 
Tese apresenta quantidade de usuários de crack nas capitais brasileirasNeilane Bertoni: A minha tese de doutorado teve como objetivo estimar o tamanho da população de usuários de crack e/ou similares, que são cocaínas fumadas (pasta-base, merla e óxi), nas 26 capitais federais e Distrito Federal utilizando duas metodologias estatísticas distintas, a metodologia direta e a indireta. A coleta de dados foi realizada em 2012, com aproximadamente 25 mil pessoas, residentes nas capitais do país. Essas pessoas foram visitadas em seus domicílios e responderam a questões sobre suas redes sociais (de uma forma geral e com um foco em usuários de crack e outras drogas).
 
Esta metodologia é denominada Network Scale-up Method (NSUM) - o único método estatístico disponível, até o momento, capaz de estimar de forma mais precisa quaisquer populações de difícil acesso, ditas “invisíveis”, sem se limitar a extrapolações de populações conhecidas, e sem restrições quanto a estimar indivíduos detidos, presos, hospitalizados, vivendo em locais abrigados (como residências de estudantes, guarnições militares, instituições religiosas etc.), fugitivos da justiça, vítimas de catástrofes naturais, entre outros. 
 
Isto só é possível porque se trata de um método indireto, ou seja, não se pergunta diretamente ao respondente/entrevistado sobre seu próprio comportamento, e sim sobre o comportamento de outros indivíduos pertencentes à rede de contatos do respondente, residentes do mesmo município. Porém, para fins de comparação de resultados, utilizou-se também a metodologia tradicionalmente adotada em inquéritos domiciliares, que pergunta diretamente ao respondente sobre o comportamento do morador.
 
Informe ENSP: Quais os principais dados revelados na sua pesquisa?
 
Neilane: A pesquisa foi feita no ano de 2012. Portanto, estimamos que o número de usuários regulares de crack e/ou similares nas 26 capitais do país mais o distrito federal naquele período era de 370 mil pessoas, o que corresponde a 0,81% da população destes locais. E ao contrário da percepção do senso comum, as estimativas de proporção desses usuário não se mostraram mais elevadas na região Sudeste. 
 
Outra questão é que usuários de crack e/ou similares correspondem a 35% dos consumidores de drogas ilícitas (com exceção da maconha) nas capitais do país, o que soma cerca de 1 milhão de pessoas.
 
Um dado interessante foi encontrado nas capitais da região Norte. Nelas, o crack e/ou similares têm uma participação amplamente minoritária no conjunto de substâncias consumidas (cerca de 20%). No entanto, nas regiões Sul e Centro-Oeste ele é bastante expressivo, correspondendo a 52% e 47%, respectivamente, de todas as drogas ilícitas (que não a maconha) consumidas nas capitais dessas macrorregiões.
 
O estudo também avaliou o quantitativo de usuários de crack e/ou similares menores de idade. Conforme revelou a pesquisa, 14,8% dos usuários são menores de idade, o que representa, aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso dessas substâncias nas capitais do país.
 
Conforme explicado anteriormente, mediante a utilização do método NSUM, estimou-se que 0,81% da população residente nas capitais do país fazem uso regular de crack e/ou similares. Porém, utilizando-se da metodologia tradicionalmente utilizada em inquéritos domiciliares (direta), a estimativa gerada foi de 0,15%. Sendo assim, a estimativa de usuários de crack e/ou similares nas capitais do país gerada pela metodologia tradicional subestima o número de usuários obtido pelo método NSUM. Se considerarmos que estimamos cerca de 370 mil usuários de crack e/ou similares com a metodologia indireta, e aproximadamente 50 mil com a metodologia tradicional, percebemos que o número de usuários obtido pela metodologia direta é seis vezes menor do que a obtida pelo NSUM.
 
Informe ENSP: Por que os usuários de maconha foram excluídos das análises de drogas ilícitas?
 
Neilane:A exclusão da maconha das estimativas se deve a alguns fatos. A primeira questão se refere ao fato de a maconha não integrar os critérios de consumidores de drogas de alto risco (Codar) definidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS). Isso porque o seu consumo tem pequena ou nenhuma associação com a aquisição de infecções de transmissão sexual e/ou sanguínea. A partir disso, para mantermos a comparabilidade com estudos internacionais, seguimos os mesmos critérios da Opas/OMS.
 
Em segundo lugar, por ser uma droga cujo consumo é mais prevalente que o das demais drogas ilícitas, na imensa maioria dos países, inclusive no Brasil, sua estimação não se coaduna aos pressupostos do método, que se torna impreciso na estimação de populações de difícil acesso que não podem ser definidas como relativamente raras (prevalência inferior a 4% da população geral, ou seja, a grosso modo, equivalentes às populações de maior magnitude para as quais o método tem sido aplicado com sucesso, como os homens que fazem sexo com homens, por exemplo). 
 
Informe ENSP: Estes são dados inéditos no país. Você acredita que o governo pode utilizá-los para subsidiar políticas e ações? 
 
Neilane: Este estudo nos traz uma dimensão do atual problema do consumo de crack e/ou similares nas capitais do país, e pode ser visto como uma linha de base para pesquisas futuras com a utilização de mesma metodologia, com o propósito de gerar séries históricas consistentes e confiáveis. Com ele, nós não propomos diretamente intervenções ou ações. A ideia foi coletar evidências científicas de qualidade que poderão ser utilizadas pelos tomadores de decisões. 
 
A partir destas análises será possível pensar em políticas públicas que levem em consideração, por exemplo, as diferenças quantitativas em cada macrorregião para fins de elaboração e implementação de estratégias de tratamento e afins. Ressaltamos também a importância de estratégias voltadas para a população de crianças e adolescentes, apesar dessa população não constituir a maior parte de consumidores regulares de crack e/ou similares nas capitais do Brasil.

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