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O capitalismo e sua influência na questão agrária do país

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Publicado em:12/05/2014
Filipe Leonel
 
O capitalismo e sua influência na questão agrária do paísMembro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile esteve na Escola Nacional de Saúde Pública, na terça-feira (6/5), para a aula inaugural do mestrado profissional em Trabalho, Saúde, Ambiente e Movimentos Sociais. Durante o encontro, que lotou o salão internacional da ENSP, o ativista expôs como foram desenvolvidas a posse, a propriedade, o uso da terra e a organização da atividade agrícola no Brasil. Stedile discorreu sobre o processo de acumulação e dominação do capital - hegemonizado pelo capital financeiro e suas empresas transnacionais - e afirmou: "Tudo o que envolve a organização da produção agrícola é determinado pelo modo de produção geral da sociedade: o capitalismo".
 
João Pedro Stedile fez uma releitura da evolução agrária em diferentes momentos do país. Na primeira fase, segundo ele, os portugueses que aqui chegaram, em 1500, foram financiados pelo nascente capitalismo comercial europeu. Com a “invasão”, a organização da produção e a apropriação dos bens da natureza aqui existentes estiveram sob a égide das leis do capitalismo mercantil já dominante na Europa. “Tudo era transformado em mercadoria. As regras do capitalismo para obter lucro estiveram presentes na nossa formação econômica desde 1500. Tivemos uma agricultura organizada pelo capitalismo, que chegou ao absurdo de usar o trabalho não pago e o comércio das pessoas”. 
 
O modelo ‘plantation’ chegou ao fim com a abolição do trabalho escravo. E assim, o momento seguinte foi caracterizado pelo desenvolvimento do capitalismo industrial, cuja lógica de acumulação e as necessidades de reproduzir o capital impuseram novas mudanças na forma de produção e exploração do trabalho na agricultura. “Foi nesse momento que o campesinato passou a cumprir uma função no desenvolvimento do capitalismo industrial. Os camponeses emergiram a partir de duas vertentes: os milhões de pobres vindos da Europa com a promessa da terra produtiva e barata e as populações mestiças que se formaram ao longo dos 400 anos de colonização, com a miscigenação entre brancos e negros, negros e índios”. 

O capitalismo e sua influência na questão agrária do país

Do ponto de vista da questão agrária, segundo o coordenador do MST, esse período se caracterizou pela subordinação econômica e política da agricultura à indústria. “Os camponeses, por sua vez, cumpriram o papel de fornecer mão-de-obra barata para a indústria na cidade. Além disso, o êxodo contínuo da força de trabalho camponesa mantinha um exército industrial de reserva nas portas das fábricas, à espera de emprego. E a baixos salários. Outro papel está diretamente associado à produção de alimentos a preços baixos para a cidade, em especial para classe operária. Por essa razão, existe até hoje uma relação direta entre o preço da cesta básica dos produtos alimentícios de sobrevivência da classe trabalhadora urbana e o preço da força de trabalho, que é fixado no salário mínimo”, admitiu. 

O capitalismo industrial ainda introduziu na agricultura os insumos produzidos pelas indústrias, como os adubos químicos, os venenos, os agrotóxicos e a mecanização agrícola. Porém, a crise do capitalismo industrial no Brasil na década de 80 deu espaço ao neoliberalismo. Esse modelo, conforme revelou o palestrante, fez com que a organização da economia brasileira passasse a ser moldada pelo capital financeiro e as transnacionais. “Eles controlam o mercado e decidem o que vai ser produzido. A concentração da propriedade da terra não é mais gerada pela produção agrícola. As empresas dominaram o comércio agrícola mundial, em especial dos grãos, e passaram a controlar os mercados nacionais e impor preços internacionais, independente dos custos de produção locais, e impedem que os estados nacionais pratiquem políticas públicas, de interesse social, na área de armazenagem e preços”, 
 
Stedile criticou o processo de concentração do controle das agroindústrias e a tentativa, agora, de padronizar os alimentos em todo mundo. Também fez uma provocação aos alunos do mestrado profissional. “Os efeitos que essa uniformização podem trazer à saúde humana, em diferentes lugares do mundo, devem ser um bom objeto de pesquisa para o mestrado de vocês”.

O capitalismo e sua influência na questão agrária do país

Abertura do mestrado profissional em Trabalho, Saúde, Ambiente e Movimentos Sociais
 
A abertura do mestrado profissional ocorreu na segunda-feira (5/5), em solenidade que reuniu o diretor da ENSP/Fiocruz, Hermano Castro, o ex-diretor da Escola e responsável pelo processo de criação do curso, Antônio Ivo de Carvalho, os coordenadores Ary Miranda e Marcelo Firpo, o diretor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Paulo César de Castro Ribeiro, a professora da EPSJV Virgínia Fontes, a representante do Ministério da Saúde Kátia Souto, a representante do MST Nívea Silva, e o assessor de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Guilherme Franco Netto.
 
O mestrado profissional nasceu a partir de uma articulação entre a Via Campesina, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o MST e os movimentos sociais do campo com a finalidade de produzir conhecimento e avançar no processo de qualificação e formação de militantes, lideranças e profissionais do SUS que trabalham com assentamentos da reforma agrária sobre questões de saúde trabalho e ambiente.
 
O encontro teve um momento especial com a realização da mística. Uma pedagogia dos gestos com símbolos, por meio da expressão cultural, como parte da educação do campo. Os educandos (nomenclatura dada ao curso para os alunos) se expressaram através de músicas que lembraram os 50 anos do Golpe de 64 e homenagearam o criador e fundador da Comissão Pastoral da Terra e lutador pelos movimentos, o bispo Balduíno. 

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Assista, abaixo,  a conferência na íntegra e a resposta do ativista João Stedile à acusação de a Fiocruz ter se tornado um “antro de doutrinação comunista” ou acesse o canal de vídeos da ENSP no Youtube.

 


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