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Norte e Sul diferem na produção do conhecimento

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Publicado em:09/10/2013
Filipe Leonel

A relação hierárquica estabelecida entre os países do Hemisfério Norte e os do Sul, no que tange à produção do conhecimento, acaba sendo reproduzida entre os próprios países abaixo da linha do Equador. A dinâmica é a mesma quando envolve a academia e os movimentos sociais nos países dessa região. A conclusão é do professor da Universidad de los Andes, de Bogotá, na Colômbia, Daniel Eduardo Bonilla Maldonado, durante a conferência de abertura do VIII Seminário Internacional e XII Seminário Nacional Direito e Saúde, na terça-feira (8/10), na ENSP. Na opinião do professor, a hierarquização entre os próprios países do Sul e a "supremacia" da academia nesses locais criam diversos obstáculos para garantia da justiça social. 

Norte e Sul diferem na produção do conhecimento

Especialista em direito, o palestrante analisou os aspectos relacionados à produção do conhecimento no campo jurídico. Desse modo, a relação vertical que se estabelece entre o Norte e o Sul foi classificada por Bonilla como uma “divisão internacional da produção de conhecimento jurídico”. O resultado, segundo ele, leva a um questionamento sobre a produção, a legitimação e o uso do conhecimento entre os operadores do Sul. “A política de conhecimento constitucional jurídico e político tem uma hierarquia não escrita, mas firmemente arraigada, na qual as instituições acadêmicas, os movimentos sociais e as organizações sociais do Sul ocupam uma posição pouco sólida na divisão da produção do conhecimento. As instituições sulistas estão às margens do diálogo da construção do conhecimento”, admitiu o palestrante.
 
Logo após reconhecer o papel secundário dos países do Sul no processo, o conferencista questionou: “Por que seguimos às margens dessa interação, desse processo de construção que podemos chamar de constitucionalismo global?”, interrogou. “Entendemos que um direito como o da saúde, por exemplo, se baseia na produção de documentos de organizações como a OMS. Mas a questão é: por que seguimos esse processo que nos qualifica como meros difusores de conhecimento, e não como interlocutores do diálogo que permite a criação do conhecimento?”

No Hemisfério Sul, diferenças entre os países, a academia e os movimentos
 
Norte e Sul diferem na produção do conhecimentoNa perspectiva de Bonilla, cinco questões podem explicar a ausência do Sul no processo de construção do conhecimento: a baixa efetividade dos sistemas jurídicos sulistas; a reprodução das comunidades jurídicas anglo-americanas e europeias por parte do Sul; um suposto formalismo dos sistemas de direito desse hemisfério. A quarta explicação se deve à estabilidade das comunidades acadêmicas do Norte. “A quantidade, a qualidade, o rigor e a crítica dos produtos acadêmicos são maiores nas faculdades de direito, entre os movimentos e organizações sociais do Norte. As dinâmicas que regulam os espaços de discussão para avaliar o conhecimento também são maiores”, admitiu. Por último, citou o caráter fechado e provincial do mundo acadêmico dos Estados Unidos e a abertura seletiva do mundo acadêmico europeu. “Essas características reduzem qualquer discussão com os movimentos do Sul.”

Para embasar seu ponto de vista, o palestrante apresentou o conceito intitulado denominação de origem qualificada (DOQ). “Como um vinho da Itália, que antes de ser bebido é considerado de boa qualidade, um texto em inglês, publicado em uma revista americana ou europeia, produzido por um professor ou membro de movimento social do Norte, goza, antes de ser lido, de uma legitimidade que o nosso não desfruta. O nosso produto jurídico só é legítimo quando o Norte o qualifica positivamente.”
 
Na última parte da sua apresentação, Bonilla afirmou que a dinâmica internacional entre Norte e Sul se reproduz entre os países abaixo da linha do Equador e, também, entre os movimentos sociais e a academia nos países desse hemisfério. “Há uma hierarquia problemática que pode ser explicada, mas não justificada”, apontou. Em relação aos movimentos sociais e a academia, há uma hierarquização problemática de acordo com os ciclos de produção de cada instância. 

Norte e Sul diferem na produção do conhecimento

“Os movimentos consideram a academia um espaço pragmático para a construção do conhecimento. Os ciclos de produção das faculdades são considerados largos e lentos, ao passo que os do movimento são vistos como curtos e rápidos, buscando atender aos problemas pontuais de quem representa. Isso traz problemas na percepção dos movimentos sobre a academia e desta sobre aqueles. Outro obstáculo importante é a relação entre os interesses dos movimentos e a sua tradução pelos saberes especializados. Portanto, a questão da produção do conhecimento tem uma dimensão internacional, global, regional e nacional. Se existe uma hierarquização entre movimentos do Norte e do Sul, ela também ocorre no próprio Sul e entre a academia e os movimentos de seus países”, concluiu.
 
VIII Seminário Internacional e XII Seminário Nacional Direito e Saúde
 
A coordenadora do Grupo Direitos Humanos e Saúde (Dihs), Maria Helena Barros, foi a debatedora da mesa e conduziu a abertura de mais uma edição do Seminário Nacional e Internacional Direito e Saúde. Ela caracterizou o Dihs como um grupo que aposta na construção do campo direito e saúde com compromisso social e ético e no intuito de buscar o avanço dessa área na Fiocruz. “Somos uma instituição cientifica centenária, com responsabilidade social, competência técnica, mas certos de que o conhecimento cientifico não é a única forma do ‘saber’. Desde a vinda do professor Boaventura de Sousa Santos, em 2010, nos aprofundamos na discussão sobre as possibilidades de construção do conhecimento.”
 
O diretor-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados, Marcello Oliveira, anunciou parceria com o Dihs para analisar o perfil dos advogados do Rio de Janeiro. “A parceria com a Fiocruz e o Dihs nos trará informações sobre algo que nos é muito caro: a saúde do advogado. O direito e a saúde têm uma relação muito estreita. Não podemos nos reduzir a estudar, cada um, seu campo da ciência. A interseção dos campos pode levar à luta pela garantia dos direitos.”
 
O diretor da ENSP, Hermano Castro, destacou que seminários como o realizado pelo Dihs proporcionam a aproximação da academia com os movimentos sociais. Segundo ele, é preciso repensar a violência no campo das políticas públicas e suas consequências na saúde. Representando o presidente da Ficoruz, Paulo Gadelha, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), Valcler Rangel, enalteceu o caminho percorrido pelo Dihs ao combinar produção acadêmica, ensino, pesquisa e luta política. 

Norte e Sul diferem na produção do conhecimento

Outros participantes da mesa de abertura foram o pesquisador Paulo Amarante, coordenador do Laboratório de Atenção Psicossocial em Saúde; Valéria Lagrange, do Instituto de Pesquisa Evandro Chagas (Ipec); Magali Romero, da Casa de Oswaldo Cruz; Maria Collares Felipe da Conceição, do Fórum de Direito e Ambiente da Emerj; e o juiz Rubens Casara, da Emerj.

 


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