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Crack e internação compulsória: solução ou paliativo?

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Publicado em:26/09/2013

Crack e internação compulsória: solução ou paliativo?‘Você é a favor da internação compulsória para dependentes químicos?’ Esse é o novo debate que o blog Saúde em Pauta, da ENSP, está propondo à sociedade. A questão pega carona no estudo Perfil dos usuários de crack e/ou similares no Brasil, publicado recentemente pelos Ministérios da Justiça e da Saúde, mostrando que 78,9% dos usuários da droga desejam se tratar. Os dados apresentados na pesquisa resultaram em artigo redigido pelo coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP) e pesquisador da Escola, Paulo Amarante, para o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). No texto, Amarante destaca a necessidade da ‘luta contra o PL 7.663/10 (37/13 no Senado) contra as internações compulsórias e a mercantilização da questão da dependência química pelas ditas “comunidades terapêuticas” e clínicas de tratamento em regime de isolamento involuntário’ e afirma que a melhor solução é o estabelecimento de uma rede efetiva de assistência, tais como Caps, Caps-AD, Consultórios na Rua, Saúde da Família, Cras e Creas (Centros de Referência de Assistência Social e Centros Especializados), para ajudar os usuários de drogas.

Pesquisa 'Perfil dos usuários de crack e/ou similares no Brasil'

Publicada em 19 de setembro, o trabalho mostra que 78,9% dos usuários da droga desejam se tratar. De acordo com o estudo, no entanto, é baixo o acesso deles aos serviços disponíveis, como postos e centros de saúde, procurados por apenas 20% dos usuários nos 30 dias anteriores à pesquisa; unidades que fornecem alimentação gratuita (17,5%) ou instituições que fazem acolhimento, a exemplo de abrigos, casas de passagem, e os centros de Referência de Assistência Social (Cras), buscados por 12,6% dos usuários.

Em relação aos serviços para tratamento ambulatorial da dependência química nos 30 dias anteriores à pesquisa, o Centro de Atenção Psicossocial para atendimento a usuários de álcool, crack e outras drogas (Caps-AD) foi o mais acessado, ainda que por apenas 6,3% dos usuários. De acordo com os pesquisadores da Fiocruz, responsáveis pela pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), esse fato reforça "a premente necessidade de ampliação e fortalecimento desses equipamentos no âmbito da rede de saúde, assim como as pontes (serviços intermediários, agentes de saúde, redes de pares, consultórios de rua) entre as cenas de uso e os serviços já instalados". A pesquisa foi encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) à Fiocruz.

Confira aqui a íntegra da matéria publicada pela Agência Fiocruz de Notícias.

Crack: sujeitos invisíveis e abandonados pela cidadania

Crack e internação compulsória: solução ou paliativo?No artigo Crack: sujeitos invisíveis e abandonados pela cidadania, Paulo Amarante se disse surpreso com os dados da pesquisa mostrando que o consumo na região Sudeste não é o maior do país. “Embora a mídia, principalmente a televisiva, fique exibindo cotidianamente as cenas de uso denominadas de “cracolândias”, como reality shows (e não estou fazendo uso de analogia ou metáfora), incutindo no imaginário social a ideia de que o crack dominou a sociedade e que não há mais nada a fazer senão declarar (mais uma vez) a guerra total: guerra às drogas! É na esteira desta visão equivocada e simplista que nasceu o PL 7.663/10 do deputado Osmar Terra que ao invés de contribuir para solucionar vai contribuir para agravar a questão das drogas no país”, afirma.

Sobre o fato de que 80% das pessoas afirmaram interesse em tratamento, Amarante questiona o que o poder público vem oferecendo para isso. Segundo a pesquisa, apenas 6,3% dos usuários tiveram acesso aos Centros de Atenção Psicossocial especializados no tratamento de dependentes químicos, chamados de CAPS ad.

“De uma forma geral o que os dados nos levam a refletir sobre a extrema pobreza, violência e desigualdade existentes na estrutura social e que as características do uso do crack nos fazem perceber, por mais que os relatórios econômicos indiquem prosperidade para as classes populares. Ao invés de investir em repressão, como querem o PL 7.663/10 (que no Senado recebeu o número 37/2013) e muitas outras propostas do governo, ou de investir em métodos autoritários e ineficazes, que atendem mais aos interesses dos empresários do setor (internação compulsória, comunidades terapêuticas e clínicas de reabilitação de dependentes químicos), é hora de pensar em estabelecer uma rede efetiva de assistência tais como CAPS, CAPS ad, Consultórios na Rua, Saúde da Família, CRAS e CREAS (Centros de Referência de Assistência Social e Centros Especializados), em estratégias de redução de danos e um investimento socioeconômico real de melhoria da qualidade de vida, reforçando os abandonados Pontos de Cultura, os Centros de Convivência, as escolas, as áreas e projetos de lazer e esporte, os meios de transporte público (a gota d´água das manifestações de junho), os espaços e projetos públicos de valorização das comunidades e das pessoas”, ressalta o pesquisador.

A íntegra do artigo pode ser lida aqui.

Entrevista

Em recente entrevista para o Informe ENSP, Paulo Amarante abordou essa mesma questão de forma bem franca. O pesquisador diz apoiar a visão da juíza Maria Lúcia Karam em prol da liberação de todas as drogas, entendendo que isso não acarretará aumento do número de usuários. Ele fala também sobre o PL 7.663/10 (Projeto de Lei do deputado Osmar Terra), que estabelece a internação compulsória para desintoxicação e o credenciamento de comunidades terapêuticas no âmbito do Ministério da Saúde, e segue na defesa da ampliação do papel dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para combater o que chama de retrocesso do processo de reforma psiquiátrica no país.

Confira aqui
a entrevista com Paulo Amarante.

Blog Saúde em Pauta

O blog Saúde em Pauta é um espaço de debates para pesquisadores, profissionais de saúde, alunos e visitantes, que poderão enviar seus comentários e promover discussões on-line sobre temas em destaque. Participe em http://saudeempauta.ensp.fiocruz.br/ se você é a favor ou contra a internação compulsória para usuários de drogas, conforme está sendo proposto por nossos governantes.

O Saúde em Pauta é um blog que se propõe a promover o debate qualificado sobre as relações políticas, sociais, econômicas, culturais e históricas que influenciam a sociedade, em especial no que se refere ao setor saúde. É um espaço democrático de reflexão política, aberto aos profissionais de saúde, que estão convidados a enviar suas opiniões sobre os assuntos em debate.


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1 comentários
ELVIRA MARIA GODINHO DE S. MACIEL
27/09/2013 14:30
A pesquisa da Fiocruz sem dúvida, é séria e relevante. Temos, no entanto, algumas reflexões a fazer. Os usuários abordados obedeciam a certo perfil que é o daqueles que fazem uso de drogas ilícitas em locais públicos. Mas e aqueles inacessíveis aos pesquisadores: adultos, adolescentes, jovens e adultos de classe média ou classe média alta que ainda mantêm os vínculos familiares e usam drogas em casa, no escritório ou em outros locais privados; que buscam ajuda em serviços privados e têm seu ?anonimato? protegido pela família para a qual ter um membro dependente de drogas é um tabu? O sofrimento e a degradação desses usuários invisíveis por outros motivos e que, portanto, dificilmente serão contados pelas pesquisas não é menor do que o dos frequentadores das cracolândia. A cocaína - e não o crack ? é provavelmente sua droga de eleição, mas também usam crack em determinadas situações. Ocorrências policiais são frequentes nesse grupo, há furtos, roubo, violência e agressão física, suicídios e homicídios... e sigilo. Em diversas clínicas privadas a internação involuntária de dependentes químicos é, infelizmente, uma prática, inclusive sem qualquer passagem por vias jurídicas, o único requisito é ter como pagar as diárias. Em muitas delas o tratamento é irracional, desumano, e mostra-se ineficaz tão logo o indivíduo se veja livre da internação. Há inúmeros casos de internação por vários meses, diversas internações compulsórias, nas quais não há qualquer chance de apelação, uma vez que as famílias acreditam estar fazendo o que devem. E não se pode culpá-las, a convivência diária com esta situação é dramática. Medo, desinformação, desamparo. A política nacional deve levar essa realidade não aparente em consideração. Ao contempla-la, o número de usuários deve aumentar, o problema e sua complexidade idem, mas se quisermos nos envolver seriamente com a situação em suas diversas dimensões, é preciso temperar os dados que foram revelados pelo inquérito nacional, assim como o levantamento que traçou o perfil dos usuários. Os pontos de venda de drogas, os modos de comercialização e circulação, as ocorrências nas Delegacias, a procura por grupos de ajuda mútua espalhados por toda a cidade e que recebem adolescentes e jovens em número cada vez maior (embora só uma pequena parte permaneça) nos ajudam a clarear esta parte do problema obscurecida pelo interdito, pela vergonha. Devemos encarar o fato de que todas as classes sociais padecem do mal da dependência química, quem sabe em níveis tão significativos de gravidade quanto os vistos na população pesquisada. Ou corremos o risco de encarar, sem críticas, a dependência química como um problema associado à falta de escolaridade, à baixa renda, ao desemprego. O que, certamente, não nos levará à proposição de políticas de assistência, prevenção e defesa de direitos adequadas sob a crença de que a internação compulsória ainda não ocorre, embora esteja ocorrendo diariamente. Luto contra a internação involuntária e espero que não seja legalizada. Mas ressalto que no contato com usuários que foram internados em serviços privados, conheci histórias muito tristes que resultaram em sequelas emocionais nada desprezíveis. E espero que esses indivíduos, também invisíveis, não sejam esquecidos.