Crack e internação compulsória: solução ou paliativo?
‘Você é a favor da internação compulsória para dependentes químicos?’ Esse é o novo debate que o blog Saúde em Pauta, da ENSP, está propondo à sociedade. A questão pega carona no estudo Perfil dos usuários de crack e/ou similares no Brasil, publicado recentemente pelos Ministérios da Justiça e da Saúde, mostrando que 78,9% dos usuários da droga desejam se tratar. Os dados apresentados na pesquisa resultaram em artigo redigido pelo coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP) e pesquisador da Escola, Paulo Amarante, para o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). No texto, Amarante destaca a necessidade da ‘luta contra o PL 7.663/10 (37/13 no Senado) contra as internações compulsórias e a mercantilização da questão da dependência química pelas ditas “comunidades terapêuticas” e clínicas de tratamento em regime de isolamento involuntário’ e afirma que a melhor solução é o estabelecimento de uma rede efetiva de assistência, tais como Caps, Caps-AD, Consultórios na Rua, Saúde da Família, Cras e Creas (Centros de Referência de Assistência Social e Centros Especializados), para ajudar os usuários de drogas.
Pesquisa 'Perfil dos usuários de crack e/ou similares no Brasil'
Publicada em 19 de setembro, o trabalho mostra que 78,9% dos usuários da droga desejam se tratar. De acordo com o estudo, no entanto, é baixo o acesso deles aos serviços disponíveis, como postos e centros de saúde, procurados por apenas 20% dos usuários nos 30 dias anteriores à pesquisa; unidades que fornecem alimentação gratuita (17,5%) ou instituições que fazem acolhimento, a exemplo de abrigos, casas de passagem, e os centros de Referência de Assistência Social (Cras), buscados por 12,6% dos usuários.
Em relação aos serviços para tratamento ambulatorial da dependência química nos 30 dias anteriores à pesquisa, o Centro de Atenção Psicossocial para atendimento a usuários de álcool, crack e outras drogas (Caps-AD) foi o mais acessado, ainda que por apenas 6,3% dos usuários. De acordo com os pesquisadores da Fiocruz, responsáveis pela pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), esse fato reforça "a premente necessidade de ampliação e fortalecimento desses equipamentos no âmbito da rede de saúde, assim como as pontes (serviços intermediários, agentes de saúde, redes de pares, consultórios de rua) entre as cenas de uso e os serviços já instalados". A pesquisa foi encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) à Fiocruz.
Confira aqui a íntegra da matéria publicada pela Agência Fiocruz de Notícias.
Crack: sujeitos invisíveis e abandonados pela cidadania
No artigo Crack: sujeitos invisíveis e abandonados pela cidadania, Paulo Amarante se disse surpreso com os dados da pesquisa mostrando que o consumo na região Sudeste não é o maior do país. “Embora a mídia, principalmente a televisiva, fique exibindo cotidianamente as cenas de uso denominadas de “cracolândias”, como reality shows (e não estou fazendo uso de analogia ou metáfora), incutindo no imaginário social a ideia de que o crack dominou a sociedade e que não há mais nada a fazer senão declarar (mais uma vez) a guerra total: guerra às drogas! É na esteira desta visão equivocada e simplista que nasceu o PL 7.663/10 do deputado Osmar Terra que ao invés de contribuir para solucionar vai contribuir para agravar a questão das drogas no país”, afirma.
Sobre o fato de que 80% das pessoas afirmaram interesse em tratamento, Amarante questiona o que o poder público vem oferecendo para isso. Segundo a pesquisa, apenas 6,3% dos usuários tiveram acesso aos Centros de Atenção Psicossocial especializados no tratamento de dependentes químicos, chamados de CAPS ad.
“De uma forma geral o que os dados nos levam a refletir sobre a extrema pobreza, violência e desigualdade existentes na estrutura social e que as características do uso do crack nos fazem perceber, por mais que os relatórios econômicos indiquem prosperidade para as classes populares. Ao invés de investir em repressão, como querem o PL 7.663/10 (que no Senado recebeu o número 37/2013) e muitas outras propostas do governo, ou de investir em métodos autoritários e ineficazes, que atendem mais aos interesses dos empresários do setor (internação compulsória, comunidades terapêuticas e clínicas de reabilitação de dependentes químicos), é hora de pensar em estabelecer uma rede efetiva de assistência tais como CAPS, CAPS ad, Consultórios na Rua, Saúde da Família, CRAS e CREAS (Centros de Referência de Assistência Social e Centros Especializados), em estratégias de redução de danos e um investimento socioeconômico real de melhoria da qualidade de vida, reforçando os abandonados Pontos de Cultura, os Centros de Convivência, as escolas, as áreas e projetos de lazer e esporte, os meios de transporte público (a gota d´água das manifestações de junho), os espaços e projetos públicos de valorização das comunidades e das pessoas”, ressalta o pesquisador.
A íntegra do artigo pode ser lida aqui.
Entrevista
Em recente entrevista para o Informe ENSP, Paulo Amarante abordou essa mesma questão de forma bem franca. O pesquisador diz apoiar a visão da juíza Maria Lúcia Karam em prol da liberação de todas as drogas, entendendo que isso não acarretará aumento do número de usuários. Ele fala também sobre o PL 7.663/10 (Projeto de Lei do deputado Osmar Terra), que estabelece a internação compulsória para desintoxicação e o credenciamento de comunidades terapêuticas no âmbito do Ministério da Saúde, e segue na defesa da ampliação do papel dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para combater o que chama de retrocesso do processo de reforma psiquiátrica no país.
Confira aqui a entrevista com Paulo Amarante.
Blog Saúde em Pauta
O blog Saúde em Pauta é um espaço de debates para pesquisadores, profissionais de saúde, alunos e visitantes, que poderão enviar seus comentários e promover discussões on-line sobre temas em destaque. Participe em http://saudeempauta.ensp.fiocruz.br/ se você é a favor ou contra a internação compulsória para usuários de drogas, conforme está sendo proposto por nossos governantes.
O Saúde em Pauta é um blog que se propõe a promover o debate qualificado sobre as relações políticas, sociais, econômicas, culturais e históricas que influenciam a sociedade, em especial no que se refere ao setor saúde. É um espaço democrático de reflexão política, aberto aos profissionais de saúde, que estão convidados a enviar suas opiniões sobre os assuntos em debate.
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