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Violência de Estado interfere na situação de saúde

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Publicado em:02/09/2013
Amanda de Sá

Violência de Estado interfere na situação de saúde"Todo ato violento, de alguma forma, se vincula à violência de Estado." Foi o que disse o psiquiatra e professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Marco Aurélio Soares Jorge, em debate promovido pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP). Ele apresentou dados sobre as taxas de homicídios de jovens nos grandes centros urbanos, que são mais altas especialmente em épocas de grande corrupção no Estado. Durante o evento, a pesquisadora do Claves Kathie Njaine lembrou o 'Caso Careli' como um exemplo histórico de violência do Estado. O funcionário da Fiocruz Jorge Careli desapareceu há 20 anos, após ser confundido com um sequestrador por policiais da Divisão Antissequestro (DAS).

Na opinião do professor, a violência afeta diretamente a saúde. “O modelo clássico biomédico busca a compreensão apenas física do que é saúde ou doença, mas deve-se pensar a questão de forma mais ampliada, numa visão coletiva, abrangendo habitação, diferenças sociais e a própria violência. Não é só pensar num conceito ampliado de saúde, é pensar que ela tem a ver com o sujeito participativo, inserido no coletivo", completou.

Marco Aurélio falou sobre o surgimento da Clínica Política, na qual o indivíduo é colocado em um contexto maior, envolvendo todas as questões sociais e políticas em que esteja inserido. Nesse caso, o processo de adoecimento pode estar associado a uma situação de silenciamento. “O trabalho desenvolvido não é técnico. Consiste em uma nova forma de se pensar a clínica; de olhar a situação de uma pessoa que vem procurar atendimento não seguindo o modelo biomédico tradicional, mas pensando no coletivo que acompanha o indivíduo, além de sua situação de vida e história. O processo de adoecimento é o sujeitamento a essa condição."

A psicóloga Vera Vital Brasil também participou do evento. De acordo com ela, a denominação de equipe clinico-política tenta marcar que a clínica é indissociável da política. Ela relembra o endurecimento do regime civil e militar em 1968, período de maior violência política no Brasil. “É preciso analisar o que ocorria antes no país: uma efervescência social, lutas pelo direito à cidadania, grandes mobilizações sociais afastadas pelo projeto de imposição de determinada política, por meio do regime de força e do bloqueio daqueles setores, que se manifestavam reivindicando mais direitos, como a Reforma Agrária e a participação social. Todas as pessoas que se opunham à lógica do regime foram perseguidas, desaparecidas, presas, torturadas ou então mortas”, disse.

Segundo Vera, a violência na época da ditadura foi tão devastadora que afetou a concepção de vida dessas pessoas, gerando medo, terror e culpa. “Um silenciamento profundo se abateu na sociedade e trouxe desconhecimento”. A partir da necessidade de recuperar o que se viveu no passado, informou ela, surgiu a Clínica do Testemunho, com o objetivo de ampliar o debate com os setores que foram atingidos pela violência de Estado no período ditatorial. “Esse projeto tem três componentes centrais: atenção clínica, capacitação para profissionais da área de saúde mental e elaboração de subsídios para criação de uma política pública na área de atenção aos afetados pela violência de Estado. No projeto, recebemos exclusivamente as pessoas que sofreram violência do Estado na época da ditadura, mas a interlocução com as equipes que trabalham com a violência atual é fundamental, porque, a partir daí, criamos elementos de subsídio para a criação de uma política pública."

Para a psicóloga, falar sobre aquilo que se viveu tem um valor fundamental mesmo após 40 anos. “Nós temos ido a diversas instituições psicanalíticas explicando o trabalho clínico que desenvolvemos, e os próprios psicanalistas começaram a falar sobre o que eles passaram. O testemunho hoje está em cena, porque as Comissões da Verdade em torno do tema Memória, verdade e justiça, uma das medidas da justiça de transição, estão se propagando no país inteiro, buscando o esclarecimento sobre o que ocorreu, o porquê e como ocorreu. Hoje, o cenário é da verdade. Democracia se faz com a verdade. Nós não acreditamos em uma democracia em que os direitos humanos não estão assegurados”, opinou.

O debate Violência de Estado – questão de cidadania e saúde foi promovido no dia 23/8 pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP) e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

Confira, na Biblioteca Multimídia da ENSP, os áudios do evento.

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