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Saúde Mental ENSP: curso comemora 30 anos

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Publicado em:17/12/2012

O seminário Desafios Contemporâneos na Política de Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica, realizado na ENSP entre os dias 13 e 14 de dezembro, marcou a comemoração dos 30 anos do curso de especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, coordenado pelo pesquisador da Escola Paulo Amarante. No primeiro dia do encontro, ocorreram dois amplos debates: a luta de um pesquisador contra um conjunto de hospitais manicomiais em uma cidade brasileira; e os desafios políticos enfrentados durante o processo da reforma psiquiátrica brasileira.

Saúde Mental ENSP: curso comemora 30 anosSorocaba concentra o maior número de leitos psiquiátricos do país pelo SUS. Tendo essa premissa como base, o pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (SP) Marcos Garcia foi responsável pelo estudo “Levantamento de indicadores sobre os manicômios de Sorocaba e região”¸ realizado em 2011. O propósito do trabalho foi contribuir com elementos para a realização de um diagnóstico sobre a saúde mental no município. Em seu estudo, Marcos Garcia fez um histórico da criação e desenvolvimento dos manicômios na região, levantou a situação financeira, o número de funcionários, de pacientes indocumentados e o número e causas de óbitos de pacientes.

Tais resultados foram apresentados na palestra A (ainda) situação de violência dos manicômios: o caso de Sorocaba, durante o seminário comemorativo dos 30 anos do curso de especialização em Saúde Mental, em 13 de dezembro. Marcos Garcia apontou a morte de 863 pessoas num período de oito anos. A mortalidade calculada em óbitos/mês para cada mil internos na região foi de 3.025 no período entre 2004 e 2011, sendo 118% maior que a dos outros 19 manicômios do estado com mais de 200 leitos, que registraram 1.386 óbitos/mês. A média de idade dos pacientes falecidos mostrou-se também significativamente menor na região (53 anos) em contraponto ao restante do estado de SP (62 anos).

Por conta desses dados, Marcos Garcia está sofrendo processo judicial das empresas particulares donas de manicômios na cidade de Sorocaba. Ele explicou que, com a divulgação dos resultados, está sendo processado em R$ 80 mil por danos materiais e morais, uma vez que seis instituições de Sorocaba consideraram os dados inexatos, equivocados ou passíveis de erros. “Essa ação na Justiça é descabida de embasamento, já que todos os dados da pesquisa foram obtidos no Datasus, sistema do próprio Ministério da Saúde”, explica. “É uma iniciativa clara de tentar censurar a liberdade de pesquisa e abre um precedente perigoso no Brasil.”

Recentemente, o Ministério Público de Sorocaba e a OAB-SP entraram com ação de intervenção na conduta desses hospitais para que cumpram exigências determinadas pelo Ministério da Saúde. As ações estipulam a existência de um corpo técnico especializado para atendimento das necessidades dos pacientes psiquiátricos, tais como terapeutas ocupacionais, enfermeiros em número suficiente e auxiliares. Segundo Paulo Amarante, essa é uma vitória da luta pela reforma psiquiátrica brasileira ao consolidar um processo político de desinstitucionalização dos hospitais da região.

Crises econômicas e ambientais e sua relação com as demandas e políticas sociais atuais

A mesa Desafios políticos da reforma psiquiátrica brasileira e suas implicações teóricas, proferida pelo pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eduardo Mourão, ocorreu na parte da tarde do primeiro dia do seminário. O debate foi mediado pela pesquisadora e coordenadora do Grupo de Direitos Humanos da ENSP, Maria Helena Barros. Em sua fala, Eduardo analisou a conjuntura histórica mundial trazendo o tema para a realidade brasileira, na intenção de pensarmos a estratégia nacional político-teórica dentro da reforma psiquiátrica. De acordo com ele, hoje, não podemos falar de conjuntura política sem pensar na internacionalização dos frutos econômicos, financeiros, industriais e tecnológicos. 

Saúde Mental ENSP: curso comemora 30 anos"Estamos vivendo um processo geral de desregulamentação, mundialização e aceleração dos fluxos capitalistas. Esse processo gera um mercado impessoal em que ninguém controla ninguém. Tudo isso acontece em paralelo com uma crise ambiental causada pela depredação do meio ambiente, o uso abusivo de recursos naturais, utilização de fontes energéticas fósseis não renováveis, entre outros. Essa nova realidade atingirá a Europa, mas ela será gravíssima, particularmente na África, onde a desertificação já é sabido que será cada vez maior. Inclusive, podemos dizer que o padrão civilizatório que temos hoje está quebrando os fundamentos da sobrevivência da vida do planeta. E a velocidade da conversão necessária não se visualiza em curto prazo por causa da crise econômica que vivemos", considerou ele.

Eduardo falou sobre as implicações dessas crises para a maioria da população e para as políticas sociais. Segundo o pesquisador, é preciso pensar a nossa estratégia, pois o padrão de mundialização quebra a capacidade de cada estado-nação sustentar de forma autônoma políticas internas de infraestrutura e de bem-estar social. Já do ponto de vista psicossocial, ele afirmou que ocorre hoje um fenômeno muito importante de ser analisado: a desarticulação da perspectiva de futuro. "Quando se perde a dimensão de futuro, particularmente jovens que vivem em comunidades pobres, fica mais fácil ser atraído pelo tráfico e pelo uso de drogas. E é por isso que a faixa de homens de 14 a 25 anos concentra uma enorme taxa de mortalidade em todo o país, que se equivale a países de guerra civil", ressaltou Eduardo.

Ele comentou que o aumento da violência em todo o país gerou, no Brasil, uma enorme taxa de incidência pós-traumática. Alguns estudos mostram que, em São Paulo, em um futuro próximo, pelo menos 5% da população sofrerá com neurose pós-traumática ou fobia social. "Isso implica algo que nós da reforma psiquiátrica temos dificuldade em investir, que é o quadro de necessidade de atendimento ambulatorial de transtorno mental comum. Infelizmente, nós não temos condições de responder imediatamente a essa demanda."

Para ele, a estratégia utilizada não é errada. A questão é que tem aumentado o gap assistencial nessa área. O pesquisador apontou que algumas tendências demográficas são associadas a isso, como o enfraquecimento dos laços conjugais, aumento do número de famílias monoparentais, a crescente participação da mulher no mercado de trabalho e seu sobretrabalho doméstico, a pouca participação do homem no cuidado, entre outros. "Precisamos acertar a nossa estratégia pensando em como vamos lidar com o manicômio, porém não mais o manicômio fechado. E sim o manicômio da pobreza e da violência, da desfiliação social na rua. Isso tem crescido enormemente e, como temos visto, se torna mais agudo em cidades turísticas, como o Rio de Janeiro, por exemplo."

Eduardo acredita que o desafio é pensar em como será incorporada a estratégia antimanicomial para esse estágio da desfiliação generalizada que está na rua e é negligenciada. "No campo da saúde mental, podemos pensar que há um sucateamento das políticas sociais, subfinanciamento, privatização, terceirização e redução de espaços de participação e controle social. Além disso, outro grande desafio é a alta rotatividade dos gestores e profissionais de saúde mental, que não têm na sua formação a história e a cultura da luta democrática antiditadura ou da luta da reforma psiquiátrica", apontou.

Sobre a celebração dos 30 anos do curso de especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, Eduardo assegurou que esta formação tem o papel fundamental de levar a perspectiva da reforma a companheiros e profissionais pelo Brasil afora. Segundo ele, a especialização busca trazer os profissionais de saúde e gestores que estão no serviço novamente para a academia.

Sua apresentação foi baseada em um artigo publicado na ultima edição da revista Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, da Associação Brasileira de Saúde Mental.

(Foto Marcos Garcia - arquivo Abrasco 2012)


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