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Ativismo social pela saúde comunitária no Brasil é aprendizado para Portugal

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Publicado em:09/11/2012

“O Serviço Nacional de Saúde em Portugal - equivalente ao SUS no Brasil - é um alvo privilegiado do ataque dos alimentadores da crise. Seu propósito é desmantelar um serviço público de qualidade e tornar a saúde uma área de negócio regida pelo princípio próprio de toda a atividade econômica privada: a maximização do lucro”. Foi o que disse o coordenador do Núcleo de Humanidades, Migrações e Estudos da Universidade de Coimbra, José Manuel Pureza, em entrevista ao Informe ENSP. Para ele, o ativismo social pela saúde comunitária no Brasil é uma fonte de aprendizagem muito importante para Portugal, sendo essencial, nesse contexto, a luta em torno do significado e alcance do próprio conceito de saúde, que autorresponsabiliza os indivíduos pela sua saúde.

Informe ENSP: Como a situação da crise econômica na Europa influencia a saúde da população? Quais as mudanças que a economia promove no campo da saúde em seu país?

Ativismo social pela saúde comunitária no Brasil é aprendizado para PortugalJosé Manuel Pureza: A crise atual na Europa é acima de tudo o resultado de uma ofensiva inédita contra o contrato social, contra os serviços públicos e os direitos sociais. A crise é uma política deliberada e muito bem organizada de impor uma transferência brutal de rendimento do trabalho para o capital, atacando os salários, as pensões e as prestações sociais, e não beliscando os privilégios do sistema financeiro e dos grandes operadores de evasão fiscal. Neste contexto, o Serviço Nacional de Saúde em Portugal - equivalente ao SUS no Brasil - é um alvo privilegiado do ataque dos alimentadores da crise. Seu propósito é desmantelar um serviço público de qualidade e tornar a saúde uma área de negócio regida pelo princípio próprio de toda a atividade econômica privada: a maximização do lucro. Ora, se hoje Portugal é um país com indicadores de saúde de grande qualidade - por exemplo, a baixíssima taxa de mortalidade infantil – isso se deve à qualidade e à capacidade inclusiva do Serviço Nacional de Saúde. A privatização e a desqualificação do SNS abrem, por isso, as portas a um dualismo entre pobres e ricos na saúde, o que a deixa muito mais vulnerável. E, nessa matéria, Portugal é apenas um exemplo, porventura um laboratório, do que está a ser feito, ou já o foi, em todo o espaço europeu.

Informe ENSP: Que pesquisas vêm sendo desenvolvidas por meio desse convênio entre a ENSP/Fiocruz e a Universidade de Coimbra? Quais as características desse termo de cooperação?

José Manuel Pureza: A ENSP/Fiocruz e a Universidade de Coimbra, por meio do Centro de Estudos Sociais, vêm mantendo intensa colaboração que resulta do entendimento, comum às duas instituições, de que a produção de conhecimento nunca é neutra do ponto de vista político e social, e o desafio da interdisciplinaridade é absolutamente fundamental no nosso tempo. Além da colaboração muito intensa em projetos de pesquisa envolvendo pesquisadores e pesquisadoras das duas instituições, o nosso convênio dá, agora, lugar à criação de um programa de doutorado, com dupla titulação na área de Direitos Humanos e Saúde. Trata-se de um programa inovador, pioneiro mesmo, que abre uma frente de trabalho muito prometedora, com possibilidade de afirmação da nossa pauta comum e da formação de redes internacionais envolvendo pesquisadores e pesquisadoras de mais países que comungam das nossas prioridades.

Informe ENSP: Essa interseção entre as linhas de pesquisa das duas instituições promove que tipos de colaboração ao aprendizado na busca pela melhoria da saúde pública?

José Manuel Pureza: Ambas as instituições querem estar na primeira linha de produção de um conhecimento que sirva à causa da emancipação das pessoas e rompa com as práticas dominantes de um conhecimento que só serve para desapossar as pessoas de seus direitos e de suas expectativas. A experiência brasileira de ativismo social pela saúde comunitária é uma fonte de aprendizagem muito importante para Portugal, bem como a compreensão de que, no seio desse ativismo, ganha corpo uma luta essencial em torno do significado e alcance do próprio conceito de saúde. Em um tempo como o nosso, em que vem ganhando hegemonia um entendimento de saúde que autorresponsabiliza os indivíduos por sua saúde, ao sabor de uma visão disciplinadora das relações sociais e da agenda de interesses do complexo médico-industrial, é essencial, nesse domínio, construir ciência cidadã da melhor qualidade e com a melhor capacidade de combater esse senso comum desumanizador. A Fiocruz e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra têm essa capacidade. E têm, acima de tudo, essa responsabilidade.

Informe ENSP: Entre as linhas de pesquisa que o senhor atua em sua instituição está a construção teórica da paz? Fale-nos sobre isso.

José Manuel Pureza: Os meus campos de pesquisa têm sido fundamentalmente dois. Por um lado, a compreensão de como os direitos humanos vêm se afirmando como referências na luta pela dignidade das pessoas e dos povos, mas também de como eles são apropriados pelas agendas dos poderes dominantes em escala global para legitimarem sua política de dominação. Na verdade, o humanitarismo é hoje um dos mais fortes argumentos de justificação de políticas de agressão, de redesenho radical de sociedades e culturas ou de disciplina das periferias turbulentas. Em articulação com isso, o meu outro campo de pesquisa principal é o das construções teóricas da paz. Procuro estudar como se formou a hegemonia de um determinado discurso sobre a paz e quais são as alternativas que arrancam da crítica desse discurso hegemônico e da revelação das muitas guerras que há dentro da paz formal.


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