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Saúde e Direito: campos que caminham juntos

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Publicado em:24/10/2012

Direitos Humanos, Saúde e Movimentos Sociais foi o tema do VII Seminário Internacional e XI Seminário Nacional Direito e Saúde, realizado em 23/10 pelo Grupo de Direitos Humanos e Saúde Helena Besserman (Dihs/ENSP). O diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, destacou o trabalho do Dihs. “O Sistema Único de Saúde (SUS) nasce sob a égide do direito. Ele é fruto da introdução dessa temática do direito do atendimento, do acesso aos serviços de saúde. A trajetória de construção do SUS, que está inconclusa, alimenta-se até hoje da introjeção da ideia do direito, da construção da cidadania. A saúde não é obra dos profissionais, da tecnologia, e sim uma obra coletiva da cidadania.” E completou: "O Dihs concretiza a parceria estratégica intelectual de práticas que vêm beneficiando o direito à saúde. Essa coalizão entre referenciais teóricos do direito e da saúde marca nossa trajetória, e a construção do SUS depende da compreensão dessa interface que envolve cidadãos como sujeitos do processo."

 

Antônio Ivo recebeu uma placa de homenagem “pela sua história de compromisso com o direito à saúde”, disse Maria Helena Barros de Oliveira, coordenadora do Dihs. Para o homenageado, o Dihs pode ser considerado um modelo a ser aplicado globalmente. Ele elogiou a liderança da coordenadora e sua capacidade de promover iniciativas inovadoras, que fazem articulação com a sociedade e com setores diversos da área pública. “Sempre digo que os alunos que recebemos anualmente iluminam essa Escola. Por isso investimos na gestão do conhecimento para multiplicar as possibilidades de expandi-lo.”

 

O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, esteve presente ao evento e saudou o diretor Antônio Ivo de Carvalho como um grande animador da construção desse campo do Dihs. “A Fiocruz está refletindo, exercendo ações onde o direito e a saúde estão presentes. Os produtos desse seminário vão além das discussões, e faremos parte de maneira positiva.” 

 

A desembargadora da Escola da Magistratura do Estado do RJ (Emerj), Leila Mariano, disse que a sociedade exige respostas rápidas e complexas para questões como a transexualidade e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Assim, o Poder Judiciário necessita de uma formação humanística. “Precisamos estabelecer focos estratégicos voltados para sustentabilidade, principalmente no que concerne o direito à vida, o direito à saúde.”

 

“O modelo da ENSP e do Dihs deve ser copiado por todas as instituições. É muito importante trabalhar de forma multidisciplinar hoje em dia, porque os problemas sociais e econômicos têm multidimensionalidade, o que requer respostas complexas”, disse o diretor executivo do Centro Payson de Desenvolvimento Internacional, da Universidade de Tulane, EUA. Para Colin Crawford, o Brasil passa por um período de boom econômico, mas existe risco inerente, tal como ocorreu em seu país. “Há quatro anos, passamos por uma crise que afeta a saúde das pessoas, porque viramos um país desigual. Portanto, é importante a luta pela igualdade em todos os sentidos”, afirmou.

 

Expressando indignação, o coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental (Laps/ENSP), Paulo Amarante, considera um retrocesso a criminalização e internação compulsória dos usuários de drogas das comunidades do RJ e a tomada de território pelas Unidades de Polícia Pacificadora. “É uma grave violação dos direitos humanos esse excesso de violência, uma afronta à democracia. Estamos virando consumidores, mas perdendo direitos de cidadania”, disse referindo-se ao aumento do poder de consumo das classes menos abastadas.

 

Também participaram da mesa de abertura a desembargadora da Emerj, Maria Collares, e a representante do Instituto de Pesquisa Evandro Chagas/Fiocruz, Marília Santini.

 

Documentário denuncia condições de trabalho dos cortadores de cana

 

Na parte da tarde, o tema foi Movimentos sociais no mar e na terra. Sob a coordenação da pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Tânia Fernandes, a mesa foi composta com a presença do professor da Universidade Federal do RJ, José Roberto Novaes, e da diretora da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de SP (Feraesp), Carlita Costa. Houve também a exibição do documentário “Conflito: saúde do trabalhador e o agronegócio da cana”. Ele trata sobre uma greve de 7 dias, em outubro de 2011, quando 350 trabalhadores de uma usina de produção de álcool e açúcar participaram e reivindicaram demissão pelas más condições de trabalho e pagamento abaixo da produção. O vídeo contou com imagens filmadas pela Feraesp e captadas pelos aparelhos celulares dos trabalhadores.

 

De acordo com Novaes, o Brasil, atualmente, tem 430 unidades de produção de álcool e açúcar, sendo a maior parte no interior de São Paulo. Ele informou que a colheita da cana é feita de forma mecanizada e por corte manual. Este último exige uma produção mínima por parte do trabalhador de 12 toneladas ao dia. Segundo Novaes, esses trabalhadores são jovens migrantes nordestinos com muita habilidade profissional. Eles ficam no interior de SP durante o tempo de duração da safra, de abril a novembro, e depois retornam ao seu estado de origem. Cada turma de trabalho é composta de 40 pessoas. Um ônibus em péssimas condições de uso faz o transporte desses trabalhadores até a usina. 

 

“Por conta da ideia passada pela mídia, todos acreditam que o álcool é energia limpa. Porém, na noite anterior ao corte da cana, o canavial é queimado para aumentar a produtividade, causando poluição do ar e gerando problemas respiratórios à população”, disse Novaes. Ainda segundo ele, um líquido analgésico, antes de os trabalhadores iniciarem o trabalho, é oferecido a eles em razão de diminuir as dores que sentem na coluna, pernas, braços e mãos. Além disso, em média, 30% da produção dos trabalhadores é roubada, já que a medição da quantidade de cana cortada por cada um é feita pelo fiscal sem a presença deles.

 

Carlita Costa, que foi cortadora de cana, hoje defende os trabalhadores que a procuram para denunciar as condições ruins que eles vivem nas usinas. Em depoimento emocionado perante o público do auditório da ENSP, ela disse: “O Brasil mostrou para fora que fez acertos nas usinas; 169 usinas no estado de SP receberam o selo por boas práticas. Mas por dentro ficou pior, não dão equipamentos direitos para o trabalhador.”

 

Carlita citou o exemplo de um trabalhador que foi premiado com o “podão de ouro” pela sua alta produtividade. “Ele acabou ficando tão doente que morreu. A vida útil do cortador de cana não passa de 15 anos. E a Previdência não ampara. A vida é muito cruel, e eles vivem assim porque não têm outra saída. Esse tipo de serviço mata, destrói. Eu fui cortadora e visito os alojamentos. Vejo as condições de trabalho, chego em casa e não consigo me desligar, vivo angustiada”, lamentou. Carlita revelou que já sofreu diversas ameaças de morte, mas não desiste: “Vivo cada dia como se fosse o último, por isso faço tudo direito.”



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