Busca do site
menu

População de rua: ações, perspectivas e desafios

ícone facebook
Publicado em:20/09/2012

Tatiane Vargas

 

"Os rótulos e estigmas da população de rua precisam ser ressignificados para não haver preconceito e exclusão. O dispositivo Consultório na Rua é potencial para introduzir essa população no Sistema Único de Saúde, tendo como porta de entrada a atenção básica", destacou o apoiador institucional do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Alexandre Trino, no I Seminário de Experiências da Atenção Primária em Saúde com População de Rua. O evento iniciou na quarta-feira (19/9) e prossegue até sexta-feira (21/9), com apresentações de experiências exitosas no tratamento da população de rua em diversos estados do país. Trino, responsável pela palestra de abertura, explicou conceitos fundamentais para profissionais que atuam com população de rua. Confira na Biblioteca Multimídia da ENSP as apresentações do seminário.

 

Além de Alexandre Trino, a abertura do evento contou com o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel; o assessor de Saúde Mental na Área Técnica de Álcool e Outras Drogas da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, Sérgio Alarcon; e a coordenadora da iniciativa Teias-Escola Manguinhos (ENSP/Fiocruz), Elyne Engstrom. Para Trino, o seminário é um espaço aglutinador de profissionais de diversas áreas para discussão de um tema tão caro à saúde.

 

População de rua: ações, perspectivas e desafios

 

O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, que representou, no evento, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha  também presidente da Comissão Brasileira de Drogas e Democracia –, falou sobre a necessidade de trabalhar a temática das drogas relacionada à população de rua, por meio de uma abordagem integral da questão no âmbito da saúde pública. “O crack e sua relação com a população de rua é o tema que mais nos desafia na saúde pública”, garantiu. A coordenadora da iniciativa Teias, Elyne Engstrom, contextualizou o trabalho promovido pelo Teias no território de Manguinhos e citou a falta de respostas do setor da saúde em relação à população de rua. “Existem grupos que necessitam de um olhar mais específico e precisam ser incorporados pelo SUS”, destacou.

 

Segundo ela, em 2010 houve a expansão da estratégia de saúde da família em Manguinhos – território com um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro. “A concentração de pessoas vivendo na rua em Manguinhos é muito grande e não está relacionada somente ao crack. Existem também o vício em álcool e a extrema pobreza. Para conseguirmos dar assistência a essa parcela da população, é necessária a integração de todos os serviços. Apenas uma iniciativa não resolve a questão. É preciso trabalhar principalmente a atenção básica e a saúde mental para oferecer um cuidado integral”, avaliou Elyne.

 

Nova proposta dos Consultórios na Rua surgiu em 2012, por meio das experiências da atenção básica

 

O apoiador institucional do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Alexandre Trino, proferiu a palestra A nova Política Nacional de Atenção Básica (AB): a proposta das equipes de Consultório na Rua (CR). Ele explicou que a nova proposta dos CRs surgiu no início de 2012, por meio das experiências da atenção básica com a população de rua. A partir daí, passou a se pensar em estratégias efetivas para promover a equidade em relação a essa parcela da população. Trino ressaltou que, “apesar de todo o esforço no sentido de atender a população de rua com a criação dos CRs, é preciso ter consciência de que o dispositivo Consultório na Rua não pode ser visto como uma panaceia, ou seja, não pode ser utilizado para remediar as dificuldades e, mais especificamente, não vai solucionar todos os problemas dessa população”.

 

Em seguida, dividiu sua apresentação em duas partes: a primeira, restrita aos conceitos fundamentais para os profissionais que atuam com a população de rua, e a segunda dirigida aos dados dessa população. Segundo Trino, as equipes que atuam com a população de rua precisam saber quais são suas complexidades e peculiaridades. Para isso, é fundamental entender conceitos como: influência de rótulos e estigmas; sujeitos de direitos e deveres; cartografia do território existencial do usuário; a rua como território de vida e produtor de sentidos; autonomia e tutela; sofrimento e doença; conceito de vulnerabilidade; sustentabilidade das redes; e transição de modelos.

 

População de rua: ações, perspectivas e desafiosApós explicar a aplicação dos conceitos, Trino disse que talvez o dispositivo CR seja o que melhor vai testar o princípio coordenativo que a atenção primária traz como princípio básico de política. “A população de rua tem uma volatilidade de características que mudam a cada dia, semana, mês. Então, entender esse processo, utilizando ferramentas que o subsidiem, é fundamental”, alertou. Em seguida, ele citou a questão do diagnóstico para a população de rua. Para Alexandre, é preciso que as equipes de saúde deixem de focar apenas no diagnóstico aparente, e sim entender o que está por trás – o sofrimento psíquico – e ir além de um diagnóstico somente clínico.

 

Por fim, Alexandre, citou dados referentes à população e apontou alguns desafios do CR. De acordo com dados de 71 municípios recenseados pelo Ministério do Desenvolvimento Humano (MDH), entre 2007 e 2008 existiam 31.922 moradores de rua. Desse total, 70,9% exercem alguma atividade remunerada, 51,9% possuem um parente na cidade onde se encontram e 19% não conseguem se alimentar ao menos uma vez ao dia.

 

Entre os motivos que os levaram para as ruas, 35,5% responderam que foi devido ao vício em álcool e drogas. “Reafirmo que o dispositivo CR não resolve todos os problemas dessa população tão complexa. Os CRs estão aprimorando sua atuação e, gradativamente, conseguem atingir cada vez mais essa parcela da população que tanto necessita de ajuda. Porém, ainda temos muitos desafios pela frente, como promover o acesso à população em situação de rua nas Unidades Básicas de Saúde; articular as redes para atender melhor esta população; qualificar os processos de trabalho e os profissionais da Atenção Básica; além de construir indicadores que auxiliem nesta caminhada”, finalizou Trino.

 

Experiências exitosas no atendimento à população de rua

 

Na tarde de quarta-feira (19/9), o I Seminário de Experiências da Atenção Primária em Saúde com População de Rua prosseguiu com a palestra A experiência na Atenção Primária à Saúde com atendimento à população de rua, coordenada pela pesquisadora do Teias-Escola Manguinhos, Mirna Teixeira. A primeira a expor suas experiências foi Claudia Gomes Paula e Silva, da Equipe Saúde e Movimento nas Ruas, do Centro de Atenção Psicossocial (CAP) 1.0 (Região do Centro do Rio de Janeiro). Segundo ela, a equipe utiliza a psicologia do Programa de Saúde na Família como estratégia de tratamento. É feita, também, a sistematização de estratégias para melhor resultado. A Equipe Saúde e Movimento nas Ruas tem dois anos de atuação e, atualmente, estão cadastrados 4.200 moradores de rua.

 

População de rua: ações, perspectivas e desafios

 

Marcelo Soares, enfermeiro da equipe Consultório na Rua do Teias-Escola Manguinhos, explicou que o território de Manguinhos é coberto pela Estratégia de Saúde da Família, uma parceria entre a Fiocruz e a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ). Ao todo, são 14 equipes atuando, com 7 lotadas no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSGSF/ENSP) e 7 na Clínica da Família Victor Valla. De acordo com Marcelo, o programa Consultório na Rua em Manguinhos começou em 2011 e age na lógica da redução de danos, pois trabalha com a saúde pactuada nos princípios dos Direitos Humanos. “Nem todos os pacientes são usuários de drogas que desejam, de fato, largar as drogas. Por isso, atuamos com a lógica da redução de danos”, explicou ele.

 

O enfermeiro apontou também o perfil dos moradores de rua cadastrados com CR: 56% estão na faixa etária entre 18 e 28 anos, sendo a maioria homens, da cor parda, que passam a maior parte do dia na rua; 47% não possuem nenhum tipo de documento; e 99% são usuários de álcool e drogas - destes, 60% são usuários de crack. Por fim, Marcelo destacou que, para obter efetividade, é preciso fortalecer o trabalho integrado. Representando o Programa de Saúde da Família do Jacarezinho (CAP 3.1), Daniel de Souza apresentou as inúmeras complexidades em trabalhar neste território. O projeto começou em abril de 2012. Segundo ele, com a chegada da Clínica da Família à região, a população passou a ter melhor acesso à saúde. O representante falou sobre as ações que o grupo realiza, entre elas atividades lúdicas, para captar pessoas potencias que necessitam de tratamento.

 

População de rua: ações, perspectivas e desafios

 

De acordo com Daniel, o projeto atende cerca de 70 usuários por dia, e 90% das demandas são para cuidados clínicos imediatos e de assistência social. “Já realizamos o cadastro de 237 usuários na região; 50,65% homens e 49,3 mulheres, sendo 21 crianças e adolescentes na faixa etária entre 8 e 17 anos. Por fim, Vera Martinez Manchini, do Programa de Saúde da Família (PSF), da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo falou sobre o programa. Segundo Vera, ele está em fase de transição de PSF Especial para Consultório na Rua. Atualmente, existem 10 equipes atendendo a população de rua residente na região central de São Paulo. “Temos 26 mil pessoas morando nas ruas de São Paulo. A maioria adulta (80%) e do sexo masculino. Atuar nessa área é um grande desafio, mas a cada dia aprendemos com as experiências que encontramos nas ruas”, concluiu.


Seções Relacionadas:
Assistência Cooperação SUS

Nenhum comentário para: População de rua: ações, perspectivas e desafios