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Rumos da saúde mental frente aos desafios do SUS

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Publicado em:11/06/2012

Rumos da saúde mental frente aos desafios do SUSComo a conjuntura social e política, nas últimas décadas, afetou no desenvolvimento do campo da Reforma Psiquiátrica no Brasil? Esta foi a principal questão explorada na mesa-redonda Análise das Políticas Públicas da Saúde Mental no Brasil e sua contribuição na Saúde Coletiva no segundo dia (8/6) do III Congresso Brasileiro de Saúde Mental. Um dos expositores desta atividade foi o pesquisador da ENSP/Fiocruz Paulo Amarante, que destacou ser fundamental que a militância da saúde mental volte suas forças para fazer críticas atualizadas ao pensamento psiquiátrico e não fique apenas preocupada em abrir novos Centros de Atenção Psicossocial pelo país.

 

O psiquiatra italiano Ernesto Venturini foi o primeiro a se apresentar na mesa-redonda e levantou o impasse do tratamento das drogas, em especial do crack, hoje no Brasil. Para ele, há um movimento pela retomada do controle do comportamento do usuário, voltado para uma estrutura psiquiátrica fechada e indo contra as conquistas obtidas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. “Precisamos desenvolver uma série de avaliações científicas e críticas para comparar os custos diretos e indiretos dessas ações. O papel familiar é fundamental nesta luta contra as drogas, e precisamos também de pesquisas que possam mostrar o quanto este tipo de apoio reflete no bom tratamento do usuário”, ressaltou.

 

Outro ponto explorado pelo italiano com relação ao consumo de drogas é se a dependência vem do poder da substância ou da intenção da pessoa em querer consumi-la. Para Ernesto, é fundamental que os atores que trabalham neste processo compreendam os diferentes fatores envolvidos nesta questão, abranjendo o contexto social em que o usuário está inserido. “O consumo de drogas é proporcional a uma sociedade que incita o consumo de mercadorias desenfreadamente. A única diferença está na maneira como o produto é usado”, encerrou.

Já o psicólogo e professor da UFRJ, Eduardo Mourão Vasconcelos, mostrou que os problemas enfrentados pelo movimento da saúde mental estão hoje intrinsecamente ligados à crise econômica global que vivemos. Segundo sua exposição, o fato de as decisões mundiais acontecerem diretamente nas esferas financeiras, a crise ambiental afetar o ecossistema do planeta e o novo padrão de desenvolvimento não sustentável dos países são os fatores para que os países deixem de investir em políticas sociais, o que consequentemente  afeta a população.

 

“E é isso o que vem ocorrendo no Brasil”, segundo Mourão. O SUS sofre com o sucateamento das políticas sociais e com a precarização dos vínculos de trabalho,  afetando o campo da saúde mental. “A conjuntura que se abre por conta das políticas neoliberais fez com que os avanços obtidos pela psiquiatria nos últimos anos sofressem um baque, exigindo hoje maior mobilização do movimento antimanicomial para dar respostas políticas de peso contra tais ameaças”, afirmou.

 

Terceira a se apresentar, a enfermeira e pesquisadora da Universidade de Feira de Santana, Marluce Maria Araújo Assis, traçou um panorama histórico do movimento da saúde no país desde os anos 1970, quando, em plena época da ditadura, começou a se desenhar o conceito de que saúde é democracia e democracia é saúde. Pontuando o que de mais importante aconteceu nos anos 1980, 1990 e 2000  na saúde pública e na saúde mental pelo país, Marluce ressaltou que o movimento social atuou ao longo desse período entendendo a saúde como um processo de Estado e não de governo.

 

Entretanto, a pesquisadora lembrou que, apesar de um sistema sólido, ainda há muito a ser feito, e o SUS enfrenta atualmente uma série de dilemas, como a insuficiência de financiamento para atender às necessidades brasileiras, a hospitalização da atenção como uma prática dominante, além de um modelo de atenção fragmentado e de baixa qualidade.

 

Encerrando essa mesa de debates, o presidente da Abrasme e pesquisador da ENSP, Paulo Amarante, afirmou que os debates neste III Congresso são para provocar uma reação na comunidade da saúde mental. “Não queremos uma reforma psiquiátrica no sentido do serviço apenas. Não é só fechar os hospitais e abrir Caps pelo país. Temos que mudar a relação que a sociedade tem com as pessoas consideradas com transtorno mental. Esse é o nosso desafio”, disse.

 

Segundo o pesquisador, o modelo de atenção psicossocial vigente é o de que o doente não pode viver em sociedade. Se faz necessária uma reforma para transformar este conceito. A adoção da política de abertura de Caps 1, 2 ou 3 pelo país burocratizou o atendimento ao usuário, deixando-o centrado em modelo médico, que olha apenas para  o seu diagnóstico, sem se preocupar em transformar a relação com ele.

 

Amarante lembrou ainda que há pouco investimento no país para o desenvolvimento de novos pensamentos para o campo da saúde mental. “A Reforma Psiquiátrica não é apenas uma reforma do serviço, e sim da nossa relação com os sujeitos, descobrindo novos conceitos, atores e experiências territoriais”, afirmou.


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3 comentários
ANA CECÍLIA SALIS
13/06/2012 15:47
Embora o cenário quase devastador frente às tentativas de desconstrução do SUS e seu ideário, gostaria de dizer a vocês o que tenho observado a propósito da parceria entre PGT e os dispositivos de Saúde Mental no RJ. Esse projeto depende diretamente da articulação entre "trabalho" e "tratamento" para que possa vir a bom termo. Admitir a capacidade de trabalho dessa população implica, necessariamente, a atenção voltada a "saúde" desses cidadãos. O que diria é que, mesmo considerando que o conceito de "saúde" implique uma perspectiva holística, e que ainda estejamos distantes de tal ideal, temos sim construído bons resultados quanto à tentativa de manter essas pessoas em seus empregos e de maneira responsiva ás suas pontuais demandas de cuidados. Tem sido assim que, mesmo diante das adversidades, o compromisso assumido entre o Projeto e os dispositivos aos quais pertençam os usuários têm garantido os ideais da proposta de inclusão dessa população no mercado formal de trabalho. Dessa forma, posso me remeter aos dispositivos: Caps Torquato Neto, Caps Fernando Diniz, Caps Clarice Lispector, Caps Monteiro Lobato, Caps UERJ, Caps Irajá, Caps Caxias, Caps João Ferreira Filho, EAT, IMNS, Museu (IMNS), H. Pinel, IPUB, CPRJ, PAM Bangu, PAM Alberto Borgerth, Posto de Saúde Alaíde da Cunha (Caxias), H. Manfredine, Posto de saúde Manuel de Abreu (Campo Grande), Posto de saúde de Vargem Grande, Centro Municipal de Saúde de Caxias, entre outros, como inestimáveis parceiros na luta pela garantia de direitos, e qualidade de vida, a essa população. Nesse sentido, o que gostaria de chamar a atenção é justamente para fato de que, embora imprescindíveis aos objetivos reformadores, o que de fato nos importa nesses ?equipamentos? é o material com o qual damos sentido a essa luta, ou seja, o ?material humano?. Sim, estamos falando de profissionais mais do que capacitados, (in)vestidos por uma causa que requer dedicação ao conceito de ?saúde mental?. Este está em causa desde a Reforma Psiquiátrica e vem sofrendo abalos sistemáticos principalmente a partir das mais novas orientações privatistas que não têm feito mais do que desmoralizar o trabalho, e os trabalhadores do SUS. Contudo, e ainda assim, tem sido com esses trabalhadores que venho conseguindo enfrentar as pedras no caminho. E é, e será sempre, a eles a quem agradeço e também deposito o mérito por todas as conquistas de cidadania que viemos garantindo ao nosso usuário de saúde mental. att Ana Cecília Salis
ANA CECÍLIA SALIS
11/06/2012 23:18
Nessa matéria, Paulo Amarante adverte para que não se concentre tanta atenção na abertura de novos equipamentos de saúde mental e sim em iniciativas comprometidas com os ideais da Reforma. Pois tive a oportunidade de apresentar o que tem realizado o "projeto Gerência de Trabalho" na empresa PREZUNIC- CENCOSUD/RJ, a convite da comissão do Congresso. Gostaria que soubessem que por meio do PGT e da estrutura de RH da empresa, temos feito um sólido investimento na mudança de cultura nesse microcosmo social, quando 8 mil funcionários espelhados por 31 lojas da rede no grande Rio (21 delas com usuários participantes do Projeto) têm sido sistematicamete convidados à construção de um olhar sobre a loucura que a contemple como "diferença" e não como estado permanente de periculosidade e incapacitação. Pois digo a vcs que após quatro anos de trabalho, já podemos observar significativa mudança no comportameto de fucionários e gerentes de lojas quanto ao reconhecimento e respeito a esses cidadãos, usuários de saúde mental. De fato, não se trata apenas de novos "equipametos", mas sim do vigoroso e incansável investimento em ações que determinem a participação social no enfretameto ao preconceito, à exclusão e ao que se apresenta como movimento contra-reforma. E está sendo nessa perspectiva que, como representantes da paceria entre iniciativas privadas, estamos buscando dar nossa contribuição. att Ana Cecília Salis
CELINA SANTOS BOGA MARQUES PORTO
11/06/2012 22:10
Não sou da área psi e, portanto peço desculpas pelas limitações que certamente existem no meu pensamento. Como profissional de saúde fico aflita diante de situações críticas cada vez mais frequentes. Na verdade não sei o que fazer e imagino que a maioria não saiba. Para utilizar todos os recursos olhando para o ?contexto social do paciente? seria necessário que as políticas que orientam (ou deveriam orientar) a ação pública efetivamente existissem. A não aplicação do texto político construído, como no caso da Saúde Mental, a luz de um movimento de reforma ousado e articulado ocorre por quê? São muitas as razões apresentadas, mas fico particularmente sensibilizada com a argumentação do Professor Eduardo Mourão Vasconcelos, pois ela se aplica a vários setores da saúde pública. Serviços são encerrados, profissionais com expertise se dispersam, pacientes ficam sem referência, famílias (quando elas existem) se perturbam com essa inesperada desorganização. O que fazer? Se não são os Caps a solução do problema... Se hoje perguntarmos aos moradores de Manguinhos se eles desejam um Caps, eles responderão que sim. Teremos que trabalhar muito e duro para que isso não seja compreendido como a saída para todos os problemas e que esse equipamento não esteja centrado no modelo médico que reduz drasticamente todas as outras possibilidades de interação e se burocratiza, como afirma nosso professor Amarante. Os desafios têm inúmeros aspectos e exige de nós uma formulação cuidadosa, mas que não paralise a ação. O que não pode é continuar como está. A realidade sinaliza isso todos os dias. Celina Boga