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A saúde pelo desenvolvimento sustentável

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Publicado em:18/05/2012

Marina Lemle*

 

A saúde pelo desenvolvimento sustentávelNão fosse o esforço brasileiro, a saúde não teria espaço nos debates da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá no Rio de Janeiro em junho. Para promover discussões entre a sociedade civil, gestores e pesquisadores em torno de uma pauta de saúde para o espaço que vem sendo conquistado, foi realizado, em Brasília, o Seminário Nacional Saúde e Conferência Rio+20.

 

O seminário foi aberto na noite do dia 15 e continuou no dia seguinte. Na mesa realizada pela manhã, o coordenador do Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz – Vitae Civilis, Rubens Harry Born, destacou a importância da dimensão da saúde humana nas políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Ele lembrou que há 40 anos a declaração resultante da Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, em Estocolmo, introduziu a palavra 'ambiente' entre os direitos humanos primordiais, associada a conceitos de qualidade de vida e dignidade. "Além de mencionar o direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, a declaração também coloca o dever do homem de preservá-lo. Não há saúde humana sem saúde ambiental", ressaltou.


Passadas quatro décadas, as "doenças da insustentabilidade e da injustiça", conforme classificou Born, afetam principalmente populações vulneráveis de países pobres, como consequência do modelo insustentável de produção e consumo, que deteriora cada vez mais o ambiente. Diante da crise, o debate agora gira em torno da chamada economia verde. Para ele, o que está em debate não é novo, estando apenas travestido com novas expressões e roupagens, e a sociedade deve estar atenta aos interesses envolvidos na Rio+20. "Significados e oportunidades para quem e em que escala temporal? Governos, sociedade? Desenvolvimento para quem, com quem, em que bases?", questionou.


De acordo com Born, é preciso acelerar a mobilização social e política para efetivar os direitos que ainda não estão efetivados. "Cabe aos cidadãos incidir nos processos das Nações Unidas, por mais contraditórios que possam ser, na busca por dignidade e qualidade de vida. Não devemos abrir mão da utopia de 1972 e 1992. Precisamos reafirmar uma abordagem de transição civilizatória levando em conta o teto de limites ambientais do planeta e a urgência da equidade, com alterações de hábitos de consumo e alterações políticas. Precisamos da governança", disse Born, que concluiu com o lema 'Veta, Dilma!', em referência ao projeto de mudança do Código Florestal Brasileiro, sendo muito aplaudido.


Ações concretas de curto prazo


Em seguida, assumiu a palavra o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha. Ele ponderou que o capitalismo globalizado contemporâneo não vai terminar tão cedo e que, diante disso, o desafio é agir concretamente no contexto atual do sistema, com uma agenda factível, pragmática e concreta, que saia do campo conceitual e teórico.


"Não estamos no momento de discutir grandes estratégias para os próximos 50 anos. A velocidade com que as transformações estão ocorrendo impõe uma ação de curto prazo", enfatizou.


Gadelha afirmou que o sistema de saúde não pode ser visto como algo à parte do padrão nacional de desenvolvimento. "Se temos um país desigual, temos desigualdade na saúde. A lógica do sistema se reproduz dentro da saúde, mas ela é parte da transformação do próprio sistema e do padrão de desenvolvimento", disse. Para Gadelha, a saúde tem uma oportunidade única, por estar em todo o território brasileiro, e tem obrigação de ser exemplar no desenvolvimento sustentável. "Temos que discutir o modelo de desenvolvimento, mas temos que avançar na agenda da saúde como estratégia de desenvolvimento para superar o risco de isolamento", explicou.


Segundo Gadelha, é preciso buscar formas de reduzir as assimetrias globais de geração de conhecimento, ciência e tecnologia e conciliar incentivos privados com interesses públicos, avançando na discussão sobre propriedade intelectual. "O que se pesquisa e inova é uma pauta criada aqui? Inovação para quê, para quem e para onde? Como garantir a universalidade se não se formar a pauta da sociedade de conhecimento? O padrão atual ameaça a sustentabilidade", afirmou.


Crise ética


O diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris) e coordenador do GT Fiocruz, Paulo Buss, apresentou os principais marcos e documentos em desenvolvimento sustentável e saúde, disponíveis no site lançado pela Fiocruz, em www.sauderio20.fiocruz.br. Ele disse que existe uma iniquidade na distribuição das doenças no mundo em função da riqueza ou pobreza dos países. "Quanto menor a renda per capita, maior a carga de doenças por causas ambientais", explicou. Segundo Buss, principalmente desde 2007, crises decorrentes do modo estrutural de produção e consumo do capitalismo contemporâneo – ecoagressivo, desigual e excludente – afetam mais os países mais pobres e os mais pobres em qualquer dos países. "É uma crise ética. A crise do capital financeiro e especulativo é transformada em crise da dívida soberana dos Estados nacionais. Privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos, e quem paga a conta é o segmento mais vulnerável da sociedade", frisou.


O diretor do Cris criticou o reducionismo do documento atual da Rio+20 e questionou sobre quem irá fazer a governança da economia verde. Ele defendeu a aprovação de obrigações para todos os países, mas com base no princípio das responsabilidades diferenciadas. "Agências sociais das Nações Unidas não podem mais ser submissas a agências econômicas. Temos que ter orgulho da posição brasileira na política de expansão econômica responsável, que impacta sobre distribuição, redução de juros e vergonhosa lucratividade dos bancos. O Brasil assumiu o acesso universal, inclusive no campo da saúde, e agora temos que correr atrás da integralidade, da qualidade e da equidade", enfatizou. Buss citou a constituição brasileira, que afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado.


Ele lembrou, ainda, que os Objetivos do Milênio serão revistos em 2015 e destacou a importância da participação dos movimentos sociais no processo. "Temos três anos para trabalhar", alertou.


Visão 'glocal' e articulação entre gestores


Secretária-geral do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), Lourdes Almeida defendeu que a visão local deve ser considerada no desenvolvimento global, que seria a visão 'glocal'. Ela observou que a saúde ambiental é uma questão recente no SUS, em debate há cerca de dez anos, e que a agenda ainda está inconclusa entre os gestores dos três níveis de governo.


"Quero acreditar que estamos caminhando para um processo de melhor organização do SUS. Estamos criando mecanismos para privilegiar a discussão entre gestores, porque estado, município e governo federal, sozinhos, não fazem. Tem que haver solidariedade entre os gestores. Precisamos agir proativamente para que questões discutidas na Rio+20 possam ter consequências depois da Conferência", disse.


Brasil: liderança na adversidade


O gerente de desenvolvimento sustentável da Opas, Luis Augusto Galvão, anunciou os sete temas fundamentais da Opas e da OMS para a Rio+20: emprego; energia; cidades; alimento; água; oceanos; e desastres. Para Galvão, a liderança brasileira no Brics pode ser positiva para a recuperação do tempo perdido por a área de saúde não ter tomado a discussão para si desde a Rio 92. Ele considera o Brasil tímido em mostrar o processo de universalização do SUS para o mundo. "O Brasil é privilegiado pela existência do SUS e de articulações setoriais. O país é uma liderança dentro da adversidade", elogiou.


"Precisamos pensar em como articular agendas para dar uma face humana ao desenvolvimento e em como o setor saúde pode interferir na governança global da saúde e do desenvolvimento sustentável", afirmou. Ele sugeriu como agenda a ser seguida a questão dos determinantes levada ao nível local. Outro desafio seria trazer os outros setores, inclusive o privado, para o debate.


Após as apresentações, o público fez intervenções, comentadas em seguida pelos palestrantes. Na parte da tarde, os participantes do Seminário dividiram-se em dez grupos, com diferentes temas para discussão. O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Valcler Rangel Fernandes, encerrou os trabalhos dizendo que a Rio+20 permitirá "beber de fontes que talvez não estejam tão visíveis agora". "Daqui sai a motivação para discutirmos o pós-Rio+20. Precisamos de uma agenda que capilarize a discussão e a tire dos muros do setor saúde para termos respostas para os vários problemas da área de saúde, ambiente e desenvolvimento", concluiu.

 

*jornalista da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz


Fonte: Saúde e Rio+20
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