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ENSP coordena centro de estudos de desastres da Fiocruz

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Publicado em:11/05/2012

Em abril de 2012 a Presidência da Fiocruz instituiu um grupo técnico para o desenvolvimento das atividades do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes), no âmbito do Centro de Estudos e Pesquisas de Desastres, uma parceria iniciada em dezembro de 2010 que envolve a Fiocruz, a UFF, a UFRJ e, recentemente, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A coordenação do Cepedes/Fiocruz está a cargo do pesquisador da ENSP Carlos Machado de Freitas.

 

Em entrevista ao Informe ENSP, Carlos Machado explica os projetos em andamento no Cepedes/Fiocruz e sua importância no desenvolvimento de estudos, materiais e cursos destinados a uma melhor capacidade de resposta por parte do Sistema Único de Saúde e, consequentemente, à redução de riscos para a população em caso de desastres como o ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro em 2011. São marcos nesse processo a Lei 12.608, sancionada em abril deste ano, que institui a  Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, bem como o Decreto 7.616, de novembro de 2011, que institui, no âmbito do SUS, a Força Nacional do SUS.

 

“O que é importante é que temos o setor Saúde assumindo a questão de emergências e desastres como prioridade, principalmente após a criação da Força Nacional de Saúde (grupo de apoio técnico de emergência que atuará em locais afetados por desastres naturais)”, explicou o pesquisador.

 

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.

 

Informe ENSP: Com o Cepedes, a Fiocruz está na vanguarda dos estudos em desastres?

 

ENSP coordena centro de estudos de desastres da FiocruzCarlos Machado de Freitas: Os desastres na região serrana do Rio motivaram várias ações conjuntamente, entre elas esse acordo de cooperação para a criação do Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres (Ceped), envolvendo a Fiocruz e as universidades Federal Fluminense, Federal do Rio de Janeiro e, mais recentemente, a Federal Rural do Rio de Janeiro. Entretanto, a Fiocruz precisava se estruturar internamente, através da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), organizando um centro de estudos e pesquisas em emergências e desastres voltado para a saúde. Por conta da experiência anterior com desastres químicos e ‘naturais’ na ENSP, acabei sendo convidado para coordenar o Cepedes.

 

Informe ENSP: Por que em emergências e desastres?

 

Carlos Machado de Freitas: Primeiro, porque o Regulamento Sanitário Internacional 2005 (aprovado na 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial da Saúde em 23 de maio de 2005) já aponta para a necessidade de o país estar estruturado para as emergências em Saúde Pública. Segundo, porque o desastre da região serrana, assim como tantos outros que vêm ocorrendo no país, obrigam o setor Saúde a se estruturar melhor para isso, não só no âmbito da Vigilância em Saúde, como o Vigidesastres e a rede Cievs, mas também da Atenção à Saúde. Terceiro, porque esse processo resulta na criação da Força Nacional de Saúde, que também trata das emergências e desastres em saúde, que podem ser grandes epidemias, desastres, ou mesmo crises provocadas pela desassistência. Então, estamos constituindo um centro que ajude a produzir pesquisas que deem suporte ao SUS nessa temática. É importante lembrar que, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, dentre as onze funções essenciais da Saúde Pública, a 11ª é sobre a redução do impacto das emergências e desastres em saúde.

 

Informe ENSP: Qual o quadro nacional, hoje, de vulnerabilidade das cidades?

 

Carlos Machado de Freitas: No Brasil, temos vários municípios vulneráveis espalhados por todo o território. Tivemos chuvas que atingiram Pernambuco e Alagoas em 2010 e o número de óbitos foi menor que o do Rio de Janeiro em 2011, mas o número de desabrigados foi maior. Então, temos uma população exposta a riscos e doenças ocupando margens de rios que, quando alagaram, desalojaram e desabrigaram 50 mil pessoas, algumas estão sem casa até hoje. No caso da região serrana do Rio foram 918 óbitos e 32 mil desalojados e desabrigados. Esses são alguns exemplos concretos desse problema, que resulta em riscos imediatos e de longo prazo para as populações expostas.

 

Informe ENSP: E o que a Saúde vem fazendo para dar conta dessas questões?

 

Carlos Machado de Freitas: O setor saúde vem se estruturando porque precisa responder no âmbito não só da Vigilância, mas também da Atenção, a esses eventos, que têm como característica destruir a capacidade de resposta local. Então, você tem que ter, nos níveis estadual e nacional, uma capacidade de resposta suplementar à incapacidade de resposta dos municípios atingidos por esses eventos.

 

A Vigilância e a Atenção nos obrigam também a formular estratégias de prevenção. Por exemplo, quando temos muitas das nossas unidades de saúde em áreas vulneráveis a desastres, como ocorreu na região serrana fluminense, comprometemos nossa capacidade de resposta. Muitas de nossas unidades de saúde foram alocadas sem se considerarem os critérios de vulnerabilidade ambiental aos desastres. Por exemplo, em Manaus (AM), existem unidades de saúde em áreas de enchentes. No Rio de Janeiro elas estão localizadas em áreas de deslizamento. Esse não é um quadro brasileiro, mas também dos países em desenvolvimento, que teremos de enfrentar e logo.

 

Por conta disso, é necessária uma maior estruturação do setor saúde para responder a esses eventos, cuja tendência é se intensificar e agravar. Então, o Cepedes/Fiocruz vem para responder a essa necessidade.

 

Informe ENSP: Como o Cepedes/Fiocruz está estruturado?

 

Carlos Machado de Freitas: Ele já está inserido no documento do VI Congresso Interno da Fiocruz como parte de uma instituição estratégica de Estado para a Saúde. Atualmente, nós estamos fazendo apresentações sobre o tema nos fóruns nacionais da Defesa Civil, no Conasems e na Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Provavelmente, teremos que ter uma agenda também com o Conass e com o Conselho Nacional de Saúde, isso porque precisamos convencer os gestores de que a resposta à atenção ao desastre não é só mais do mesmo, ou seja, se eu tenho os serviços de saúde e os profissionais preparados para atender a saúde, no desastre eu só mudo o quadro de doenças e vou ter um agravamento maior no número de pessoas. Mas o desastre vai além dos critérios quantitativos, porque ele muda qualitativamente a situação, comprometendo a capacidade de resposta. E, como ele desorganiza os municípios, ou mesmo regiões, do ponto de vista ambiental, social, político e econômico, você não pode pensar com os mesmos critérios de situações de normalidade para as situações de resposta aos desastres.

 

Informe ENSP: Explique melhor essa desorganização?

 

Carlos Machado de Freitas: Um exemplo: uma cidade no Rio Grande do Sul teve uma barreira rompida e alagou após uma forte chuva. As casas não foram todas alagadas, mas o nível de água foi suficiente para comprometer móveis, sofás, aparelhos eletrônicos e muitas pessoas perderam suas receitas médicas. Então, havia uma série de pacientes crônicos necessitando de medicamentos que eram recolhidos diretamente no município, mas que estavam sem a receita. E, pelas regras da assistência farmacêutica, não é possível dar um remédio sem receita. Só que é justamente nesse momento que os serviços de saúde também estão comprometidos. Ou seja, você tem demandas que precisam ser atendidas rapidamente em uma situação de desorganização da vida das pessoas e do próprio sistema de saúde, além daquela realidade cotidiana.

 

Outro exemplo: Manaus (AM) está sofrendo com uma das maiores enchentes dos últimos anos. O nível dos rios em Manaus vem subindo aos poucos e essa é uma característica da região. Na mesma medida em que sobe o nível dos rios, vem aumentando também o número de pessoas com agravamento dos problemas relacionados à pressão alta. A questão é que os serviços de saúde estão preparados para a rotina e nem sempre têm sido capazes de responder a essa aparentemente simples alteração da rotina, quando o nível dos rios e dos problemas de saúde sobem conjuntamente.

 

Informe ENSP: Que outras ações o Cepedes/Fiocruz vem realizando?

 

Carlos Machado de Freitas: Além de participar de eventos, tanto no setor Saúde quanto na Defesa Civil, o Cepedes/Fiocruz organizou, junto com a UFF, um curso de manejo de medicamentos e assistência farmacêutica em desastres, que será repetido agora em 2012 para profissionais de Saúde e Defesa Civil, junto à Defesa Civil do município do Rio de Janeiro. Há também iniciativas, como o curso de Gestão de Riscos e Desastres para o SUS, realizado pelo Iesc/UFRJ, na modalidade a distância, e o curso de Primeiro Respondente às Emergências Pré-Hospitalares, produzido pelo Grupo de Urgência e Emergência da UFF para a Defesa Civil.

 

Temos também três projetos estruturantes para o SUS, em andamento desde o final de 2011. Um é o fortalecimento das capacidades de prontidão e resposta frente às situações de emergência de interesse em Saúde Pública, resultado de uma cooperação com a Secretaria de Vigilância em Saúde do MS. O Regulamento Sanitário Internacional, e o Brasil é signatário dele, exige capacidade de prontidão e resposta dos países para as emergências. E a Fiocruz ficou responsável, através do Cepedes, por analisar e levantar a capacidade de prontidão e resposta para desastres naturais, enchentes, deslizamentos, acidentes nucleares e químicos. Eu sou o responsável por esse projeto, que está lotado na ENSP.

 

Outro projeto ocorre em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz, UFF e UFRJ, que é o desenvolvimento de material didático para agentes locais de Vigilância em Saúde e Defesa Civil. É um projeto de 18 meses cujo objetivo é a elaboração de um material didático de formação básica para os agentes de Vigilância em Saúde.

 

O terceiro está no âmbito da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde porque envolve o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhaes e a ENSP, e aqui na Escola mais especificamente, o Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental, e é voltado para a estruturação da Funasa para a gestão de respostas imediatas aos desastres, ou seja, priorizaa questão do saneamento com os desastres. Quando você tem uma enchente ou um deslizamento, a primeira questão a ser pensada é a água, seja para consumo da população ou para abastecimento das unidades de Saúde. A segunda questão é o lixo que se acumula e a terceira é que, normalmente, os serviços de esgoto são comprometidos, afetando a água também. Então, reabilitar esses três pontos é fundamental, e a Funasa já teve uma experiência concreta quando atuou na região serrana do Rio de Janeiro. Esse é um projeto de 36 meses.

 

Informe ENSP: Quais as unidades da Fiocruz envolvidas com o Cepedes?

 

Carlos Machado de Freitas: Minha próxima ação é convocar a primeira reunião do Cepedes com os representantes das várias unidades da Fiocruz. Participam a Casa de Oswaldo Cruz, para auxiliar na preservação do patrimônio cultural e de saúde das cidades; o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Centro de Pesquisas Leônidas e Maria Deane; a Fiocruz Mata Atlântica, porque eles têm atuação com a comunidade local na área de desastres; a ENSP, envolvendo os pesquisadores Simone Cynamon, Paulo Barrocas e Marcelo Bessa (pelo Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental),  o pesquisador Fernando Verani (pelo Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde) e seu trabalho junto ao Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs); e a pesquisadora Claudia Osório, pelo trabalho já desenvolvido sobre assistência farmacêutica em desastres; a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio e seu envolvimento com os agentes de Vigilância em Saúde; o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, através do Observatório de Mudanças Climáticas, coordenado pelo pesquisador Christovam Barcellos; e o Instituto Oswaldo Cruz, trabalhando com as doenças provenientes de enchentes.

 

A constituição desse grupo de trabalho, coordenado por mim, tem como finalidade formular o desenho do Cepedes dentro da Fiocruz, que deve responder às demandas do Ministério da Saúde, e a questão mais atual é a gente colaborar com a integração das ações do setor Saúde, porque existem várias ações em andamento atualmente no campo das emergências e desastres dentro da Funasa, do Cievs, da Força Nacional: temos a Atenção Básica, o Samu, a Rede de Urgência e Emergências e essas iniciativas necessitam de uma ação integrada previamente formulada. Então, vamos trabalhar dando suporte ao Ministério da Saúde, no sentido de formular uma política integrada de desastres em Saúde e estamos também colaborando com a elaboração de um material didático que será produzido para a Força Nacional, que trará conteúdos de saúde pública. Um dos nossos grandes desafios é criar material didático e formular políticas para todo o SUS, além de produzir pesquisas científicas sobre o tema.

 

Informe ENSP: Esse, então, é todo um esforço da Saúde, e da ENSP, de estruturar a questão das emergências e desastres no país.

 

Carlos Machado de Freitas: Exatamente. O importante aqui é que temos o setor Saúde assumindo esse tema como prioridade, com a criação da Força Nacional, que é mais um dos capítulos desse processo, quase que simultaneamente à criação da Força Nacional do SUS e à Lei sobre Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, para a qual, inclusive, organizamos discussões e enviamos sugestões, através do Ceped; e temos a Fiocruz, se organizando para produzir pesquisas que ajudem nesse processo. Nós não temos como fugir dessa responsabilidade.

 

Existe, ainda, uma outra discussão: se, por um lado, temos estratégias como a Força Nacional, que tem um poder simbólico muito grande, por outro, temos o desafio de também estruturar a Atenção Básica nos municípios mais vulneráveis aos desastres. Quando ocorre um desastre, você tem que ter um grupo de profissionais de saúde altamente treinados e qualificados, que vão atuar nessa emergência; precisa também ter um sistema de saúde que atenda às necessidades de atenção que surgem em médio e longo prazo, como demonstra a literatura científica. Então, se não temos uma Atenção Básica estruturada para acompanhar essas pessoas que sofrerão com impactos psicossociais, de saúde, de doenças infecciosas ou parasitárias, de doenças crônicas, ou mesmo de violência resultante dos desastres, você não terá como prover a Saúde adequadamente.

 

Informe ENSP: O trabalho do Cepedes/Fiocruz já resultou em algum artigo publicado?

 

Carlos Machado de Freitas: Isso ocorrerá em breve. Já temos dois artigos preparados pelo Cepedes/Fiocruz que sairão no número especial da revista Ciência & Saúde Coletiva sobre a Rio+20. Os trabalhos são: Vulnerabilidade socioambiental, redução de riscos de desastres e construção da resiliência – lições do terremoto no Haiti e das chuvas fortes na Região Serrana, Brasil, de autoria de Carlos Machado de Freitas, Mauren Lopes de Carvalho, Elisa Francioli Ximenes e Eduardo Fonseca Arraes, todos do Cepedes/Fiocruz, junto com José Orlando Gomes, da Escola de Engenharia da UFRJ, e Enchentes e saúde pública – uma revisão na literatura científica recente das causas, consequências e respostas para prevenção e mitigação, de Carlos Machado de Freitas e Elisa Francioli Ximenes.


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2 comentários
GISELE ODWYER DE OLIVEIRA
15/05/2012 10:01
Parabéns Carlos, o tema 'urgências' é realmente prioritário. No final do ano passado tivemos um CEENSP sobre o tema e convidamos o Coordenador Geral de Urgência e Emergência (CGUE) do Ministério da Saúde e o diretor da Rede Brasileira de Cooperação em Emergência (RBCE). Um dos objetivos era discutir a Força Nacional de Saúde, parte da rede de atenção às urgências e emergências (RUE). Levamos ao CEENSP os nossos residentes médicos de saúde da família pq achamos prioridade a atenção básica entender sua função no atendimento às urgências. Infelizmente, por mais consistente que parece a RUE, o componente da rede de urgências que precisa ser enfrentado é o hospitalar. Precisamos de leitos disponíveis de enfermarias clínicas, cirúrgicas e de CTI. Aqui não é o espaço para essa discussão, mas é essa urgência a calamidade que precisa ser enfrentada. O atendimento pré-hospitalar está atendendo sem um sistema de informação que produza evidências sobre essa calamidade, outro problema a ser enfrentado. São muitas as frentes de trabalho. Espero que vc tenha sucesso no seu novo trabalho. um abraço Gisele O´Dwyer
ROBERTA GONDIM DE OLIVEIRA
11/05/2012 21:52
Parabéns para a ENSP e em especial pra o Carlos Machado e equipe.