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Ceensp debate política de combate às drogas

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Publicado em:03/05/2012

Luciene Paes

 

Tendências da política de combate ao crack: para onde vamos? foi o tema do Centro de Estudos da ENSP do dia 2 de maio, que reuniu a secretária adjunta de Saúde de São Bernardo do Campo, Lumena Furtado, o pesquisador da ONG Psicotropicus Luiz Paulo Guanabara e o jornalista e autor do livro O fim da guerra, Denis Russo Burgierman.

Ceensp debate política de combate às drogasO pesquisador Paulo Amarante, responsável pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental, coordenou a atividade e disse que esse tema assumiu dimensões de política nacional: "O crack está conseguindo muito espaço na mídia, mas a discussão acerca disso tem que ser outra".
 

 

 

O primeiro expositor, Denis Burgierman, foi logo explicando: "Não sou um especialista, sou um jornalista, por isso faço perguntas". Ele  passou o ano de 2011 viajando para levantar as chamadas políticas nacionais de 'combate' à droga. Para ele, a ideia de que o jeito de lidar com as drogas deva ser com repressão ou punição, como se fossem "demônios ou entidades más", faz com que a sociedade tenha medo e queira evitar o debate. "O imenso poder destrutivo das drogas não está na sua estrutura molecular, mas nos usuários suscetíveis a elas".

Ceensp debate política de combate às drogas"O crack é a última de uma série de drogas, como o álcool, a maconha, a cocaína. É um erro achar que há uma epidemia de crack, apesar de elas seguirem um padrão semelhante ao das epidemias, já que saem de 'moda' e que vêm outras drogas ainda mais destrutivas", afirmou Burgierman.

O livro O fim da guerra faz um diagnóstico sobre o que deu errado na política nacional de combate às drogas: "Os efeitos das políticas afetam em 100% a população", disse o jornalista. "Por exemplo, com a chegada da cocaína nos anos oitenta, a violência aumentou muito, porque o tráfico de drogas é mais bem pago e mais armado que a polícia". A outra parte do livro relata experiências de outros países. Ele informou que em 2000 havia um pânico parecido com o que acontece no Brasil e a sociedade queria a repressão, mas o governo português reuniu uma comissão de notáveis, composta por cientistas e profissionais da lei realmente interessados em cuidar dos usuários. Essa comissão criou um sistema cujo comando saiu da esfera da justiça e passou para a área da saúde. "Esse modelo entende que cada indivíduo tem necessidades diferentes", finalizou.

Ceensp debate política de combate às drogasO pesquisador da ONG Psicotropicus, também chamada de Centro Brasileiro de Políticas de Drogas, Luiz Paulo Guanabara fez um relato pessoal da sua experiência com o haxixe nos anos setenta. "Viajei por vários países com um grupo de amigos e descobrimos que o haxixe de melhor qualidade era o do Afeganistão. Percebi que a concepção que temos sobre droga não existia lá. Não havia repressão nem ao usuário nem ao traficante. Hoje, o país é o maior produtor de ópio do mundo", disse ele.

Guanabara, que se tornou psicólogo para tratar de dependentes e levar à frente o Programa de Redução de Danos da Psicotropicus, lembrou que muito antes do surgimento da Aids a Holanda já distribuia seringas descartáveis para conter as epidemias virais. Segundo ele, em Santos, os médicos também iniciaram esse movimento, com o apoio do Ministério da Saúde ao Programa de Redução de Danos. "A cena dos usuários consumindo crack é um protesto alienado contra a falta de trabalho, de educação, de futuro, mas não tem consciência política", disse ao encerrar sua apresentação.

A exposição da secretária adjunta de Saúde de São Bernardo do Campo, Lumena Furtado, trouxe a experiência bem-sucedida do município de 720 mil habitantes, que há três anos não encaminha mais os usuários a hospitais psiquiátricos. "Os princípios do nosso programa se baseiam em quatro palavras: liberdade, vínculo, singularidade e rede", destacou Lumena.

Ceensp debate política de combate às drogasSegundo Lumena, 'liberdade', para o programa, consiste em não incluir na rede de cuidado instituições fechadas e isoladas e hospitais psiquiátricos, bem como a internação não ser compulsória; no caso do 'vínculo', o serviço é territorializado, pois entendem que longe do território existencial do usuário é difícil construir seu vínculo com a equipe, que tem um profissional de referência para cada pessoa; 'singularidade' significa que cada história é um projeto terapêutico singular. "Temos um mantra: nunca desistir de ninguém", disse. O quarto princípio é a 'rede', ou seja, a rede existencial que o usuário traz consigo e que a equipe o ajuda a olhar, a resgatar.

A rede se estrutura em três pilares: tratamento, moradia e geração de renda. "Temos a unidade básica, que faz o acolhimento e a criação do vínculo entre usuário e família, mas não é a única porta de entrada", explicou Lumena. Nas unidades de urgência fazemos os atendimentos de agravamento clínico, como desintoxicação. Os consultórios de rua são um dos mais importantes serviços, compostos por médicos de família, psicólogos, assistentes sociais, que trabalham com o Programa de Redução de Danos, cadastrando os usuários e vinculando-os com a unidade de saúde. "O coração da rede é o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas, com atendimento 24 horas e leitos de hospitalidade noturna, sendo que um deles é voltado somente para crianças e adolescentes e integrado a escolas". Ainda tem a República Terapêutia, moradia transitória para os que estão em tratamento. E concluiu: "A rede tem que ser substitutiva, porque a ideia é fechar os hospitais psiquiátricos e que a internação seja não manicomial".

O diretor da Ensp, Antônio Ivo, esteve presente no Ceensp e informou que a Escola assumiu a gestão do território de Manguinhos para experimentar políticas de saúde mental. Ivo lembrou a importância da Ensp na construção do SUS, que é um desafio eterno, principalmente quanto ao tema debatido. Ele também elogiou o pesquisador Paulo Amarante por sua liderança no movimento da Reforma Psiquiátrica.


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