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Código Florestal: danos no texto e mudanças

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Publicado em:24/04/2012

Às vésperas de o Código Florestal ser colocado em votação na Câmara dos Deputados, cientistas alertam sobre os graves problemas que o relatório substitutivo do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), divulgado na quinta-feira (19), pode trazer para o Brasil. É consenso de membros do grupo de trabalho (GT) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que estuda o Código Florestal, ouvidos pelo Jornal da Ciência, de que o texto de Piau tem cunho político e não contempla embasamentos técnico-científicos. O relatório está previsto para ir à votação na terça-feira (24/4) na Câmara. Na prática, o parecer do relator do Código Florestal modifica o texto aprovado pelo Senado Federal em dezembro.

 

Ainda que tenha preferência na votação, o relatório substitutivo de Piau pode ser rejeitado em favor do projeto original, o aprovado pelos senadores e que tem o apoio do governo. Pesquisador da Embrapa Florestal e membro do grupo de trabalho da SBPC, Sergio Ahrens destaca que o ponto mais preocupante, dentre as 21 propostas apresentadas pelo relator do Código Florestal, é o que exclui a obrigação de produtos rurais de preservarem 15 metros de áreas (as chamadas Áreas de Preservação Permanente - APPs) às margens de rios com até 10 metros de largura. Essa medida já havia sido aprovada na Câmara dos Deputados, em maio de 2001, e no Senado Federal. "Fiquei frustrado com algumas propostas de alteração (do Código Florestal) colocadas pelo relator no substitutivo", disse o pesquisador da Embrapa Florestal, ao fazer a leitura do texto de Piau.

 

Retrocesso - Por considerar polêmicas as propostas de Piau, deputados da bancada petista acreditam que a votação do Código Florestal será adiada, mesmo diante de pressões políticas e da bancada ruralista. O líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (SP), já declarou que o partido poderá obstruir a votação do texto, considerando que o relatório "é um retrocesso".

 

Coordenador do grupo de trabalho e diretor da SBPC, José Antônio Aleixo da Silva destaca que as alterações de Piau em seu texto retorna, na maioria das vezes, o aprovado na Câmara dos Deputados "que pouco tem de ciência e tecnologia para adequação de uma agricultura pujante que mantenha a sustentabilidade ambiental". Sem querer entrar em detalhes, o cientista Ladislau Skorupa, que atua na área de Botânica e Engenharia Florestal, com ênfase em Recuperação de Áreas Degradadas e integra o GT que estuda o Código Florestal, concorda que a decisão do relator é mais inclinada a decisões políticas do que técnico-científicas.

 

"Agora, com esse relatório do deputado Paulo Piau, muita coisa volta ao que saiu da Câmara dos Deputados, talvez por apostarem que aprovam por conta da maioria da bancada ruralista. Como no Congresso Nacional até o impossível é possível, vamos esperar para ver o que vai ser aprovado nessa nova votação. Seja lá o que for, vai sobrar para a presidente Dilma", avalia Aleixo, também professor associado do departamento de Ciência Florestal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

 

Apesar de destacar que o documento do Senado "é sem dúvida bem melhor" do que o anterior, aprovado na Câmara, Aleixo lembra que ainda existem muitas partes a serem corrigidas no texto aprovado pelos senadores. Nesse caso, ele cita as recomendações que constam de vários documentos publicados pelo grupo de trabalho da SBPC em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC).



"Só consideraram o que lhe era conveniente a grupos dentro do Congresso. Fomos chamados várias vezes para apresentar nossas conclusões no Senado e o fizemos, mas infelizmente, pouco foi adicionado ao documento", analisa Aleixo da Silva.

 

Horror - Reforçando tais posições, o agrônomo Celso Manzatto, chefe da Embrapa Meio Ambiente, chamou de "horroroso" o texto de Piau. Manzatto, também membro do GT da SBPC, concorda que a proposta de Piau piora a versão aprovada no Senado Federal que, segundo avalia, "já estava ruim" para o país. Nesse contexto, Manzatto reiterou, por exemplo, a importância de manter a faixa de 15 metros de Áreas de Preservação Permanente para rios com até 10 metros de largura, conforme defende o grupo de trabalho dos cientistas.

 

Em outra frente, Xico Graziano, ex-secretário do Meio Ambiente (2007-2010) e de Agricultura de São Paulo, disse que o texto aprovado no Senado Federal "era um bom meio termo entre as duas posições" (ruralistas e ambientalistas).

 

Rejeição do governo - Ao divulgar o substantivo, Piau admitiu que seu texto não é consensual e tem a rejeição do governo. Ao excluir a faixa de 15 metros de APPs às margens de córregos com até 10 metros de largura, Piau sugeriu a publicação de um decreto ou Medida Provisória (MP) estipulando o limite de preservação de áreas. Deputados que apoiam as propostas de Piau declaram que o governo poderia estabelecer uma faixa mínima de sete metros, considerando que o texto aprovado no Senado Federal " rouba" muitas áreas de pequenas propriedades.

 

Consequências graves - O pesquisador da Embrapa Florestal, Sergio Ahrens, que considera "gravíssimas" as propostas de mudanças do Código Florestal apresentadas pelo relator, alerta que a retirada da recuperação da faixa de 15 metros para cursos de água de 10 metros de largura do texto pode trazer "graves consequências" para produtores rurais localizados nessas áreas. Ou seja, ameaça a vida humana que reside próxima a essas áreas pela incidência de fenômenos naturais, como inundações e ocorrência de eventos climáticos extremos.
 

"Esse é o ponto que mais preocupa, pelas implicações e consequências em termos de segurança de vida humana, de patrimônio e de perda de solo, fora os benefícios ambientais (permitidos pela recuperação de 15 metros de áreas) como formação do mínimo de vegetação para fluxo de biodiversidade ao longo de todas as bacias geográficas do país", destacou Ahrens, para emendar: "As pessoas vão se sentir confortáveis (nessas áreas) e vão construir, até mesmo, residências às margens de cursos d'água e o rio transborda e leva tudo. Isso preocupa muito", alertou.

 

Outras mudanças - Outra preocupação dos pesquisadores é com a liberação da concessão de crédito agrícola a produtores rurais que não promoverem a regularização ambiental em cinco anos, proibição que constava do texto aprovado pelos senadores. Outro item excluído por Piau é o que dividia os produtores rurais em categorias para receber incentivos. Trocando em miúdos, as duas medidas atendem aos anseios de ruralistas.

 

O relator do Código Florestal na Câmara dos Deputados excluiu também do texto aprovado pelos senadores a definição de APPs nas cidades, que previa que áreas de expansão urbana deveriam prever 20 metros quadrados de vegetação por habitante. Nesse caso, Piau alegou que tal medida encareceria os terrenos, principalmente os destinados a programas sociais. Piau ignorou ainda as regras de proteção para plantas em extinção.

 

Outra medida que preocupa os cientistas é a que exclui do texto do Senado o capítulo sobre o uso de salgados e apicuns (biomas costeiros). Nesse caso, Piau manteve apenas os parágrafos relativos à regularização de atividades produtivas iniciadas até 22 de julho de 2008 e à ampliação da ocupação dos biomas, regras que deverão constar do zoneamento ecológico-econômico (ZEE) realizado pelos estados.

 

Estudos científicos - Desde o ano passado, cientistas vêm alertando sobre eventuais danos que o Código Florestal pode provocar no país caso os aspectos técnico-cientificos não sejam contemplados. No estudo mais recente, divulgado em meados de fevereiro, os cientistas avisaram que todas as áreas de preservação permanente nas margens de cursos d'água e nascentes devem ser preservadas e, quando degradadas, devem ter sua vegetação integralmente restaurada.

 

"As APPs de margens de cursos d'água devem continuar a ser demarcadas, como foram até hoje, a partir do nível mais alto da cheia do rio", destaca o documento produzido pela SBPC e ABC disponível em http://www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/carta_aberta.pdf.

 

Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas condena mudança no Código Florestal feita pela Câmara

 

O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas repudiou na sexta-feira (20) a decisão do relator do novo Código Florestal, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), que retirou do texto aprovado pelo Senado, o artigo 62, referente às áreas de preservação permanente (APPs) às margens de rios. O secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, também diretor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), avaliou que a retirada da proteção às APPs pode interferir na proposta brasileira de enfrentamento às mudanças climáticas.
 

"Do ponto de vista do fórum, isso pode impedir o Brasil de cumprir o seu compromisso em Copenhague, que é reduzir o desmatamento, que já vem sendo feito". Pinguelli alertou que a medida sinaliza em sentido contrário para o setor rural. "Não acho isso bom. A forma do Senado era muito melhor".
 

Na 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 15), realizada em dezembro de 2009, em Copenhague (Dinamarca), o Brasil assumiu posição de vanguarda entre os países em desenvolvimento. A meta voluntária brasileira estabelece a redução da emissão de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% até 2020, em relação ao que emitia em 1990. Isso prevê, por exemplo, a redução de 80% do desmatamento na Amazônia e 40% no Cerrado até 2020.
 

Pinguelli disse que a Câmara está tendo um papel "retrógrado, de retrocesso, o que é deplorável". Ele espera que o governo brasileiro vete o parecer dado pelo relator, caso o texto do novo Código Florestal seja votado dessa forma, "de maneira a fazer recuar esse relatório". A expectativa do ambientalista é que a matéria seja revertida, uma vez que o governo possui maioria no Congresso Nacional.
 

O secretário considerou ainda que a iniciativa do relator tem um impacto ruim e uma mensagem negativa às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), prevista para junho próximo, no Rio de Janeiro. "Você imagina a situação do governo e da presidente Dilma Rousseff, em particular, na representação junto aos países que virão à Rio+20, com uma notícia de que houve um recuo na legislação sobre o desmatamento."
 

Pinguelli lembrou que não se trata somente do problema do desmatamento e da mudança climática, mas também com a questão das águas. "Tem a ver, com a poluição das águas, que são necessárias para o consumo humano e a própria produção agrícola. Eles estão dando um tiro no pé deles mesmos".
 

Além disso, salientou que a medida estabelece a anistia dos que não cumpriram a legislação até 2008. "É outro sinal muito negativo, para que se continue a não cumprir a legislação, já que ela é impune". Para Pinguelli, os que não cumprem a lei acabam ficando em posição vantajosa em relação aos que o fazem.

Fonte: Jornal da Ciência
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