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Uma história de vida e luta por Manguinhos

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Publicado em:09/10/2009

A Fiocruz está engajada no Prêmio Betinho - Atitude Cidadã 2009, que, em dezembro deste ano, será entregue as pessoas que fazem a diferença em suas comunidades no Brasil. A candidata da Fundação no Rio de Janeiro é Elizabeth da Silva Campos, a Beth, moradora da comunidade de Manguinhos e coordenadora do projeto Casa Viva/Rede CCAP.

Em entrevista para o Informe ENSP, Beth Campos revela como foi criado o Espaço Casa Viva/Rede CCAP, quais as atividades que desenvolvem, o papel que a ENSP tem na consolidação desse projeto e ressalta a importância para a comunidade de Manguinhos de sua indicação, por parte da Fiocruz, ao Prêmio Betinho - Atitude Cidadã 2009.

Prêmio Betinho - Atitude Cidadã 2009

Promovido pelo Comitê de Entidades no Combate à Fome e Pela Vida (Coep), o Prêmio Betinho é uma peça de reconhecimento que busca valorizar as pessoas que, no cotidiano, lutam contra a fome e pela promoção da cidadania. Não há distribuição de recursos financeiros. Sua primeira edição foi realizada em 2008 com 17 mil votos de 674 lugares. Os 33 vencedores foram anunciados durante o II Encontro Nacional do Coep, realizado em novembro no Rio de Janeiro. Neste ano, há 93 indicados dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal.

Até o dia 16 de outubro, trabalhadores e estudantes da Fiocruz podem escolher um entre os indicados ao prêmio, que tem como objetivo promover a sociabilidade e os direitos da criança e do adolescente. A votação pode ser feita pela Internet. Basta acessar o endereço eletrônico aqui.

Informe ENSP: Quando a Casa Viva/Rede CCAP foi fundada e qual o seu objetivo?

Elizabeth Campos:
O Espaço Casa Viva é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. A instituição guarda-chuva é a Rede CCAP, que, há mais de duas décadas, contribui com ações e projetos para o desenvolvimento local de Manguinhos.

Já o Espaço Casa Viva teve início em 2003 com atividades de arte, educação e cultura voltadas para crianças, adolescentes e jovens da comunidade de Manguinhos. Esses são os nossos beneficiários diretos. Portanto, indiretamente, toda o comunidade de Manguinhos se vê contemplada com as nossas ações.

Informe ENSP: Onde funciona atualmente o Espaço Casa Viva?

Elizabeth Campos:
O Espaço Casa Viva está na R. Capitão Bragança 142, em Manguinhos. Uma gravadora de LP, chamada Rancho Estúdio, funcionava nesse prédio. Ela deixou de existir, e o local ficou por muito tempo sem utilidade. Nisso, a organização italiana CESVI, que é um dos aportes financeiros da Rede CCAP desde o início, percebeu a necessidade da ampliação do nosso espaço físico para acomodar as atividades e adquiriu esse prédio. Então, o prédio pertence a essa organização, e a Rede funciona nesse local como contrato de comodato.

As atividades são de reforço na aprendizagem, oficinas de desenho e pintura, chamada Oficina Portinari, e a Escola de Música de Manguinhos, um projeto de extensão com a UFRJ. Só nesse primeiro semestre de 2009, atendemos 270 crianças, jovens e adolescentes. Nosso público flutua de 18 a 22 anos de idade.

Informe ENSP: E como você conheceu o projeto?

Elizabeth Campos:
Eu cheguei na Rede CCAP em 2003 para implantar e coordenar o Espaço Casa Viva. Não é um mérito apenas meu, porque existe toda uma equipe que, desde o início, contribui para a execução dos trabalhos. A minha tarefa foi organizar as propostas e trazer outras novas. Desde então, um dos resultados dessa nossa caminhada é a Oficina de Cordas e Percussão, que gerou o grupo Música na Calçada, que se apresenta na comunidade e no Campus da Fiocruz. E, como falei anteriormente, temos o projeto de extensão na UFRJ, que é a Escola de Música.

Então, o que inicialmente era uma transmissão oral de conhecimento, hoje temos condições de oferecer muito mais, desde uma proposta de formação até a profissionalização, se o aluno ao chegar aqui assim desejar. Porque aliamos a academia com esse saber popular, e isso para nós é o grande ganho.

Informe ENSP: De onde vêm os recursos para a Casa Viva/Rede CCAP?

Elizabeth Campos:
Recebemos apoios financeiros, pedagógicos e políticos. Com isso, contamos com o CESVI, a Fiocruz, que aporta recursos na Escola de Música e na Biblioteca Casa Viva, e temos a UFRJ.

Temos, ainda, concorridos a editais lançados. Então, a Biblioteca Casa Viva é um ponto de leitura na comunidade e foi selecionada em edital do Ministério da Cultura com a Secretaria de Cultura do Estado. A nossa proposta - Consórcio Literário - foi selecionada e, com outras instituições, discute e realiza saraus de poesias, festivais de redação, narração de histórias nas creches, escolas e nas ruas de Manguinhos.

Informe ENSP: Em relação especificamente à ENSP, existe algum projeto desenvolvido?

Elizabeth Campos:
A ENSP foi fundamental para a construção da Biblioteca Casa Viva cotribuindo com muitas doações de livros, em 2006, durante a semana de aniversário da Escola. Além disso, a Escola atua no Programa de Controle de Dengue em Manguinhos (PCDM), que conta com a participação do Espaço Casa Viva.

Através do PCDM, seguimos com a proposta de trabalhar saúde e educação no território de Manguinhos, ampliando ainda mais a parceria com a ENSP, de onde vêm os pesquisadores que nos auxiliam na educação com a comunidade.

Informe ENSP: O Casa Viva/Rede CCAP é voltado apenas para crianças, jovens e adolescentes?

Elizabeth Campos:
Não especificamente. Temos pais que chegam para trazer seus filhos e acabam participando das atividades conosco, principalmente na Escola de Música. Um aluno chegou para fazer aula, e sua mãe perguntou se poderia se matricular também. Então, o filho se inscreveu em musicalização infantil, e a mãe foi fazer canto. O aluno começou a passar pelas oficinas, só que, em determinado momento, teve que aprender a teoria, precisava escrever e se viu muito limitado. Quando os professores e o apoio pedagógico verificaram, descobriram que o aluno estava ausente da escola. Conversamos com os responsáveis, porque nosso objetivo não é substituir as ações da escola, mas ser um complemento desse processo e até intervir numa proposta de educação mais eficiente ou que leve as nossas crianças a um conceito de cidadania ativa.

Descobrimos ainda que a mãe daquele aluno também estava afastada da escola. Ela se matriculou no projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA), e hoje ambos têm suas autoestimas elevadas, porque tiveram acesso ao conhecimento e à busca de direitos.

Nós acabamos funcionando como um grande celeiro de formação para crianças, jovens, adolescentes e adultos, além de sermos um espaço com ambiente de direitos e de solidariedade, e é isso que me emociona bastante sobre o Espaço Casa Viva.

Informe ENSP: Você saberia dizer quantas pessoas são atendidas hoje?

Elizabeth Campos:
Nós temos 312 crianças, adultos e jovens frequentando o Casa Viva. Temos também outras atividades envolvendo a comunidade, como o PCDM, ao projeto de Promoção de Direitos aos Jovens, com a FASE, e, dessa maneira, atendemos à comunidade em diversas instâncias.

Informe ENSP: Qual é a sua formação?

Elizabeth Campos:
Sou estudante de psicologia, mas o que construiu minha formação foi a minha história. Mulher negra, moradora de Manguinhos, mãe especial, porque tenho duas filhas, uma delas com uma síndrome. A vida me deu a formação de que não devo estar envolvida com as histórias de violação de direito; pela minha condição, não devo estar envolvida numa história de vitimização, mas, sim, tomar as rédeas da minha vida e sair desse ciclo. Eu cheguei à ONG Criola e fiz o curso de Promotora Legal Popular, que trabalhava questões de gênero e raça, falando de direitos humanos, violência doméstica, questão racial, infância e juventude, me apaixonei e percebi que, nesse contexto, poderia construir a minha história.

Informe ENSP: Até esse momento você já tinha cursado o nível médio?

Elizabeth Campos:
Eu já tinha me formado na escola, e toda essa vivência me deu vontade de continuar estudando. É claro que a universidade tem importância e valor. Só que a pessoa que atua muito na prática tem a necessidade de ampliar a formação, e nesse caso falo da questão acadêmica. Mas eu penso que não devo colocar esse fator como primordial.

O principal, que eu trago sempre para minha vivência, é minha história de vida. Essa é minha compreensão. Se eu mudo esse foco, não vou contribuir com o local onde vivo. E, com minha história de vida, acabo me transformando numa referência para esse local.

Precisamos tirar o estigma de uma cidade partida, de muros invisíveis. A gente precisa caminhar sempre para que os valores de fora da comunidade compreendam a história da comunidade, e tragam seu conhecimento para que ajudem a intervir nessa comunidade, de modo que os moradores que vão se formando e adquirindo experiência sintam o desejo de contribuir também com o seu local para que haja a verdadeira transformação.

Informe ENSP: Como está vendo sua indicação pela Fiocruz ao Prêmio Betinho - Atitude Cidadã 2009?

Elizabeth Campos:
O fato de ser indicada, para mim, já é muito honroso. Mas eu vejo nessa indicação uma oportunidade, não para a Beth, mas para a comunidade de Manguinhos ser citada de um modo diferente do que é o seu cotidiano de histórias de violência, de histórias que maltratam o coração da gente, porque, de certa forma, a nossa realidade é muito dura.

Vivemos as diversas formas de violência, não apenas em Manguinhos, mas em todo o lugar com esse contexto de viver em comunidade. Então, o fato de ter sido lembrada é mostrar para o Rio de Janeiro, Brasil ou mundo, que Manguinhos tem valores, e esses valores precisam ser exaltados.

O que eu tenho conquistado com minha história, e a forma com que tenho conseguido resolver esses conflitos e vivências, faz com que eu me sinta premiada. Mas esse prêmio contribui para dizer que Manguinhos tem seus valores e diversas Elizabeths, que precisam ser valorizadas também para que as pessoas olhem para esse lugar sem pavor, sem desprezo, mas, sim, com respeito; onde existem pessoas que pensam igual a mim e que buscam uma sociedade melhor.

A importância de estar sendo indicada é colocar a comunidade que tanto amo como referência do bem.


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